Acórdão nº 1135/20.9T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelPAULA DO PAÇO
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] I. Relatório Na presente ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, que C… move contra J…, foi proferida sentença, com a seguinte decisão: «Face ao exposto julgo a ação movida por C… contra J… parcialmente procedente e, consequentemente: 1) Reconhecendo a existência de um contrato de trabalho doméstico celebrado entre as partes no período entre 31.10.2016 e 06.05.2020, declaro ilícito o despedimento da autora ocorrido a 06.05.2020 e condeno o réu a pagar à autora uma indemnização no valor de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros), acrescida de juros de mora à taxa civil desde o dia seguinte à data do despedimento (07.05.2020) até efetivo e integral pagamento; 2) Condeno o réu a pagar à autora quantia de € 3.200,00 (três mil e duzentos euros), a título de retribuição de férias e subsídio de férias vencidos durante a execução do contrato de trabalho, acrescidos de juros de mora a contar da data do respetivo vencimento (por reporte ao dia 30 de junho de cada ano), até efetivo e integral pagamento; 3) Condeno o réu a pagar à autora a quantia de € 791,66 (setecentos e noventa e um euros e sessenta e seis cêntimos), a título de subsídios de natal vencidos durante o contrato, e respetivos juros de mora vencidos à taxa civil desde a data de vencimento de cada subsídio (22 de dezembro de cada ano) até efetivo e integral pagamento; 4) Absolvo o réu do demais peticionado (…)» Não se conformando com o decidido, veio o Réu interpor recurso para esta Relação, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem: «I.A sentença recorrida, para além de fazer errada apreciação da prova produzida, padece de erro na decisão fazendo uma errónea aplicação do direito à vertente caso, contrariando assim a Lei, o Direito e a Justiça.

II-A Sentença viola as normas jurídicas contidas nos artigos 607º nº4 e 5 e 615º nº1 alínea b) do CPC e (com o devido respeito), não fez uma correta interpretação dos Artigos 342º, 350º, 1152º, 1154º do Código Civil, artigos 2º e 31º do DL nº235/92 de 24/10 e artigos 12º, 381ºe 389º do CT.

III-Os factos provados e os não provados carecem por inteiro de verdadeira fundamentação, da análise crítica das provas e da especificação discriminada dos fundamentos que serviram de base à convicção do julgador.

IV-No julgamento da matéria de facto a decisão deve declarar quais os factos que o Tribunal considera provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

V-A imposição da fundamentação das decisões está consagrada no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, constituindo o princípio da motivação das decisões judiciais uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito.

VI- Conforme estatui o artigo 607.º, n.º 4 do CPC, a sentença terá que deve conter a motivação da decisão de facto, com exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e fundamentar tal decisão, indicando as provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, fundamentalmente, a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.

VII-Analisando o caso dos autos, verifica-se que o Mº Juiz do tribunal “a quo” na fundamentação da decisão da matéria de facto apenas fundamentou os factos provados em termos genéricos, indicando os elementos de prova em que se baseou, nomeadamente, os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência.

VIII-Trata-se, efetivamente de uma fundamentação muito pobre e que não satisfaz plenamente o escopo do art. 607º nº 4 do CPC. No entanto, depreende-se desta fundamentação da decisão da matéria de facto que as testemunhas ouvidas em audiência foram relevantes para o julgador formar a convicção quanto aos factos que considerou provados e, simultaneamente, foram insuficientes para formar uma convicção positiva quanto aos factos não provados.

IX- Entende o recorrente que a Douta Sentença recorrida não fundamenta devidamente porque razão considerou válido o depoimento das Testemunhas (…) e (…) amigo e marido da autora, respetivamente, e porque desconsiderou o depoimento de (…), Trabalhadora/Encarregada da exploração agrícola da empresa do réu, há mais de 5 anos.

X-A Testemunha (…) (O seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, das 14:26:27 às 14:41:51 horas), amigo e arrolado pela autora disse em Tribunal, e tal como consta na Douta Sentença que enquanto ex-trabalhador agrícola do réu, disse que quando trabalhou para o réu, o que fazia de forma intermitente, via sempre a autora a trabalhar na herdade do réu, a limpar e a fazer refeições, quando necessário, o que fazia de segunda a sexta das 9h00 ás 13h00/13h30.

