Acórdão nº 7682/19.8T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução13 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Hípica do Convento de S. Domingos, Unipessoal, Lda.

, instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, BB, casada com CC, DD, EE, FF, casada com GG e HH, II, FF, JJ, KK e Trophydecade, Unipessoal, Lda.

, peticionando: 1) o reconhecimento de que a autora, na qualidade de proprietária de prédio rústico confinante, é titular de um direito de preferência sobre o prédio rústico, composto de parcela de terreno de cultura hortícola, denominado “Quinta da Fábrica”, sito em Vila Nogueira de Azeitão, freguesia de São Lourenço, concelho de Setúbal, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o número 2096, inscrito na matriz predial rústica da União das Freguesias de Azeitão (São Lourenço e São Simão) sob os artigo 79, secção D; 2) a declaração de que os réus ... violaram a obrigação de comunicação para exercício da preferência, que sobre si impendia; 3) a declaração de que a autora tem direito a preferir no contrato de compra e venda do identificado prédio e, consequentemente, a haver para si o prédio identificado em 1), substituindo-se à ré Trophydecade na escritura de 29.05.2019; 4.) a condenação da ré Trophydecade a reconhecer o direito de preferência da autora e, consequentemente, a receber o preço de € 675.000,00, tudo com as demais consequências legais.

Alega, em síntese, que os réus da família AA venderam à ré Trophydecade (10ª ré) o prédio rustico, de dimensão inferior à unidade de cultura, mediante o pagamento do preço de € 675.000,00 sem terem dado preferência legal à autora, que é proprietária confinante, não sendo o adquirente proprietário de prédio rustico confinante, pelo que deveriam os réus ter comunicado à autora todos os elementos necessários para a correta formulação da decisão de exercer ou não o seu direito de preferência.

A ré Trophydecade[1] contestou, contrapondo que não assiste à autora qualquer direito de preferência sobre o prédio, alegando, em resumo, que: - o prédio da autora é um prédio misto (não rústico), estando como tal autonomizado e descrito, o que inviabiliza o invocado direito de preferência, sendo que o mesmo apresenta características marcadamente urbanas e exibe ao longo de toda a sua linha confinante com o prédio objeto de preferência uma ocupação exclusivamente urbana, inviabilizando qualquer exploração agrícola contínua entre ambos; - o prédio objeto da ação de preferência é logradouro do prédio urbano que conjuntamente com ele foi transmitido à ré e integra o conjunto dos vários prédios que formam o Palácio do Duques de Aveiro e a respetiva Quinta da Fábrica, imóvel classificado que é atualmente propriedade da ré; - esse mesmo prédio foi adquirido pela ré para fins que não são a cultura, ou seja, para a sua integração e desenvolvimento imobiliário conjunto com as diversas alas do Palácio de Azeitão, declarando na escritura de compra e venda que “destina os prédios ao desenvolvimento urbanístico e imobiliário.

- a entender-se que o prédio objeto da ação de preferência é um prédio «rústico» por assim se mostrar formalmente identificado, ter-se-á de reconhecer que a ré e adquirente do mesmo, já era ao momento da transmissão proprietária de um outro «prédio rústico» – correspondente ao artigo 78 – confinante com o mesmo e tendo com ele ligação física, funcional e histórica –, pelo que, nunca haveria qualquer direito de preferência da autora, pois, o terreno em causa foi vendido a proprietário confinante.

- a aquisição pela ré do prédio objeto de preferência, adjacente ao Palácio dos Duques de Aveiro e que comporta o respetivo lago, veio concorrer para colocar termo à dispersão da propriedade da pluralidade dos prédios que formam o conjunto funcional e histórico do Palácio do Duques de Aveiro e a Quinta da Fábrica, garantindo a reabilitação de tal património cultural e a sua exploração conjunta.

Os 1º a 9º réus[2] também contestaram, arguindo a ineptidão da petição inicial e contrapondo que não assiste à autora qualquer direito de preferência na venda do prédio 79, porquanto inicialmente negociaram com a autora a aquisição da ala central do Palácio e terreno rústico como um só, celebrando contrato-promessa, tendo a autora desistido do negócio por nenhuma conservatória aceitar o registo provisório ou definitivo sobre o prédio urbano identificado no contrato promessa (Ala Central), nunca tendo sido reduzido o negócio somente ao prédio 79 dissociando-o da venda do urbano, tendo os réus celebrado com a ré o contrato de compra e venda dos dois prédios em 29 de Maio de 2019, sendo que ambos os prédios contíguos e confinantes provieram de um único prédio que os englobava e que integravam o Palácio dos Duques de Aveiro e a partir dessa data a ré tornou-se a única proprietária das três alas do palácio e dos dois prédios rústicos confinantes que compõem o terreno circundante do palácio.

