Acórdão nº 322/20.4T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelMÁRIO BRANCO COELHO
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Beja, A.

demandou a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, E.P.

, pedindo: a) a nulidade do procedimento disciplinar, da nota de culpa, por desrespeito ainda do direito de defesa da autora, do exercício errado pela ré do direito da audição da autora e da sua presunção de inocência e o não ter conferido à autora o direito ao contraditório; b) a caducidade do direito de proferir a decisão final; c) a condenação da Ré a remover do histórico da autora a sanção aplicada e o pagamento da quantia de € 239,00, acrescida dos juros de mora vencidos até efectivo e integral pagamento; d) A condenação da Ré por aplicação de sanção abusiva, no valor de € 239,00; e) A condenação da Ré a pagar à autora uma indemnização por danos não patrimoniais de € 27.368,99.

Sustenta que exerce as funções de enfermeira sob as suas ordens, direcção e fiscalização da Ré, e que esta lhe moveu processo disciplinar e sancionou-a com cinco dias de suspensão com perda de retribuição. Argumenta que a nota de culpa é nula por não conter a descrição circunstanciada dos factos e consequente impossibilidade da defesa se efectivar plenamente, que havia ocorrido a prescrição da infracção disciplinar, que não foi respeitado o princípio da audição nem do contraditório, não ter sido valorado o facto de os ilícitos terem ocorrido há muito tempo após a data da queixa, e não ter sido valorado que a queixosa tinha dado o seu consentimento para o tratamento e acesso dos dados aos profissionais de saúde, inexistindo ilicitude criminal ou disciplinar.

Contestando, a Ré manteve os factos que levaram à aplicação da sanção disciplinar e requereu a improcedência do pedido.

Realizou-se o julgamento, após o que foi proferida sentença julgando a causa totalmente improcedente.

É desta sentença que a A. recorre, concluindo: A. Estão verificados os pressupostos do artigo 77.º do CPT e 615., n.º 1, al. c) do CPC, se existem factos provados que estão em contradição entre si, e ainda em contradição com a fundamentação da sentença. Fere ainda a referida sentença de obscuridade tal confusão fáctica. A sentença que conhece factos concretos não constantes da nota de culpa, extravasa o que lhe é permitido por lei conhecer, comete excesso de pronúncia e é também inválida por essa via.

B. No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir infracção disciplinar, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento ou de aplicação de sanção disciplinar não expulsiva, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados. A acusação tem de ser formulada com factos concretos e não com meros juízos de valor ou conceitos de Direito ou remissão e transcrição para a peça processual de artigos da Lei e do que se acha ser a sua correcta interpretação. A nota de culpa serve, por um lado, para dar a conhecer ao trabalhador os factos que integram as alegadas infracções, permitindo-lhe assim, que exerça cabalmente o seu direito de defesa e, por outro, para balizar os termos da própria decisão final, uma vez que nesta só podem ser invocados factos que constem da nota de culpa ou da defesa escrita do trabalhador, salvo tratando-se de factos que atenuem ou dirimam a responsabilidade daquele.

C. Nos termos do artigo 329.º, n.º 1 do CT o prazo de prescrição da infracção disciplinar é de um ano. Se as alegadas condutas disciplinarmente relevantes se compreendem entre 30-10-2018 e 21-11-2018 e só vieram a ser estranhamente disciplinarmente perseguidas após 29-11-2019, ou seja muito depois do prazo legal de 60 dias para o efeito – caducou assim o direito da acção disciplinar quanto a estes factos, dado que, a Sentença é totalmente omissa quanto à data na qual a entidade empregadora aqui ou o superior hierárquico com poder disciplinar sobre a trabalhadora terá tomado conhecimento de tais factos. O direito de exercer o poder disciplinar quanto estes factos está, pois, caduco e prescrito, o, que, desde já, e para todos os devidos e legais efeitos se alega. De resto, se a Nota de Culpa apenas tem data de 10-12-2019, logo só nessa data e não antes se deu por interrompida a prescrição que, entretanto, já operara, nos termos do artigo 353.º, n.º 3 do CT, bem como o artigo 329.º, n.º 2 do CT.

O procedimento disciplinar não se iniciou nos 60 dias subsequentes àquele em que o superior hierárquico teve conhecimento. Se a conduta da trabalhadora não constitui ilícito criminal, o Tribunal devia igualmente ter declarado tal realidade sobretudo se tal já foi determinado no âmbito do processo-crime, cf. despacho de arquivamento de fls. 410 a 412, sendo que a fundamentação ali vertida tem de colher aqui, logo o prazo de prescrição é de 1 ano e não o do procedimento criminal. Sendo igualmente relevante que o diploma legal invocado pela entidade empregadora na sua Nota de Culpa e Decisão Final para alegar a existência de ilícito criminal e a punição disciplinar não estava sequer à data dos factos em vigor.

