Acórdão nº 2981/19.1T8PTM.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO SOUSA E FARO
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora
  1. RELATÓRIO 1. M.

    intentou contra D.

    acção declarativa pedindo que:

    a) Se declare que o regime de bens do casamento que vigorou entre a Ré e G. é o da comunhão geral de bens; b) Se declare a Ré e o filho da Autora G. como sendo proprietários em comum da fração autónoma identificada em 5º do presente articulado e objeto da escritura de compra e venda datada de 5 de maio de 2011, em que a Ré interveio como compradora, condenando-se, em consequência, a Ré a reconhecer a herança aberta por óbito de G. como proprietária desse prédio; c) Se determine que seja averbada a alteração do regime de bens do casamento à inscrição predial relativa à Ap. 2317, de 2011/05/05, relativo à fração autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o n.º (…), da freguesia Lagos (Santa Maria), concelho de Lagos, no sentido de constar que o sujeito ativo, a aqui Ré, era casada no regime da comunhão geral de bens com G.; d) Se determine, consequentemente, a Autora como herdeira de G., no que concerne ao prédio identificado em 5.º do presente articulado”.

    Alegou, para tanto e em síntese, ser mãe de G., falecido em 2017 no estado de casado com a Ré com quem havia contraído matrimónio em 2001, no Canadá.

    Mais alegou que durante a constância do casamento, i.e. em 2011, a Ré havia adquirido uma fracção autónoma que identifica, sita em Lagos, onde também declarou expressamente que ela e o referido G. eram casados no regime de separação de bens, e na qual só a mesma Ré comprava a referida fração autónoma.

    Após o decesso de G., a Ré, no dia 13 de Abril de 2018, compareceu no escritório do Notário Dr. (…) em Amesterdão, Holanda, para a outorga da escritura de Habilitação de Herdeiros e referiu ser casada com o referido G. sob o regime da comunhão geral de bens, conforme determina o direito holandês.

    E se assim é, por consequência, o bem (imóvel) que adquiriu, ainda na constância do casamento com o filho da Autora, pertencia à esfera jurídica de ambos os cônjuges, sendo um bem comum do casal e não um bem próprio da Ré, como quis fazer crer perante o Notário-Oficial Público, nos termos do artigo 1732º, do Código Civil.

    Argumentou ainda que a Ré quis subtrair esse imóvel da esfera jurídica do filho da Autora, criando a aparência com a sua falsa declaração perante o Notário que o imóvel seria apenas seu e não também do seu cônjuge, isto é, bem comum do casal.

    Entende, por isso, ser a dita escritura pública de compra e venda nula na parte em que diz ao regime de bens do casamento declarado pela Ré e esta condenada a restituir ao acervo da herança de G. metade do imóvel acima identificado, nos termos do disposto no artigo 286º do Código Civil.

    Contestou a Ré, admitindo ter casado com G. no Canadá não obstante terem, ambos, a sua residência na Holanda, residência essa que mantiveram nesse país até ao decesso do seu marido ocorrido em 2017.

    Por consequência, as normas do direito Holandês/Países Baixos são as aplicáveis, quer no que respeita à determinação do regime de bens do casamento, quer no que diz respeito à sucessão.

    Admitiu ter ocorrido uma menção errónea na escritura de compra do apartamento dos autos e na declaração do óbito para efeitos do imposto de selo, pois o regime de bens vigente entre ambos era efectivamente da comunhão geral, mas tal questão revela-se de todo em todo inútil pois à luz do direito holandês é a única herdeira do filho da Autora.

    Julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a Ré d integralidade dos pedidos.

    Desta sentença apelou a Autora para esta Relação que por acórdão de 17.6.2021 a anulou para ampliação da matéria de facto identificada.

    Cumprido o assim determinado veio a ser proferida nova sentença que absolveu a Ré de todos os pedidos formulados pela Autora.

