Acórdão nº 1235/19.8T8ENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução24 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Casa do Povo da Chamusca instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra A.F.

, E.A.

e J.A.

, pedindo que: - a autora seja declarada proprietária do prédio urbano sito no Bairro 1º de Maio, n.º 30, Chamusca; - os réus sejam condenados a reconhecer aquele direito de propriedade e a restituir o imóvel à autora livre de pessoas e bens; - os réus sejam condenados no pagamento das rendas vencidas, desde maio de 2013 até à presente data, no valor de € 5.644,50, acrescido de juros até efetivo e integral pagamento; - os réus sejam condenados a pagar à autora uma indemnização no valor de € 1.500,00 pela falta de entrega do imóvel até à presente data; - os réus sejam condenados a pagarem à autora uma indemnização pela falta de entrega do imóvel, à razão de € 150,00 mensais, desde a entrada da ação até à data da sua restituição.

Alega, em síntese, que é a proprietária do referido imóvel, sendo os réus filhos e únicos herdeiros da falecida G.E., a quem a autora por contrato verbal celebrado há mais de 20 anos deu de arrendamento o dito imóvel, pela renda mensal de 500$00 (€ 2,50), a pagar no primeiro dia do mês a que dissesse respeito na sede social da autora.

Por razões de saúde a arrendatária, residindo à data sozinha no locado, foi acolhida num Lar, local onde acabou por falecer em dezembro de 2017, não tendo regressado ao locado, o qual nunca foi restituído à autora pelos herdeiros.

A ré não pagou as rendas desde maio de 2013, data a partir da qual o valor da renda era de € 79,50, sendo que o locado, se fosse colocado no mercado de arrendamento, renderia à autora o valor de € 150,00 mensais.

Contestaram apenas as rés A.F. e E.A., tendo também deduzido reconvenção.

Em sede de contestação invocaram as exceções de ilegitimidade passiva, alegando que os réus não são os únicos filhos da falecida G.E., sua mãe, e de legitimidade ativa, porquanto quem assinou a procuração outorgada a favor do mandatário da autora, não detém poderes para a obrigar.

No mais, alegam que o imóvel em causa foi construído ao abrigo da Lei n.º 2092 de 9 de abril de 1958 e legislação anterior aplicável à construção e atribuição das casas económicas, como habitações económicas em regime de propriedade resolúvel, e que foi celebrado contrato de propriedade resolúvel com o pai dos réus, este na qualidade de morador adquirente, sendo que nessa qualidade, ele e a falecida G.E., desde 1 de Junho de 1971, habitaram na moradia cuja restituição se requer, negando, em todo o caso, a existência de qualquer valor de rendas em dívida.

Em reconvenção pedem que a autora seja condenada: - a reconhecer o direito à constituição do direito de propriedade a favor dos réus/ reconvintes e seus irmãos, por via da propriedade resolúvel sobre o imóvel dos autos, “ou alternativamente”, caso assim não se entenda - a reconhecer o direito de propriedade dos réus/reconvintes sobre o referido imóvel, com fundamento na usucapião; - e, num ou noutro caso, a devolver aos réus/reconvintes o montante € 688,10 que recebeu indevidamente, acrescido de juros até integral pagamento.

Alegam, resumidamente, que a casa em questão foi atribuída ao seu pai em 1971, por contrato verbal, em regime de propriedade resolúvel, a efetivar após o pagamento de 240 prestações, tendo o último pagamento ocorrido em junho de 1991 e, em todo o caso, porque há mais de 40 anos, de forma ininterrupta, os pais dos réus e a sua família habitam aquele imóvel, “de forma pacífica, pública e de Boa Fé, sem a oposição de ninguém”.

Mais alegam que pagaram à autora as quantias de € 500,00 e € 188,10 até dezembro de 2019, a título de rendas, que não eram devidas.

A autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência das exceções invocadas e do pedido reconvencional.

Na mesma data em que apresentou a réplica, veio a autora requerer a intervenção principal provocada de (…) e (…), irmãos dos réus, a qual foi admitida.

Foi proferido despacho a convidar as rés contestantes deduzir intervenção principal provocada dos demais co-herdeiros com vista a garantir a legitimidade processual para a dedução do pedido reconvencional formulado, o que foi aceite, tendo aquelas rés deduzido o respetivo incidente, o qual foi admitido.

Foi dispensada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador que julgou improcedentes as exceções de ilegitimidade passiva e ativa suscitadas, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: «Pelo exposto, e conforme disposições legais acima citadas, decido: - julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência; - reconheço o direito de propriedade do A. do prédio urbano sito no Bairro (…), descrito na Conservatória do registo Predial de Chamusca, sob o n.º (…); - condeno os RR. a restituir à A. o imóvel identificado em 1.1. dos factos provados livre de pessoas e bens no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão; - condeno os RR., na qualidade de herdeiros de G.E., a pagar à A.

