Acórdão nº 326/18.7T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução07 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de instrução nº 326/18.7T9STR, do Juízo de Instrução Criminal de Santarém (Juiz 2), veio a assistente Sociedade Comercial “… Ldª”, recorrer do despacho que não pronunciou o arguido AA. A assistente extraiu da motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões: “1) Conforme resulta de fls., a Recorrente apresentou uma queixa-crime contra o Arguido, melhor identificado a fls., tendo-se constituído Assistente, alegando o que acima se transcreveu. 2) Por Despacho de fls. foi determinado o arquivamento dos autos. 3) Não se conformando com o Despacho de fls., a Assistente requereu a abertura de Instrução alegando o que acima se transcreveu. 4) Realizaram-se as diligências instrutórias, seguidas de Debate Instrutório. 5) Por Despacho de fls., decidiu o Meritíssimo Juiz o acima transcrito. 6) Isto porque a Assistente, aqui Recorrente, alegou e provou os factos que estiveram na origem da participação criminal efetuada contra o Arguido. 7) Para além da prova documental junta, também arrolou testemunhas que tinham conhecimento dos factos. 8) Entende a Assistente que logrou fazer prova dos factos participados criminalmente, pelo que deveria o Arguido ter sido pronunciado. 9) Conforme resultou das declarações do Gerente da Assistente, o Arguido utilizou e apropriou-se dos cheques assinados em branco, tendo-os endossado a si próprio, sem o conhecimento do gerente e, por conseguinte, da Assistente. 10) Mais: houve pagamentos efetuados e faturas emitidas a favor da Assistente, cujos bens não foram recebidos por esta, nomeadamente da Sociedade “T”. 11) Sendo certo que o Gerente da sociedade “T” aquando da sua inquirição depôs que tinha sido contratado tais fornecimentos pelo Arguido. 12) E o Arguido, quando prestou declarações, alegou que desconhecia a razão da emissão de tais faturas pela Sociedade “T”. 13) O Arguido afirmou aquando da sua inquirição que desconhecia o nome, bem como quem era o contabilista da Assistente, quando o próprio contabilista veio no seu depoimento alegar que o Arguido por diversas vezes lhe foi entregar faturas, estranhando tal comportamento, uma vez que quem entregava as faturas era o gerente da Assistente. 14) Foi o próprio Arguido que afirmou no seu depoimento que não tinha injetado nenhum dinheiro na sociedade, que apenas tinha comprado alguns animais. 15) Se o Arguido não injetou dinheiro na sociedade não teria qualquer dinheiro a reaver da mesma. 16) Se o Arguido não colocou dinheiro na empresa Assistente, também não teria dinheiro a receber da mesma. 17) Como é que o Arguido pode afirmar que os cheques se destinavam a proceder aos pagamentos em nome da Assistente e depois alega que apenas ficou com o dinheiro recebido dos clientes da Assistente e endossou cheques a seu favor porque foi ele que pagou tudo da empresa. 18) Como podemos verificar o depoimento do Arguido é contraditório e inconsistente e nada credível. 19) E tanto assim é que não foram ouvidos os gerentes das Sociedades clientes da Assistente à data dos factos, mas os atuais gerentes que nada sabiam. 20) Deveria ter sido diligenciado no sentido de serem ouvidos gerentes das referidas sociedades à data dos factos. 21) Não é credível a versão do Arguido quando alega que o veículo que consta dos presentes autos tenha sido dada ao aqui Arguido. 22) Se tal fosse verdade, o Arguido não viria depois indicar quando solicitado pela Assistente a indicação dos dados do comprador para constar da fatura de compra e venda, mas apenas daria o nome da sua mulher para constar da fatura. 23) O veículo teria sido registado no seu nome e não no nome da esposa do Arguido. 24) Conforme resulta da Perícia realizada, o Arguido apenas emitiu faturas à Assistente no valor de 127.133,30 €, tendo sacado da conta da Assistente o valor de 170,097,10 €. 25) Nunca se poderia ter decidido que o Arguido não se apropriou de quaisquer dinheiros da sociedade Assistente. 26) Resulta da perícia que há dinheiros que o Arguido recebeu dos fornecedores que eram devidos à Assistente e que em vez de depositar tais valores na conta da mesma, depositou-os na sua conta. 27) Resultaram indícios na Instrução de que o Arguido se apropriou de dinheiros que eram da Assistente e sem o seu consentimento. 28) Pelo que nunca poderia o Meritíssimo Juiz decidir não pronunciar o Arguido. 29) A Assistente juntou aos autos todos os documentos, faturas, cheques e conta corrente em que prova que o Arguido recebeu dinheiros indevidamente da Assistente. 30) Sendo que o Arguido recebeu esses dinheiros e endossou os cheques a si mesmo, sem o conhecimento da Assistente. 31) Em declarações prestadas nos presentes autos, o Gerente da Assistente declarou que os cheques se encontravam assinados em branco, a fim de serem utilizados para pagamentos aos clientes, e quando o Gerente não se encontrasse no escritório. 