Acórdão nº 2816/21.5T8FAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelMOISÉS SILVA
Data da Resolução27 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Apelante: AA (autor).

Apelada: Japblue Algarve, SA (ré).

Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho, J2.

  1. O A. intentou processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra a R., requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento.

    A R. foi notificado para apresentar articulado motivador do despedimento, o que a mesma, com respeito pelo prazo legalmente estabelecido, veio a fazer e no qual alega, em síntese, que elencou os factos constantes da nota de culpa e, posteriormente, os contantes do relatório final e decisão de despedimento, bem como a prova tida em conta no âmbito do procedimento disciplinar.

    A factualidade em causa assume extrema gravidade pelo que aplicou licitamente a sanção de despedimento com justa causa, tanto mais que o A. era reincidente.

    Conclui que o A., violou de forma grave os deveres que lhe são impostos, o que configura justa causa de despedimento.

    Pugna, por isso, pela licitude e regularidade do despedimento do autor.

    O A., regularmente notificado, apresentou contestação, impugnando os factos constantes do articulado motivador e invocando um quadro de pressão laboral e diminuição das condições de trabalho desde a aquisição pela R., o que o levou a ter de recorrer a ajuda médica, tendo os factos ocorrido no âmbito deste estado de grande comoção emocional.

    Outros trabalhadores da R., devido à pressão relatada e trabalho aos fins-de-semana estão em situação de burnout profissional.

    Considera o A. não ter violado com gravidade e consequências tais os seus deveres, tornando assim imediata e impossível a subsistência do vínculo laboral, tendo, no entanto, o seu despedimento sido a sanção mais extrema que se pode aplicar em sede de decisão de um processo disciplinar.

    Termina pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento com todas as consequências legais.

    Em sede de reconvenção peticiona o pagamento de uma indemnização em substituição da reintegração a fixar entre 15 e 45 dias, bem como todas as remunerações que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao transito em julgado da sentença e o montante de € 2 000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento.

    Proferiu-se despacho saneador, onde foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

    Realizou-se audiência final como consta da ata.

  2. Foi proferida sentença com a decisão seguinte: Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a R. Japblue Algarve, SA de tudo o peticionado.

    Fixo o valor da ação em € 16 000.

    O A. suportará as custas devidas.

  3. Inconformado, veio o autor interpor recurso de apelação que motivou e com as conclusões que se seguem: A) Verifica-se uma falta de pronúncia da Sentença “a quo” relativamente à circunstância do dia 10 de junho ser um feriado obrigatório e por isso ser legítima a recusa do recorrente em trabalhar naquele dia; B) O Tribunal “a quo” errou ao considerar que a recusa em trabalhar ao dia de feriado obrigatório e a expressão clara dessa recusa, não poder ser considerada uma violação do dever de lealdade porquanto o trabalhador tem direito a expressar a suas opiniões sobre as condições e organização do trabalho – art.º 14.º do CT; C) O Tribunal “a quo” errou ao considerar que uma conversa em tom exaltado tem que forçosamente representar uma falta de respeito, uma tentativa de descredibilização ou intimidação do superior hierárquico, ignorando o contexto das relações laborais na recorrida, em que o sucedido não foi considerado nesse registo pelo próprio interlocutor do recorrente nos factos, afastando-se muito do critério da razoabilidade do homem médio; D) O Tribunal “a quo” errou ao desconsiderar a relevância probatória da declaração médica e o estado psíquico do recorrente no quadro do comportamento que evidenciou nos dias 1 e 2 de junho de 2021, no sentido da compreensão do comportamento do recorrente e da sua relevância jurídica na apreciação da gravidade desse comportamento no contexto dos factos em apreciação; E) O Tribunal “a quo” errou ainda ao atribuir relevância disciplinar ao sucedido no dia 2 de junho, porquanto o comportamento é justificado pelo seu estado psíquico comprovado e não é contraditório com o comportamento que adotou no dia 2 de junho; F) O Tribunal “a quo” errou ao não considerar que objetivamente assistiu-se a uma degradação das condições de trabalho, por via da instituição do trabalho aos domingos e feriado e da alteração do sistema de comissões por venda; G) O Tribunal “a quo” errou ao considerar verificada a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho, com base numa visão unilateral dos deveres de lealdade e cooperação dentro da organização laboral, em que tudo pode ser exigido aos trabalhadores e aceite por estes, sob pena de violarem os deveres de lealdade para com a entidade empregadora, ignorando os limites legais dos poderes de direção da entidade empregadora.