    1. Descontente com tal desfecho, recorreu de novo a Autora para este Tribunal formulando na sua apelação as seguintes conclusões: 1. A recorrente considera incorretamente julgado o constante nas alíneas i), m) e n) dos factos provados, pois o tribunal a quo não colheu com segurança toda a prova produzida, designadamente as declarações da recorrente e das testemunhas (…), (…), (…), (…) e (…); 2. Face à prova produzida, houve da parte do tribunal a quo, uma má ou incorreta apreciação da prova; 3. O filho da recorrente e marido da recorrida com quem esta última casou no dia 22 de Agosto de 2001, em Ontário, Canadá, faleceu em Portugal (país onde residia e trabalhava à data da sua morte) no dia 22 de Dezembro de 2017, pelo que, aplica-se à sua sucessão as regras previstas no Regulamento (UE) n.º 650/2012, de 04/07 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Julho de 2012.

    2. O ato jurídico da União denominado Regulamento, previsto no § 2 do artigo 288.º do TUE, manifesta três características fundamentais: tem carácter geral; é obrigatório em todos os seus elementos; e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros.

    3. A vigência direta dos regulamentos na nossa ordem jurídica constitucional resulta diretamente do artigo 8.º, nºs 3 e 4, da Constituição da República Portuguesa.

    4. O n.º 4, do art. 8.º, da Constituição da República Portuguesa, consagra o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional, enquanto princípio estruturante do próprio ordenamento comunitário.

    5. O Regulamento (EU) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 04/07/2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 27/07/2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, entrou em vigor em 16/08/2012, é direta e imediatamente aplicável em todos os estados-membros da União Europeia, com exceção atualmente da Irlanda e da Dinamarca, beneficia de prioridade em relação às regras de fonte interna e rege as sucessões abertas a partir de 17 de Agosto de 2015, com salvaguarda transitória da escolha de lei feita pelo de cujus ou da validade formal e material de disposições por morte feitas antes dessa data.

    6. Nos termos do art. 21.º do Regulamento (EU) n.º 650/2012, o critério primordial de escolha da lei aplicável às sucessões é a residência habitual de de cujus.

    7. A definição de residência habitual para efeitos de aplicação do Regulamento (EU) n.º 650/2012, orientando-se pelas suas disposições e objetivo, deve ser entendida como o local onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir carácter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses, a aferir através da ponderação global das circunstâncias da vida do falecido nos anos anteriores ao óbito e no momento deste e pela duração e regularidade da sua permanência no Estado em causa e condições e razões desta, de modo a que a residência habitual revele uma relação estreita e estável com esse Estado.

    8. O artigo 21.1 do RES submete as sucessões causa mortis à residência habitual do falecido no momento do óbito. Determina, portanto, um fator de conexão objetivo.

    9. Considerou como provado o tribunal a quo, na alíneas i), m) e n) dos factos provados, o seguinte: “Antes do falecimento e à data deste, a residência da ré e do marido era (…) Amsterdam, Países Baixos”; “Falecido viajou para Portugal apenas com uma mochila e pretendia regressar aos Países Baixos onde detinha, designadamente, as suas canas de pesca”; O falecido residia, à data do falecimento, em habitação de terceira pessoa, com quem mantinha uma relação extraconjugal”.

    10. Salvo melhor opinião, nunca o tribunal podia ter formado tal convicção, pois a prova produzida apontava para consideração diversa.

    11. Das declarações prestadas pela recorrente na sessão de 25/11/2020, da audiência final entre as 14:54:41 e as 15:01:34 (cfr. depoimento prestados entre o minuto 3:27 e o minuto 4:05; entre o minuto 4:30 e o minuto 4:33; entre o minuto 4:33 e o minuto 5:39 da gravação áudio); e das testemunhas (…) ouvido na sessão de 25/11/2020, da audiência final entre as 15:37:53 e as 15:49:41 (cfr. depoimento prestado entre o minuto 5:39 e o minuto 6:15; entre o minuto 6:33 e o minuto 7:38; entre o minuto 8:03 e o minuto 8:44 da gravação áudio); (…) ouvido na sessão de 25/11/2020, da audiência final entre as 16:24:49 e as 16:45:32 (cfr. depoimento prestado entre o minuto 2:42 e o minuto 4:59; entre o minuto 5:40 e o minuto 6:36; entre o minuto 8:44 e o minuto 9:19; entre o minuto 13:09 e o minuto 13:39; entre o minuto 14:41 e o minuto 14:56; entre o minuto 17:01 e o minuto 17:41; entre o minuto 19:04 e o minuto 19:11; entre o minuto 19:31 e o minuto 20:29 da gravação áudio); (…) ouvido na sessão de 25/11/2020, audiência final...

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