Acórdão nº 20/22.4T8VVC-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | MANUEL BARGADO |
Data da Resolução | 30 de Junho de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO F.
instaurou contra C.
o presente procedimento, ao abrigo do artigo 8º e seguintes da Convenção de Haia de 1980 (Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças), requerendo que se ordene o regresso imediato a França da criança Z.
, filha do requerente e da requerida.
Alegou, em sítese, que a criança Z. nasceu em França e sempre lá residiu até ao momento em que a requerida/progenitora a deslocou, sem consentimento ou conhecimento do requerente/progenitor, para Portugal, sendo que até ao momento da deslocação, por acordo verbalmente estabelecido entre as partes, a criança encontrava-se em residência alternada semanal.
Por despacho de 10.03.2022, no qual se ponderou, além do mais, que o presente processo não foi precedido de fase pré-contenciosa – prevista no artigo 7.º da Convenção da Haia de 1980, a qual é da exclusiva competência da Autoridade Central (DGRSP) –, determinou-se a realização de conferência, no decurso da qual foi: i) questionada a progenitora sobre a disponibilidade para viabilizar o regresso voluntário da criança a França, bem assim como o progenitor quanto à prestação de consentimento relativamente à deslocação da criança para Portugal; ii) fixado um regime de convívios entre a criança e o progenitor no âmbito do presente processo; iii) notificada a progenitora para, no prazo de 5 dias, alegar o que tivesse por conveniente.
A requerente apresentou alegações, pugnando pelo indeferimento do pedido de regresso da criança Z. a França.
Para tanto alegou, em síntese: - o procedimento processual adotado pelo Requerente não é o legalmente estipulado na Convenção de Haia e no Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, uma vez que o Requerido, ao ter recorrido aos Tribunais Portugueses, reconheceu que a residência habitual da criança corresponde a Portugal e não em França.
- não se está perante uma deslocação ou retenção ilícita da criança Z. porquanto não se verificou a violação do direito de guarda, uma vez que as responsabilidades parentais relativas à criança não foram, até à presente data, reguladas.
- verifica-se uma exceção que fundamenta uma decisão de recusa de regresso da criança a França porquanto a separação da progenitora/guardiã lhe pode causar um dano psíquico intolerável, uma vez que implicará retirar à criança a sua figura de referência e principal ligação de afetiva.
Por despacho de 04.04.2022, foi determinada a correção da espécie processual, declarada a natureza urgente dos presentes autos, determinada a não audição da criança atendendo à sua idade, bem assim como a junção aos autos de informação relativa à morada da criança pela Conservatória do Registo Civil, a elaboração de relatório social pela EMAT e a tomada de declarações aos progenitores.
Foram juntos aos autos o relatório social elaborado pela EMAT e a informação remetida pela Conservatória do Registo Civil.
Foi realizada audiência de julgamento no decurso da qual foram tomadas declarações aos progenitores e inquiridas as testemunhas arroladas.
Fixado o valor da causa e proferido despacho saneador tabelar, foi proferida decisão em cujo dispositivo se consignou: «Em conformidade com o exposto, decide-se ordenar o imediato regresso a França de Z., nascida a 29-05-2019, em França, filha de C. e F., atualmente a viver com a progenitora em Rua (…), devendo ser entregue ao cuidado do seu progenitor.
» Inconformada, a requerida/progenitora apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem: «1ª. O Requerente/Pai, por apenso à regulação das responsabilidades parentais requeridas pela Requerida, ora Recorrente, requereu, “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 8º e seguintes da Convenção Sobre os Aspectos civis do rapto internacional de crianças, concluída em Haia em 25 de outubro de 1980 e aprovada pelo Decreto do Governo nº 33/83, de 11 de Maio, publicado no D.R., 1 série, nº 108, de 11/05/83, doravante intitulada Convenção de Haia de 1980, o regresso a França da criança Z.”.
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O pedido formulado pelo Requerente é apreciado pela Convenção de Haia, de 25 de outubro de 1980, e pelo Regulamento CE nº 2201/2003 do Conselho relativo à Competência, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Matrimonial e de Responsabilidade Parental.
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Porém, os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para análise da situação em apreço.
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Assim, o Requerente, ao ter dado início ao presente procedimento em Portugal no Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo de Competência Genérica de Vila Viçosa, o Requerente/Pai, violou, designadamente, o estipulado no identificado art 10º do Regulamento CE nº 2201/2003 do Conselho.
Sem prescindir, 5. o facto de o Requerente ter considerado o Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo de Competência Genérica de Vila Viçosa – como o internacionalmente competente para apreciar acerca do regresso, ou não, da menor a França, e o mesmo ter sido reconhecido competente -, tal não pode deixar de significar que o Requerente considera e reconhece que, em prol dos princípios da proximidade, da ligação particular e do superior interesse da menor, são os Tribunais portugueses que, atenta a situação em concreto – residência habitual, integração familiar, melhores condições de vida e estabilidade –, os competentes para apreciar a questão.
