Acórdão nº 112/19.7GBSLV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução08 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO 1. No 1.º Juízo (1) Local de Silves, do Tribunal Judicial da comarca de Faro procedeu-se a julgamento em processo comum perante tribunal singular de TO, nascido em …, casado, residente na Rua (…), a quem fora imputada a prática, como autor, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro

O Centro Hospitalar Universitário do Algarve, EPE, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, requerendo a condenação deste no pagamento da quantia de 1609,69€ acrescida de juros moratórios, relativa ao custo da assistência hospitalar prestada a JG em virtude da conduta do arguido. O arguido contestou oferecendo o merecimento dos autos e arrolou prova

A final o tribunal proferiu sentença, na qual condenou o arguido pela prática, como autor, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, na pena de 120 dias de multa à razão diária de 11€; mais o condenando a pagar ao demandante, a titulo de indemnização pelos custos de tratamento do ofendido, na quantia de 1 609,69€, acrescida de juros moratórios

  1. Inconformado, veio o arguido interpor recurso, rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões (transcrição): «B.(..) A matéria de facto analisada em Audiência de Discussão e Julgamento deveria ter levado a uma decisão bastante diferente, motivo pelo qual o presente recurso tem por objecto a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos. C. Da Douta Sentença podemos extrair que os factos ocorreram no dia 20 de Março de 2019, hora não concretamente apurada, mas a partir das 23 horas

    D. No entanto, tudo o resto são ficções ou imprecisões que as testemunhas levaram para Tribunal, e que o Mmo. Juiz a quo valorou de uma forma que poderia, e, na nossa opinião deveria ter valorado em sentido inverso

    E. De acordo com o que acima ficou exposto, nomeadamente no que concerne à prova testemunhal produzida, nenhuma testemunha afirmou com precisão que o cão que agrediu o ofendido tenha sido o cão em causa nos presentes autos

    F. Salientasse, por gritante, que a alteração não substancial dos factos, não resulta da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, ou seja, não resulta de fatos, testemunhos, documentos, perícias ou outros elementos probatórios, mas sim da clara demostração por parte do Arguido de que a tese sustentada pelo Ofendido e acompanhada pelo Ministério Público em sede de Acusação, era HUMANAMENTE IMPOSSÍVEL de ser CRÍVEL! G. Que o ofendido foi atacado por um cão, não há dúvidas, pois tem uma cicatriz na cara consentânea com a descrição pericial; H. Agora que tenha sido o “…”, cão detido pelo ora Arguido, seguramente não há certezas

    I. Há dúvidas se o cão estava dentro da propriedade, ou se estava fora, J. Diríamos mesmo se era aquele cão, e K. Se foi naquele local que o ataque aconteceu, pois que L. O ofendido referiu que perdeu imenso sangue, M. No local descrito nos presentes autos não foi encontrado qualquer vestígio de sangue

    N. São referidos três cães, se por um lado é afirmado que foi o … o autor do ataque, por outro lado são referidos outros cães, e não se percebe de qual dos cães estamos a falar

    O. A verdade, é que o arguido à data só era detentor de um canídeo, o …! P. De tal forma, que a GNR quando notificou o Arguido para apresentar o cão ao Médico Veterinário do CRO de Si, não teve dúvidas quanto à sua identidade e número de cães detidos pelo arguido

    Q. Pelo facto de um canídeo estar, do lado exterior, junto a um portão da residência do aqui Recorrente, não podemos concluir de per si que o mesmo lhe pertence

    R. Acresce, que o local onde alegadamente teve lugar a agressão, é a casa morada de família do Arguido, S. À hora descrita, o arguido e a sua mulher estavam acordados e não ouviram qualquer barulho, T. Aliás o arguido foi surpreendido na manhã seguinte, pela GNR, com uma notificação para apresentar o cão ao Médico Veterinário do CRO de …