Quanto à Decisão Final esta foi proferida fora do prazo do artigo 357.º, n.º 1 do CT e é por esta via extemporânea e nula, pois a se a entidade empregadora excedeu o prazo de 30 dias para proferir a Decisão Final, nos termos do artigo 357.º n. 1 do CT, sendo 16-01-2020 a data da alegada última diligência instrutória e 18-02-2020 data em que foi proferida a decisão final, só comunicada à trabalhadora a 19-02-2020, está, pois, igualmente verificada a caducidade de proferir a decisão final.

D. Ter passado mais de um ano sobre a alegada prática dos ilícitos disciplinares releva disciplinarmente em termos de menor gravidade do ilícito, dada uma reacção tão tardia. Por outro lado, tal dificulta o exercício da defesa de uma trabalhadora profissional da saúde que faz centenas de acessos por mês, ter de dizer a razão pela qual fez um determinado acesso mais de um ano depois e qual a razão para ter acedido ao referido processo do utente.

E. Se uma determinada trabalhadora é profissional de saúde habilitada e autorizada a consultar os dados de qualquer utente por força das suas funções pode por força do exercício das suas funções de enfermeira ter necessidade de consultar os processos de utentes da sua Unidade de Saúde, ou de outra e da sua lista de utentes ou da lista de utentes de outra colega, sem que tal constitua ilícito disciplinar. Por sua vez, se a entidade empregadora queria que assim não fosse, bastava para tanto só permitir o acesso à trabalhadora dos dados dos utentes da sua lista, ou da sua UCSP, ou daquele dia – ora, não era assim a prática concreta no seio daquela empregadora, e a entidade empregadora nada fez para evitar a consulta de outros utentes, nem deu ordens à trabalhadora nesse sentido, porque tal era lícito, normal corrente usual e decorria do seu normal exercício de funções de enfermeira, e se nem sequer a utente participante restringiu o acesso aos seus dados pelos profissionais de saúde, não pode agora a entidade empregadora querer punir disciplinarmente a trabalhadora por essa conduta que permitiu.

F. Mais importante do que citar a Lei da protecção de dados, que é geral e abstracta, para apurar se existiu um acesso indevido a dados de saúde por uma profissional de saúde, o que importa determinar, era o que em concreto, se praticava nesta matéria no seio da entidade empregadora Hospital, ou seja, se esta fazia cumprir a Lei e como o fazia, ou se também violava a Lei que agora quer fazer cumprir com rigor. Se o que ficou provado, no caso concreto, é que, no seio da entidade empregadora Hospital, ou pelo menos, da Unidade de Saúde onde a trabalhadora laborava, nunca foi prática exigir o consentimento/autorização/ordem médica prévia para os enfermeiros poderem aceder aos processos clínicos dos doentes não pode esta ser punida disciplinarmente por agir como era a prática normal no seio da sua entidade empregadora. Tal ónus era da empregadora – nos termos do artigo 342.º do CC -, ora, esta não o preenche se não junta um único pedido de autorização de consulta de dados por enfermeiro formulado a um médico, ou de deferimento deste, nem relativamente à trabalhadora neste caso concreto, ou em outros casos, ou a qualquer outra senhora enfermeira que ali para si trabalhe. Não existindo aqui ilícito disciplinar – pois repete-se a trabalhadora limitou-se a fazer o que sempre fazia, tal como as suas colegas. De igual modo, foi explicado e resulta claro que a enfermeira pode ter de consultar os dados de qualquer utente, por razões diversas, sem necessidade de autorização, justificação, ou sem processo clínico em curso, a saber: - É um utente estrangeiro ou que vem de outra Unidade de Saúde; -É um utente deslocado, por exemplo um estudante que vem de outra Unidade de Saúde; - É uma pesquisa para efeitos de estudo da população; - É um utente sem médico de família – e isto releva porque sendo inscrições esporádicas – qualquer enfermeiro poderia aceder aos dados clínicos, sem estes utentes serem da lista do seu médico, pois se não tinham médico, e isto não iria alertar em especial o profissional de saúde.- É uma pesquisa e ou acesso para efeitos de uma campanha, por exemplo, vacinação, grávidas, idosos ou outros – Mais uma vez não existe aqui ilícito disciplinar. Ou seja, nestes casos que vimos de citar, nunca seria necessária a tal autorização médica e o processo terapêutico em curso para aceder aos dados dos utentes pela enfermeira, não existindo assim, na sua falta ilícito disciplinar.

Quando os acessos são feitos ao RSE indica qual é o âmbito dos acessos, pode ser um acesso autorizado, pode ser um acesso no âmbito da Saúde pública ou pode ser um acesso no âmbito do SClínico.

Se for um acesso autorizado, pronto, está autorizado pelo proprietário dos dados, se for um acesso no âmbito da saúde pública, como aquilo é do interesse público, também não tem que… não carece de autorização do...

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