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Proximidade e ligação particular que, inclusivamente, a matéria dada como provada nestes autos veio comprovar – cfr. designadamente os pontos 15, 16,30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 38 dos Factos Provados.
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Assim, o Requerente/ Pai implicitamente reconheceu, apesar de não ter alegado, que se verifica uma das situações de excepção previstas no artº 10º do Regulamento CE nº 2201/2003 do Conselho, na medida em que reconhece a residência habitual em Portugal, reconhece a proximidade e a integração da menor em Portugal e, consequentemente, o que a residência em Portugal representa no superior interesse da menor.
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Caso contrário, o Requerente teria recorrido aos Tribunal do Estado membro de origem, ou seja de França.
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Veja-se, a propósito e neste sentido, o Ac. Trib. Relação de Coimbra de 11.10.2017, in proc. 6484/16.8T8VIS.C1.
Posto isto, 10ª. Na tomada da decisão acerca do regresso ou não regresso imediato da menor a França, importa analisar, sucessivamente, primeiro, se estamos perante uma deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita e, 11ª. na afirmativa, se no caso, se verificam alguma ou algumas das situações de excepção previstas, designadamente, no artº 13º da Convenção de Haia.
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Entende a Recorrente que não resultou provada a deslocação ou retenção ilícita da criança, porquanto não se provou, de forma isenta de dúvidas, a violação do direito de guarda.
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Prova que, no caso, cabia ao Requerente/Pai fazer, mas, contudo, não fez.
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O Requerente/ Pai, para atestar o seu direito de guarda em relação à menor juntou aos autos cópia do Código Civil Francês, na íntegra e em francês, sem se reportar a nenhum artigo ou capítulo e sem tradução e 15ª. juntou aos autos um documento, aliás impugnado, onde consta que a menor frequentava uma creche – cfr. doc. a fls. - cujo documento, a ser porventura verdadeiro, nem sequer esclarece desde quando é que a menor frequentava a creche.
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O Requerente não arrolou qualquer testemunha que consigo convivesse em França e, nessa medida, pudesse relatar ao Tribunal o que poderia ser a vivência da menor em França.
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Atenta a falta de alegação e prova de factos, por parte do Requerente/Pai, para fundamentar a guarda pelo mesmo Requerente, o Mmo Juiz “a quo”, para fundamentar a sua decisão, fez constar na sentença recorrida que “tendo o tribunal de perscrutar qual o regime legal, à luz do direito Francês, que rege o exercício das responsabilidades parentais” – cfr. sentença recorrida - e, com fundamento nesta “investigação” da lei francesa, veio concluir que “impõe-se assim concluir que o direito de custódia se encontrava atribuído, de pleno direito – à luz do direito francês – a ambos os progenitores da criança Z.”.
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Porém, esta conclusão, não alicerçada em factos, retirada pelo Mmo Juiz “a quo” do regime legal francês, é manifestamente insuficiente para se poder concluir pelo direito de guarda do Requerente/Pai.
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Na verdade, o Mmo Juiz “a quo” desconsiderou os docs. nºs 1 e 2 juntos às alegações iniciais da Requerida, os quais, todavia, não foram impugnados pelo Requerente.
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Desses documentos resulta que, perante o Estado francês – quer junto da “Assurance Maladie” – que corresponde à nossa Segurança Social – quer a nível fiscal – a menor Z. apenas estava integrada no agregado familiar da Requerida, ora Recorrente, do qual o Requerente/Pai não fazia parte.
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O que põe em causa/dúvida a conclusão, de que o direito de custódia se encontrava atribuído, de pleno direito – à luz do direito francês – a ambos os progenitores da criança Z.”, extraída pelo Mmo Juiz “a quo”, da legislação francesa acerca das responsabilidades parentais e, por ele, explanada na sentença recorrida.
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Pois, para além dos preceitos invocados pelo Mmo Juiz “a quo” na sentença recorrida, existem na legislação francesa outras disposições legais que, sem a regulação efectiva das responsabilidades parentais, podem reconhecer que a menor Z. apenas integrava o agregado familiar da Requerida/Mãe.
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Donde, e contrariamente ao entendido na sentença recorrida, não se pode concluir que o Requerente tinha o direito de guarda da menor.
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Por outro lado, também não se pode concluir que o Requerente era titular de um direito de guarda na medida em que vigorava, por acordo entre os Progenitores, uma guarda alternada semanal.
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Como resulta da prova produzida nos autos, os convívios alternados apenas ocorreram durante três meses e tal deveu-se a uma necessidade, transitória e extrema, da Requerida, ora Recorrente, decorrente do facto de os seus horários de trabalho não...
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