XI- Não se percebe, nem sequer parece ser credível que um trabalhador agrícola, numa herdade grande, como era o caso desta testemunha, consiga controlar o horário de trabalho da autora, com a exatidão referida, e muito menos se aceita que sendo trabalhador no campo consiga ver a autora dentro de casa a fazer as refeições, quando necessário.

XII-Referiu ainda esta Testemunha ao Douto Tribunal que após ter sido o réu alvo de uma fiscalização da Segurança social, a autora foi despedida pelo Réu.

XIII-Facto que admitiu não ter presenciado, mas que lhe foi relatado da autora.

XIV- Ora, uma coisa é aquilo que vemos, presenciamos e relatamos ao Tribunal, outra bem diferente, é o que nos contam e relatam ter acontecido, para dessa forma reproduzirmos em Tribunal.

XV- E para mais, esse relato dos factos veio da própria Autora e interessada direta na causa.

XVI-Quanto ao marido da autora, a Testemunha (…) (O seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, das 14:43:40 às 14:56:51 horas), disse em Tribunal exatamente o que se esperava para a prova dos factos alegados pela autora.

XVII-Enquanto a Testemunha (…), que trabalha há mais de 5 anos na exploração agrícola do réu (O seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, das 14:58:39 às 15:11:02 horas), disse em Tribunal que a autora trabalhava à hora, 5€ (cinco euros) por hora e recebia ao dia.

XVIII-Referiu ainda que a autora só trabalhava os dias em que podia e quando não estava a trabalhar para outras casas ou a cuidar dos pais, que, quando ia trabalhar porque tinha outras casas nas mesmas condições, trabalhava entrava às 09h00 e saía às 13h00.

XIX- Por vezes a autora fazia mais horas porque era a Testemunha (…) que a ia buscar e levar, e por isso esta tinha que ir mais cedo, pelas 08h00. A testemunha referiu que a autora fazia o trabalho dela com os materiais de limpeza fornecidos pelo réu e consoante entendia, mas por vezes, recebia orientações do réu sobre o que devia fazer.

XX- O Douto Tribunal recorrido justifica para dar como provados os factos em causa, o depoimento das Testemunhas, uma vez que o cônjuge da autora, referiu que esta recebia 20€ ao dia, o que permitiu, juntamente com o depoimento da testemunha (…), concluir que a mesma era paga ao dia.

XXI- Quanto à forma de prestação do trabalho (de segunda a sexta-feira e não ocasional ou esporádica) e quanto à forma de cessação do mesmo, como relatado pela autora, o Tribunal recorrido considerou apenas depoimento das duas primeiras testemunhas, da autora, justificando que “pareceu mais credível e de acordo com as regras da experiência comum”.

XXII- Ou seja, o Tribunal a quo apontou como razões para alicerçar a sua convicção, a resposta positiva aos factos n. 2, 3, 4, 5, 6, 7, e 8, resposta que teve como motivação, essencialmente, o depoimento das testemunhas da autora (…) e (…).

XXIII- E desconsiderou totalmente o depoimento coerente e consistente da testemunha (…) que sendo trabalhadora do réu sabia perfeitamente em que condições é que a autora trabalhava para o réu, que sabia quando esta ia trabalhar, nomeadamente, que não ia todos os dias da semana, porque tinha outras casas, onde trabalhava e porque também cuidava dos pais idosos.

XXIV- Ora, no seu livre exercício de convicção, deve o Tribunal indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado.

XXV- A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4).

XXVI- A Douta Sentença recorrida não explica porque razão lhe pareceu mais “credível” o depoimento das Testemunhas da autora (…) e (…), do que o depoimento da Testemunha (…) para prova da matéria relativa à forma de prestação de Trabalho e quanto à forma de cessação do mesmo.

XXVII-A subsunção jurídica que desaguou na sentença condenatória do réu assentou, assim e no essencial, na valoração extrema do depoimento das Testemunhas da autora e na não consideração da prova realizada pelo réu.

XXVIII-Não concorda o recorrente com a decisão recorrida por uma errónea perceção da prova realizada nos autos.

XXIX-Os pontos 2 (apenas na parte- perfazendo pelo menos €400,00/mês), 4, 6, e 8 dos factos provados e os pontos a) b) e c) dos factos não provados foram incorretamente julgados.

XXX- A sentença “a quo” violou o previsto no artigo 607º, n.º 4 do CPC, por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT