Acórdão nº 152/22.9T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ LÚCIO
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I – RELATÓRIO A requerente “LUX PROJECTS, S.A.” veio instaurar o presente procedimento cautelar de arresto contra a requerida “MOSDEX INTERNATIONAL LIMITED” pedindo que seja decretado o arresto do imóvel designado por lote (…) do Loteamento ..., sito na Quinta ..., Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…).

Em audiência, a requerente peticionou ainda que se declare a inversão do contencioso, ao abrigo do preceituado no artigo 369.º, do C.P.C.

Alega a requerente, em suma, que executou trabalhos de empreitada para a requerida, concretamente na construção da aludida moradia, de onde resultou o direito ao respectivo pagamento; porém, apesar de facturados, esses créditos ainda não foram pagos.

Estão por isso em dívida as quantias de € 652 909,73 (incluindo IVA), a que se refere a factura n.º ...63, com vencimento em 16/11/2021, e de €21 741,96 (incluindo IVA) a que se refere a factura n.º ...62, com vencimento também em 16/11/2021, Acrescenta a requerente que apesar das suas diligências não tem conseguido cobrar esses seus créditos, e que o único património da requerida é o referido imóvel, o qual a requerida se apresta a vender, sendo por isso justificado o receio de perda da garantia patrimonial.

Para prova da factualidade alegada a requerente juntou documentos e indicou prova testemunhal.

Realizada audiência, foi proferida decisão que julgou improcedente o pedido de arresto, indeferindo a providência, tal como a inversão do contencioso.

* II – O RECURSO A requerente intentou então o presente recurso de apelação, apresentando no final as seguintes conclusões: A. Considerou a douta Sentença recorrida que os factos indiciariamente apurados e não apurados e a matéria adquirida no procedimento não permite formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado.

  1. E assim decidindo indeferir a presente providência, e em consequência, indeferir ainda a inversão do contencioso requerida.

  2. Mas tal consideração, não é compaginável com realidades, com arrimo processual nos autos e relevância substantiva nos mesmos, como se disse na motivação deste recurso que antecede.

  3. Como é consabido o arresto constitui uma providência cautelar de natureza especificada e conservatória, que se destina a garantir um direito de crédito sempre que o credor tenha o fundado receio de que o devedor possa alienar, ocultar ou dissipar o seu património, frustrando, dessa forma, a satisfação patrimonial desse direito.

  4. Assim, para que o arresto possa ser decretado, torna-se necessário o preenchimento cumulativo de dois requisitos, isto é, a probabilidade de existência de um direito de crédito e o justo receio de perda da garantia patrimonial desse direito.

  5. Quanto ao requisito da probabilidade da existência de um direito de crédito, o legislador não exige a prova da verificação efetiva desse crédito, mas tão-só que seja provável a existência do mesmo, nem tão-pouco que a obrigação seja certa, exigível e líquida ou que já se encontre reconhecida.

  6. Pelo contrário, a lei contenta-se com a mera aparência do direito de crédito, podendo tratar-se de um qualquer crédito, mesmo que ilíquido, ainda que sujeito a condição, ou a termo.

  7. Já quanto ao fundado receio de perda da garantia patrimonial, este consubstancia-se no perigo de serem praticados atos de ocultação, disposição, alienação ou oneração do património do devedor, não se exigindo a prova de qualquer conduta dolosa ou fraudulenta nesse sentido.

    I. O justo receio da perda de garantia patrimonial só pressupõe a alegação e prova, indiciária, de um circunstancialismo fáctico possa fazer antever o perigo de se tornar difícil ou mesmo impossível a cobrança do crédito.

  8. Assim, o receio de perda da garantia patrimonial do crédito mostra-se justificado quando está indiciariamente demostrada a existência do perigo de insatisfação do crédito, por o seu titular se deparar com a ameaça de poder estar a ser lesado na sua garantia, isto é, no património do devedor que assegura a cobrança do crédito.

  9. Sendo que no conceito de “justo receio de perder a garantia patrimonial” abarca uma variedade de situações, de entre as quais, a dissipação, sonegação ou ocultação de bens, a situação deficitária do devedor, demonstradas as razões objetivas em que se funda.

    L. Acreditando a Recorrente que estes dois requisitos estão amplamente demonstrados e verificados no requerimento inicial dos presentes autos e na motivação deste recurso, isto é, a probabilidade da existência de um crédito a favor da Recorrente, e o fundado receio de perda da garantia patrimonial do crédito.

  10. De forma sucinta e concluindo do alegado na motivação, a Recorrente e a Requerida estabeleceram relações comerciais entre si, pelas quais a Recorrente se obrigou à execução de trabalhos de empreitada conforme factos indiciariamente provados nºs 6º a 11º.