    U. Mais estranho e incompreensível, o Ofendido não pediu auxílio na casa do Arguido… V. Caminhou cerca de 100 metros até sua casa, onde reside com a irmã, a quem pediu auxilio, mas por estar a dormir não ouviu a solicitação… W. E só uma hora após tal ocorrência, depois da caminhada de cerca de 100 metros, é que o Ofendido pediu ajuda ao vizinho que mora na casa que fica de frente para a sua… X. A decisão do Tribunal a quo revela-se baseada em incerteza, e na dúvida razoável, que o Tribunal não apresenta sanada com recurso à luz das regras da experiência comum, podia e devia ter decidido de outra forma; Y. Por outro lado, o tribunal ad quo, não valorou o testemunho do Médico Veterinário do CRO de …, que analisou e verificou o canídeo do aqui Recorrente, foi dito que o mesmo é de raça indeterminada, de cor castanha (coincidente com o declarado pelo ofendido e pela testemunha F), robusto com um bom índice corporal, que não foram verificados sinais de maus-tratos para explicar uma potencialidade agressiva numa situação normal do dia-a-dia, nem tão pouco vestígios de sangue que pudessem ter resultado do alegado ataque

    Z. Aliás, o canídeo em causa comportou-se de forma obediente ao dono, mantendo-se na caixa da viatura que o transportou, sendo que na opinião do médico veterinário este cão não tinha, alegadamente, produzido aquelas mordidelas ao Ofendido, uma vez que não é um cão perigoso

    AA. Mais foi dito pelo médico veterinário, que o cão tinha a vacina da raiva em dia e cumpria com as normas sanitárias impostas por lei

    BB. A lei determina, nestas situações, proceder ao sequestro do animal, e uma vez que a propriedade do Recorrente é fechada quer por muros, quer por portões, o técnico considerou que o sequestro podia ser realizado na propriedade do Recorrente

    CC. O médico veterinário do CRO deslocou-se à propriedade e aí verificou a existência do portão, de um muro e de um espaço que respondia às exigências sanitárias para que o cão fosse sequestrado para dentro desse canil e que não pudesse daí sair

    DD. Quanto aos alegados saltos pelo muro, explicou o técnico que o mesmo não seria possível tendo em conta a estatura do canídeo em causa nos autos. Tal como, não seria possível que o cão conseguisse passar o seu focinho pelas grades do portão e abrir a mandíbula por forma a desferir uma mordidela

    EE. O testemunho do médico veterinário, foi um testemunho claro, conciso, sem hesitações e bastante esclarecedor quanto à alegada perigosidade do cão, que mais uma vez, não se conseguiu provar porque o mesmo não é perigoso! FF. A que acresce o facto de também a Jurisprudência dominante, como acima ficou melhor explanado, ter entendido que, nestes casos, sempre seria de considerar pela aplicação do princípio in dubio pro reo, acontece que, no limite, existirá uma duvida substancial de que tenha sido o cão do Recorrente a atacar o ofendido e também sobre a forma e local onde esse ataque terá ocorrido, e por isso, o mesmo não pode ser condenando pela pratica deste crime.» 3. O recurso foi recebido

  2. O Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª instância respondeu defendendo, aliás doutamente, dizendo, no essencial, que: «(…) O que o Recorrente pretende, no fundo, é que se faça uma reapreciação da matéria de facto. Ora, como ao Tribunal ad quem está vedada a realização de um novo julgamento que incida sobre a totalidade da decisão, o que este poderá fazer é uma reavaliação dos pontos concretos da matéria de facto que sejam indicados pelo Recorrente. Preceitua o art. 412º, nº 1, do C.P.P., que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”. E acrescenta o nº 3, do referido preceito legal, que “quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”. (sublinhado nosso)

    Tem, assim, o recorrente o ónus de especificar com clareza os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, e mencionar quais as provas que impõem decisão diversa da recorrida. Com este dever legal de indicação precisa, concreta, clara, pretende-se permitir ao recorrente que aponte ao Tribunal “ad quem” o que na sua perspectiva foi mal julgado, e oferecer uma proposta de correcção que possa ser avaliada. Ora, como bem resulta da motivação, o arguido não cumpriu, minimamente, com tal dever, pelo que a consequência jurídica será a de ver impossibilitado o conhecimento da matéria de facto por parte do Tribunal superior. Na verdade, até se pode admitir que o Recorrente indicou na sua motivação os concretos pontos que considerou incorrectamente julgados. Mas já não indicou qualquer prova em concreto que impunha uma decisão diversa, assim como não indicou qualquer prova que deva, ou possa, ser renovada. O que o Recorrente fez foi apresentar a sua versão dos factos, distinta daqueles que foram fixados pelo M.mo Juiz a quo

    (…) O recurso não serve para...

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