- a quantia de € 30,80 (trinta euros e oitenta cêntimos), referente às rendas vencidas e não pagas de Maio de 2013 a Dezembro de 2017, inclusive, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias em causa desde a data de vencimento de cada uma das rendas; - condeno os RR., a título pessoal e solidariamente, a pagar à A.: - a quantia de € 3,30 (três euros e trinta cêntimos), referente à indemnização pela retenção do imóvel entre Janeiro de 2018 a Junho de 2018, inclusive; - a quantia, a liquidar em sede de execução de sentença, à razão de € 100,00 (cem euros) mensais, desde Julho de 2018 até à restituição do locado, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias em causa desde a data de vencimento; - julgando no mais o pedido improcedente, absolvendo os RR. em conformidade.

- julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos RR., do mesmo absolvendo a A.

» Inconformados, os réus apelaram do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem: «Os RR. e a sua família consideram e sempre consideraram que, após o pagamento das 240 prestações, aquela seria a sua habitação.

A A. registou a seu favor uma habitação que bem sabia não ser sua e fê-lo com um título inexistente, forjando modelos 129 (modelo de participação fiscal anterior ao actual modelo 1 do IMI), quando bem sabia não ter comprado qualquer habitação, mas sim, o terreno onde estão instaladas todas as casas do bairro 1º de Maio.

Acresce que, é do conhecimento público e o tribunal a quo não pode ignorar que a A. Casa do Povo foi extinta, por decisão judicial, o que naturalmente implicará procedimentos subsequentes que, salvo melhor opinião, deverão suspender o processo onde foi proferida a sentença ora recorrida.

TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES, SE REQUER SEJA O PRESENTE RECURSO JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE:

  1. DANDO-SE POR INEXISTENTE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, DESIGNADAMENTE A CONDENAÇÃO DOS RR AO PAGAMENTO DA QUANTIA DE € 30,00 A TÍTULO DE RENDAS VENCIDAS, A QUANTIA DE € 3,30 A TÍTULO DE RETENÇÃO DO IMÓVEL E A QUANTIA DE € 100,00 MENSAIS ATÉ À RESTITUIÇÃO DO MESMO.

  2. DEVENDO CONSIDERAR-SE QUE ASSISTEM AOS RÉUS OS DIREITOS QUE OS ESTES RECLAMAM E QUE O TRIBUNAL A QUO INSISTE EM NÃO RECONHECER, POR UMA INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA LEI E DOS FACTOS QUE ESTÃO SUBJACENTES À APLICAÇÃO QUE, SALVO O DEVIDO RESPEITO, A MESMA DEVIA TER, NOMEADAMENTE O RECONHECIMENTO AO DIREITO DE PROPRIEDADE DOS RÉUS SOBRE O IMÓVEL OBJECTO DO LITÍGIO, ASSIM SE FAZENDO A HABITUAL JUSTIÇA!» A autora contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: «1. Decidiu bem a Meritíssimo Juiz a quo, das questões que lhe foram colocadas, face ao objecto do litígio, à prova produzida e à livre apreciação da mesma, o que fundamentou clara e criteriosamente e de acordo com a sua livre apreciação e convicção, tudo aliás como dispõe o artigo 607º do CPC.

    1. Não olvidamos que certamente os Réus pretenderiam que o desfecho da lide fosse outro, e de preferência que lhe fosse favorável. Coisa diversa é em busca desse desiderato, invocar um conjunto de generalidades, inverdades e imputações caluniosas à recorrida e a entidades públicas.

    2. Os recorrentes socorrem-se de abordagens genéricas à matéria que procuram colocar em crise, divagando sobre a mesma, repescando questões avulsas, sem invocar com objectividade factualidades, prova documental ou testemunhal, que devida e criteriosamente levasse o tribunal recorrido a tomar decisão contrária.

    3. Os recorrentes não dizem em concreto o que foi mal apreciado e quais os testemunhos que deveriam levar o tribunal a decidir de forma diversa.

    4. Para além de não o fazerem, também não apresentam, como é seu dever, as reais passagens e as transcrições dos depoimentos que sustentam a sua posição.

    5. Os recorrentes não cumpriram minimamente os requisitos do preceituado no artigo 640º do CPC, requisitos estes que integram um ónus primário, tendo por função delimitar o objecto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto, pelo que, a sua omissão, implica a imediata rejeição do recurso.

    6. E o mesmo se diga relativamente à falta da indicação das passagens de gravação dos depoimentos a que alude o número 2 do artigo 640º do CPC, em que as alegações dos recorrentes são completamente omissas, impossibilitando gravemente o exercício do contraditório e obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto.

    7. Por uma e por outra via, não poderá existir outra solução que não seja a rejeição do recurso.

    8. Nas suas conclusões os recorrentes deveriam ter indicado de forma sintética os fundamentos por que pedem a alteração ou anulação da decisão e...

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