Acórdão nº 1191/16.4T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ LÚCIO
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I – RELATÓRIO Os presentes autos de processo comum foram instaurados pela autora A…, na qualidade de curadora de sua mãe, B…, contra os aqui réus e apelados C… e Tecnorisi – Assistência Técnica e Comércio de Sementes Lda.

Pediu a autora, em resumo, a anulação, com todas as legais consequências, de um negócio celebrado no dia 30/08/2011 entre a referida B… e o réu C… no qual a primeira declarou vender e o segundo comprar um imóvel pertença da primeira, estipulando-se ainda uma promessa de futura recompra, tendo posteriormente o imóvel sido vendido pelo réu C… à segunda ré, devendo essa anulação ser acompanhada da condenação dos réus a ressarcir a contraente pelos prejuízos por ela sofridos em consequência desses actos.

Alega para tanto a autora, também em breve resumo, que nessa data a vendedora estava incapacitada de facto, por anomalia psíquica, e o negócio revestiu características usurárias, articulando factualidade tendente a demonstrar essa situação de incapacidade e essa caracterização do negócio.

Contestaram os réus, na parte aqui em referência para impugnar a versão dos factos exposta pela autora e opor-se às pretensões deduzidas.

Tendo o processo percorrido os seus trâmites, veio a realizar-se o julgamento e a ser proferida sentença na qual foi julgada improcedente a acção e em consequência ficaram absolvidos os réus de todos os pedidos deduzidos.

Já após o encerramento da audiência de julgamento a autora veio juntar aos autos dois documentos (relativos a uma acção de honorários proposta contra a inabilitada pela massa falida da sociedade de advogados que integrava a testemunha F…, designadamente o laudo da Ordem dos Advogados proferido nesse âmbito) que o Mmo. Juiz considerou inadmissíveis, por tardios e irrelevantes para a causa, pelo que rejeitou a sua junção.

*II – O RECURSO Não se conformando com o decidido, na sentença e também no despacho que indeferiu a junção de documentos, a autora intentou o presente recurso de apelação, apresentando no final as seguintes conclusões, que transcrevemos: “Concretos Pontos de Facto que se consideram incorrectamente julgados.

1 - Consideram-se incorrectamente julgados os Pontos de Facto, n.os 4.2.1 e 4.2.2. dos FACTOS NÃO PROVADOS.

2 - Os quais deveriam ter sido dados como PROVADOS; 3 - Na falta de documento com valor probatório suficiente, acordo ou confissão, o Mm.º Juiz estava obrigada a apreciar as provas produzidas, naturalmente seguindo as regras do direito probatório, livremente (com as limitações impostas pela parte final do nº 5 do art.º 607º CPC), segundo a sua prudente convicção, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

4- Recorre-se do segmento decisório da Sentença que considerou não haver lugar à anulação do negócio jurídico de compra e venda celebrado com o 1º R. C…, quer por não se haver provado a incapacidade acidental de B…, quer por não se considerar o negócio usurário.

5 - Nos termos do disposto no art.º 150º do Código Civil, aplicável ex vi do art.º 156º CCv, aos negócios celebrados pelo incapaz antes de anunciada a proposição da acção é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental.

6 - Sendo certo haverem os factos relativos à intervenção da Mãe da A. no negócio ocorrido no ano de 2011 e a acção de inabilitação ter sido instaurada em 2012, há que apurar se a inabilitada, quando praticou os actos cuja anulação se peticiona, se encontrava, ou não numa situação de incapacidade acidental.

7 - Constituem requisitos da anulação de um acto por o declaratário se encontrar numa situação de incapacidade acidental quando: - alguém se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido da declaração negocial ou não tinha o livre exercício da sua vontade; e - ser o facto seja notório ou conhecido do declaratário.

8 - Na apreciação da prova produzida, o Mm.º Juiz a quo utilizou o que chamou de “regras de experiência comum” e conclui pela “normalidade” dos actos e contrato celebrados pelas partes; 9 - “III - As regras da experiência não são meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos do conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além do caso a que respeitem, adquiridas, em parte, mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, e, noutra parte, mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria, permitindo fundar as presunções naturais, mas sem abdicar da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, conduzindo à extracção de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil.” (Ac. STJ, de 6-7-2011, in DGSI) 10 - E o que se verifica da Sentença recorrida, é que o princípio da livre apreciação da prova, e os critérios da experiência comum e da normalidade se encontram subvertidos, ou não têm correspondência com a realidade da vida em sociedade 11 - A Sentença recorrida confere à fixação da incapacidade no ano de 2014 efectuada pela sentença de inabilitação um carácter quase definitivo quanto ao momento a partir do qual se verifica a incapacidade, sem atender à restante prova produzida; 12 - Tanto assim, que não atendeu aos documentos juntos pelo R. C…, de fls. 296 a 305, por subscritos pela inabilitada; porém, 13 - “A declaração judicial, na sentença que decreta a interdição, sobre a data do começo da incapacidade, constitui mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência, da incapacidade, à qual pode ser oposta contraprova, nos termos do art. 346º do CC. (Ac. STJ 22-1-2009, in DGSI) 14 - Não pode tal argumento ser, por si só, determinante e sem mais considerações para afastar a presunção de incapacidade ou considerar-se como inverificada tal incapacidade à data dos factos.