    H) A consideração dos antecedentes disciplinares do recorrente, não poderão ser entendida como o tribunal “a quo” o fez, como um estado que impediria o recorrente de se manifestar contra o atropelo de direitos, como se se encontrasse numa situação de limitação desses direitos por ter antecedentes disciplinares.

    Termos em que, requer a V.Exas que, considerando a inexistência de justa causa de despedimento, revoguem a sentença recorrida e a substituam outra que julgue ilícito o despedimento do recorrente, com todas as consequências legais conforme peticionado.

  4. A ré respondeu e pugnou pela improcedência do recurso.

  5. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida.

    Não foi apresentada resposta.

  6. Dispensados os vistos por acordo, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

  7. Objeto do recurso O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.

    As questões a decidir são as seguintes: 1. Nulidade da sentença 2. Apurar se o despedimento é lícito e suas consequências.

    II - FUNDAMENTAÇÃO A) DE FACTO A sentença recorrida considerou provada a matéria de facto seguinte: A) O A. foi admitido ao serviço em 18/02/2011 da R., anteriormente denominada LACOCAR - COM. IND. DE AUTOMÓVEIS, S.A., como vendedor de automóveis de uma das marcas representadas, concretamente da marca Audi; B) A R. intentou contra o A. um processo disciplinar por factos ocorridos a 1 e 2 de Junho de 2021, do qual o autor foi notificado por carta datada de 28 de julho de 2021 da Nota de Culpa da qual contava que o processo disciplinar tinha em vista o despedimento do A.; C) Apresentada a resposta do ora A. e a instrução do processo, a R. comunicou ao A. a cessação do contrato de trabalho por despedimento com justa causa; D) A decisão de despedimento foi proferida e comunicada ao trabalhador, ora A., em 29 de setembro de 2021, através de e-mail enviado ao seu Mandatário e, ainda, por correio registado com aviso de recepão ao trabalhador, nessa mesma data; E) O Mandatário do A. recebeu a comunicação nesse mesmo dia, tendo a comunicação enviada ao trabalhador chegado ao seu poder no dia 30 de setembro de 2021, que só não a recebeu porque não atendeu, ficando a mesma, desde essa data, disponível para levantamento no respetivo posto CTT; F) O A. nunca procedeu ao levantamento da comunicação de despedimento, tendo a mesma sido devolvida à remetente, ora R.; G) Na nota de culpa foram imputados ao ora A. os seguintes factos: “(…) A) No dia 01 de Junho de 2021, pelas 15h30m, no decurso de uma conversa mantida entre o colaborador BB, Gerente de Polo e superior hierárquico do trabalhador-arguido, e o colaborador CC, sobre a organização da escala de serviço para o mês de Junho, em que estavam a averiguar quem tinha sido o último colaborador a gozar folga num dia de feriado, o trabalhador-arguido interveio, afirmando que no dia 10 de Junho de 2021 (feriado) não estaria na cidade e, por conseguinte, não iria trabalhar. B) Perante tal afirmação, o superior hierárquico do trabalhador-arguido respondeu-lhe que o colaborador DD, consultor comercial, já tinha previamente solicitado o gozo de folga nesse dia, pois iria visitar os pais a Sines, que já não via há seis meses, em resultado da pandemia. C) Nessa sequência, o trabalhador-arguido insurgiu-se, de forma exaltada, alegando que o colaborador DD tinha sido admitido na entidade empregadora recentemente, ao contrário dele e, como tal, o seu pedido deveria ser atendido em detrimento do pedido do seu colega. D) O seu superior hierárquico, BB, retorquiu, esclarecendo o trabalhador-arguido que na entidade empregadora todos os colaboradores são tratados como iguais, não havendo favorecimentos, pelo que, a sua argumentação não poderia ser considerada. E) Em face disso, o trabalhador-arguido, de forma exaltada e em tom de voz elevado, afirmou que, caso a entidade empregadora o colocasse de escala no referido dia 10 de Junho, não compareceria no local de trabalho para exercer as suas funções. F) Terminada a conversa, o trabalhador-arguido regressou ao seu posto de trabalho, nesse dia afecto ao serviço do stand. G) Todavia, volvidos alguns minutos, o trabalhador-arguido abandonou o seu posto de trabalho, saindo das instalações da entidade empregadora, sem nada comunicar ou justificar ao seu superior hierárquico, não tendo mais regressado nesse dia. H) Nesse seguimento, o superior hierárquico, BB, estabeleceu de imediato contacto telefónico com o trabalhador-arguido para o questionar sobre o abandono do local de trabalho, ao que este respondeu não se encontrar em condições de falar. I) O superior hierárquico, BB, informou, ainda, o trabalhador-arguido de que, no dia seguinte...

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