32) O Arguido, tendo conhecimento desse facto, utilizou os cheques, não para pagar aos fornecedores, mas para seu proveito próprio em detrimento da Assistente. 33) Não tendo comunicado ao Gerente da Assistente os dinheiros que recebeu dos fornecedores identificados na Abertura de Instrução. 34) A Assistente só teve conhecimento que já haviam sido efetuados tais pagamentos ao Arguido quando aquela peticionou os referidos valores aos seus clientes e os mesmos o informaram de que tais valores já haviam sido pagos ao Arguido. 35) Se os valores faturados à Assistente eram no valor de 127.133,30 €, e não existindo nenhum documento contabilístico ou declaração que comprove os alegados empréstimos pelo Arguido à Sociedade não poderia o Meritíssimo Juiz decidir que o Arguido havia emprestado dinheiro à sociedade ou pago algum valor pela sociedade Assistente. 36) Deverá ser revogada a decisão instrutória e substituída por outra que pronuncie o Arguido para julgamento, com todas as consequências legais daí resultantes. 37) Lendo, atentamente, a Decisão recorrida, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto suscetível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo do arquivamento dos autos. 38) O Tribunal, o Meritíssimo Juiz, com a Decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos da Assistente, aqui Recorrente, e não fundamentou exaustivamente a sua decisão, sobretudo ao não apreciar criticamente todas as provas requeridas em sede de instrução, nomeadamente os documentos juntos, o depoimento das testemunhas arroladas pela mesma, a perícia, nomeadamente quanto aos valores apropriados pelo Arguido, para além dos valores que foram faturados pelo Arguido à Assistente. 39) Dúvidas não existem de que, assim, a Assistente, aqui Recorrente, não foi tratada de forma igual a outros cidadãos perante a lei. 40) O Despacho recorrido viola: a) O disposto nos artigos 13º, 205, 207º e 208º da CRP. Termos em que se requer a V. Exas. a REVOGAÇÃO da Decisão recorrida, por ser de LEI, DIREITO e JUSTIÇA”. * A Exmª Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância respondeu ao recurso, no sentido de ser negado provimento ao mesmo e mantida a decisão recorrida, concluindo tal resposta nos seguintes termos (em transcrição): “1ª - Nos presentes autos colocam-se duas questões a dirimir: – Suficiência ou insuficiência dos elementos probatórios carreados para os autos para fundamentar a pronúncia do arguido AA; e, – Obediência ou não por parte do RAI da assistente aos requisitos legais, designadamente se o mesmo cumpre as exigências das alíneas b) e c) do nº 3 do art. 283º do CPP, aplicável ex vi art. 287º, nº 2, do mesmo diploma legal. 2ª - A assistente recorre do despacho de não pronúncia proferido em 16-11-2021, referência 88366503, no qual se considerou a existência de duas problemáticas essenciais, nomeadamente quanto à indiciação dos factos e crimes imputados ao arguido e quanto à admissibilidade da instrução. 3ª - Esse despacho ponderou quanto a cada uma dessas duas questões: - “(…) os elementos probatórios produzidos e recolhidos em sede de inquérito e de instrução não permitem dar como suficientemente indiciados os factos que constam do RAI, bem ao contrário, impondo-se, portanto, a não pronúncia do aqui arguido”; - “(…) ainda que tal não ocorresse, sempre nos parece que não foram alegados na acusação factos suficientes que permitam imputar ao arguido os ilícitos de burla, abuso de confiança e infidelidade, o que sempre implicaria a rejeição do RAI, por inadmissibilidade legal e, nesta fase processual, admitido o mesmo, a não pronúncia do arguido”. 4ª - A assistente discorda do sentido da decisão de não pronúncia, pois entende que alegou e provou os factos que estiveram na origem da participação criminal efetuada contra o arguido, pelo que o mesmo deveria ter sido pronunciado. 5ª - Na perspetiva da recorrente há indícios de que o arguido se apropriou de dinheiros que eram da assistente, sem o seu consentimento, tendo recebido indevidamente dinheiros da mesma e endossado cheques a si próprio sem o conhecimento dela. 6ª - Propugna a recorrente que se os valores que o arguido faturou à assistente eram no valor de 127.133,30 €, não existindo nenhum documento contabilístico nem declaração que comprove o empréstimo correspondente pelo arguido à assistente não se podia ter concluído que houve esse empréstimo ou que o arguido efetuou algum pagamento pela sociedade assistente. 7ª - Neste contexto, a recorrente considera que a decisão instrutória não se encontra exaustivamente fundamentada, não contendo apreciação crítica de todas as provas requeridas em sede de instrução, nomeadamente os documentos juntos, o depoimento das testemunhas arroladas pela assistente, a perícia, quanto aos valores apropriados pelo arguido, para além dos valores faturados pelo arguido à assistente. 8ª - De acordo com a recorrente, esta não foi tratada de forma igual a outros cidadãos perante a lei, pelo que, na perspetiva da recorrente, a...

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