Mais alegaram que a autora litiga de má-fé, porquanto oculta deliberadamente factos que bem conhece ao Tribunal, com o único intuito de extrair proveito impróprio e ilícito, pedindo a sua condenação em multa condigna.

Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador que, além do mais, julgou improcedente a exceção da nulidade de todo o processo, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo os réus do pedido, julgando também improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé.

Inconformada, a autora apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem: «A. O presente recurso de apelação vem interposto da sentença que julgou a presente ação integralmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu os Réus, ora Recorridos, do pedido formulado pela Autora, ora Recorrente, não reconhecendo, assim, o direito de preferência da Autora.

  1. A Recorrente invocou como fundamento da sua pretensão a venda de prédio rústico pelos 1.º a 9.º Recorridos à Recorrida Trophydecade que era confinante com o prédio rústico da Recorrente, sem que tivesse sido comunicado à Recorrente o projeto de venda para que, querendo, a Recorrente pudesse exercer o seu direito de preferência em tal negócio. A Recorrente depositou à ordem dos presentes autos a quantia de €675.000,00, correspondente ao preço pago pela Recorrida Trophydecade para aquisição do aludido prédio rústico.

  2. Na sentença de que ora se recorre, o Tribunal a quo julgou improcedente a pretensão da ora Recorrente por entender que, não obstante a Recorrente ser proprietária de um prédio rústico confinante, o facto de a Recorrida Trophydecade ter declarado que pretendia afetar o prédio rústico a uma finalidade diversa da cultura obstaria ao exercício do direito de preferência da Recorrente, referindo-se expressamente na sentença que “… na excepção prevista na alínea a) do n.º 1 o art.º 1381.º CC, mostrando-se preenchida uma situação impeditiva da constituição do direito de preferência, pelo que não goza de preferência a A. enquanto proprietária de terreno confinante, pois que a aquisição do prédio 79 se destinou a fim diverso do da cultura.”.

  3. Com o presente recurso, a Recorrente pretende não apenas a reapreciação da questão de direito, mas também da matéria de facto quanto ao alegado iter negocial estabelecido entre os 1.º a 9 .º Recorridos e a Recorrida Trophydecade e quanto à confinância entre o prédio rústico da Recorrente e o prédio rústico relativamente ao qual se discute o direito de preferência na presente ação.

  4. Do conjunto de factos dados como provados pelo Tribunal a quo resulta inequivocamente que a Recorrente é proprietária de um prédio rústico confinante com o prédio rústico dos Recorridos e que destina o mesmo a atividade rústica (equina e agrícola).

  5. Sucede que, com extrema relevância para a causa, a Recorrente entende que da prova documental produzida e dos depoimentos prestados em audiência de julgamento resulta inequívoco que os 1.º a 9.º Recorridos não comunicaram à Recorrente o projeto de venda do prédio rústico cujo direito de preferência se discute nos presentes autos. Tanto assim é que, ao contrários do que fizeram relativamente ao projeto de venda do prédio urbano, cuja preferência foi dada à Câmara Municipal de Setúbal, os próprios Recorridos assumem expressamente que não comunicaram à Recorrente tal projeto de venda.

  6. Assim, a Recorrente entende que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o seguinte facto: “Os 1.º a 9.º Réus não comunicaram à Autora o projeto de venda do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da União das Freguesias de Azeitão (São Lourenço e São Simão) sob o artigo 79, secção D, à 10.º Ré.”, pelo que desde já se requer que, em sede de reapreciação da sentença de que ora se recorre, tal facto seja incluído no elenco de factos provados.

  7. A Recorrente considera também que o Tribunal a quo julgou mal os factos que constam dos pontos 57, 58, 59 e 64 dos Factos Provados da sentença de que ora se recorre, por não resultarem da prova produzida nos autos, nomeadamente, documental e testemunhal.

    I. Relativamente ao pontos 57, 58 e 59 dos Factos Provados, que dizem respeito ao alegado iter negocial estabelecido entre os 1.º a 9 .º Recorridos e a Recorrida Trophydecade, a Recorrente considera que o Tribunal a quo não valorizou devidamente o depoimento da testemunha LL (indicação dos concretos excertos do seu depoimento no corpo das alegações), cuja idoneidade e independência são absolutamente questionáveis, na medida em que o próprio admitiu ser sócio da proprietária da Recorrida Trophydecade em inúmeros projetos, negociou sozinho com os Recorridos a aquisição do prédio rústico objeto de direito de preferência (bem como com os restantes proprietários das outras alas do Palácio), desconhecendo-se o que terá beneficiado com a “passagem” deste...

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