15 - Em consequência, mais prudente teria sido optar-se por credibilizar os depoimentos objectivamente desinteressados das testemunhas da A. e conferir valor ao Relatório Pericial, do que aos depoimentos interessados das testemunhas das RR.

16 - Considerando que o próprio relatório pericial, em 2013, considera possível, “até provável” que a incapacidade existisse antes (só não o declara porque a objectivação só é feita naquele momento); que o médico neurologista (Prof. …), que segue a paciente desde 1985 até 2011, afirma categoricamente —como médico, sem qualquer interesse directo ou indirecto na causa— que a paciente apresenta a patologia, que levou a determinar a inabilitação, desde há muito, mas seguramente até ao termo da sua consulta em 2011; que o Dr. …, médico da paciente durante mais de 50 anos (também, sem qualquer interesse directo ou indirecto na causa), confirma integralmente a situação clínica da paciente; se a sua ex-empregada doméstica (…), de forma simples e já sem a capacidade de observação clínica das anteriores testemunhas, também, o afirma, em que a contraprova a este Relatório e depoimentos, são, apenas, depoimentos de pessoas que todas têm interesse, directo ou indirecto, na causa; 17 - Tal como o Dr. F…, seu mandatário ao tempo do negócio anulando, cujo depoimento deve ser totalmente descredibilizado, uma vez que tentou obter da inabilitada honorários exorbitantes a que não tinha direito e, até ficou sujeito a procedimento disciplinar na Ordem dos Advogados, por causa do seu patrocínio à Inabilitada.

18 - Como abaixo melhor se identificará, da prova produzida pela A. é possível extrair com segurança que a incapacidade de B… já se verificava antes do ano de 2014 e, sobretudo no ano de 2011 em que o contrato por si celebrado teve lugar; 19 - E, assim, haveria de ter sido dado como provado, este segmento dos Factos não Provados 4.2.1. e 4.2.2, de que a doença de que a inabilitada padece e foi causa da sua inabilitação se verificava já antes da data de fixação da sua incapacidade, ou seja, 2014.

20 - Curando os autos de saber se dada pessoa padecia, em dado momento, de uma doença incapacitante, mal se percebe por que razão mais crédito se dá (na Sentença) ao depoimento de pessoas com manifesto interesse na decisão da causa (advogados, que não pretender ter problemas deontológicos e disciplinares”, que ao médico assistente, que acompanhou a doente ao longo de 25 anos, mesmo ainda durante o negócio anulando (2011) ! 21 - Ditarão as regras da experiência e da seriedade intelectual, que mais crédito, sobre a matéria da doença, se dê ao médico assistente da paciente, que aos interessados em manter os negócios realizados.

22 - A doença de que a Inabilitada padece (e padecia ao tempo da observação por esta testemunha) levava-a a evitar os contactos com a família próxima, dissimulando, mentindo, enfim, faria o que fosse possível para levar os seus intentos adiante, sem olhar a consequências.

23 - Assim, não deve colher a observação do M.mo Juiz a quo relativa à sua falta de compreensão pela menor intervenção familiar: ela furtava-se a essa intervenção, por característica da doença.

24 - Em consequência, mais prudente teria sido optar-se por credibilizar os depoimentos objectivamente desinteressados das testemunhas da A. e conferir valor ao Relatório Pericial, do que aos depoimentos interessados das testemunhas das RR.

25 - E, assim, haveria de ter considerado estes segmentos dos Factos não Provados 4.2.1 e 4.2.2, de que a doença de que a inabilitada padece e foi causa da sua inabilitação se verificava já antes da data de fixação da sua incapacidade, ou seja, 2014, naturalmente, em 2011, na data da celebração do negócio com o R. C….

26 - O Mm.º Juiz a quo não atentou no mais importante: a Conclusão do Relatório Pericial, que estabelece: “A examinada apresenta evidência clínica, objectivada por avaliação neuropsicológica, de ausência de integridade das capacidades fundamentais para gerir o seu...

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