  11. A Requerente procedeu à interpelação admonitória da Requerida para pagamento das faturas que emitiu e enviou à Requerida, com a referida interpelação, datada de 19.11.2021, no montante respetivamente de 21.714, 96 euros e 652.909,73 euros, que as aceitou e recebeu efetivamente em 24.11.2021, cfr. docs 16 e 16.1 da petição inicial, e que a Requerida não devolveu à Recorrente, fixando data limite para o seu pagamento 10 dias após a receção da referida interpelação, seja, em 02.12.2021, cfr. pontos 22, 23 e 24 de factos indiciariamente provados.

  12. Faturas referentes ao valor em dívida com referência ao total dos trabalhos construtivos efetuados nos termos do contrato de empreitada, bem como a correção do valor da empreitada em 30%, a qual havia sido efetuada a “preço de custo”, isto é, sem qualquer margem de lucro para a Recorrente, em face do incumprimento da Requerida da parceria celebrada com a Recorrente como melhor se alegou supra na motivação do presente recurso.

  13. Não obstante a interpelação para pagamento da Requerida, a qual não foi respondida, esta não procedeu ao pagamento de qualquer das citadas faturas, permanecendo ambas em dívida na presente data.

  14. Razão pela qual a Requerida lançou mão de uma Notificação Avulsa, cfr. ponto 17 de factos indiciariamente provados, com a mesma finalidade da supra citada interpelação, a qual, e também como supra alegado, a Requerida, na pessoa do seu beneficiário último, e representante em Portugal, AA, se furtou, dolosamente a receber tal notificação, embora não desconhecesse a que fim a mesma se destinava.

  15. Acresce que após se furtar à referida notificação avulsa, AA, não mais atendeu o telefone, ou se deixou contatar pelo solicitador de execução encarregue da notificação, nem o escritório de advogados que têm vindo a representar a requerida, como por ex. na receção provisória da obra, aceitou recebê-la.

  16. Assim, perante tais factos, mostra-se provável a existência de um direito de crédito da Recorrente, sobre a Requerida, resultante de valores faturados, não pagos, que esta conhece e não contestou, relativos ao final de pagamento do contrato de empreitada, e à correção do valor do orçamento para o normal custo de mercado, ou seja, acrescendo 30% ao “valor de custo.” T. Quanto ao requisito do periculum in mora, isto é, a concreta situação de perigo que se poderá consumar se a requerida apreensão da “...” identificada no lote ...3 não for decretada, está também verificada, porquanto: U. O receio de perda da garantia patrimonial do crédito deve ser valorado em função da ponderação de diversos fatores, tais como o montante do crédito, a maior ou menor capacidade de solvabilidade do devedor, a atividade por este desenvolvida e que lhe gera receitas, a sua situação económica e financeira, a natureza do seu património associado a possibilidade da sua dissipação, bem como a ocorrência de procedimentos que revelem o propósito de este não cumprir com o pagamento do crédito.

    V. Resulta indiciariamente provado que a Requerida não procedeu ao pagamento integral da empreitada, encontrando-se por liquidar o montante vencido de 21.714, 96 euros, bem como o montante igualmente vencido de 652.909,73 euros, relativo à correção do orçamento, facto a que a Requerida exclusivamente deu azo por incumprimento do acordo firmado entre as partes, tendo assim indiciariamente a Requerente um crédito no montante total sobre a Requerida de 674.651,69 euros.

  17. Mais resulta indiciariamente provado que a Requerida tem como seu único ativo a “...” construída no lote ...3 da Quinta ..., que não exerce, desde a sua constituição, qualquer atividade que lhe proporcione quaisquer proveitos, que tem um capital social de somente £1.000, dividido em 1.000 ações, que tem tido resultados de exploração anuais negativos, sendo o último conhecido em 12/2019 negativo em £3.722, registando um passivo total (contas a pagar) na mesma data de £4.653.378, sendo que este passivo excede, na referida data, o seu ativo corrente, tendo este diferencial vindo anualmente a evoluir negativamente, cfr. doc. 3 da petição inicial.

    X. A empreitada encontra-se concluída e recebida provisoriamente, tendo todos os defeitos construtivos sido eliminados, cfr. pontos 12 e 13 de factos indiciariamente provados, estando a “...” em condições de ser vendida desde o início de 2019.

  18. O representante da Requerida em Portugal AA tem vindo a protelar a venda da “...” desde então, alegando não ser o momento oportuno para proceder à sua venda, tendo tirado partido do circunstancialismo e restrições impostas pela Pandemia de Covid 19.

  19. Na prossecução do plano astucioso que gizou, isto é, vender a “...” sem o conhecimento da Recorrente, AA, fez crer que havia desistido da sua venda, e que nela “pretendia” passar a habitar.

    AA. Sucede que, a esta declaração, e à revelia da Recorrente, e sem nada a informar, a Requerida promoveu a venda da “...” em sites internacionais, alemão e inglês, sendo este o mercado típico dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT