Acórdão nº 305/19.7T8PSR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCANELAS BRÁS
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

RECURSO N.º 305/19.7T8PSR.E1 – APELAÇÃO (PONTE DE SÔR – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA) Acordam os juízes nesta Relação: A Ré/Apelante “Generali – Companhia de Seguros, S.P.A., Sucursal em Portugal”, com sede na Rua Duque de Palmela, n.º 11, em Lisboa, nestes autos de acção declarativa de condenação, com processo comum, que lhe instaurara, no Juízo de Competência Genérica de Ponte de Sôr-Juiz 2, a Autora/Apelada “Europcar Internacional – Aluguer de Automóveis, S.A.

”, com sede no Edifício Amoreiras Square, Rua Carlos Alberto da Mota Pinto, nº 17-2º, em Lisboa, vem interpor recurso da douta sentença que foi proferida em 14 de Outubro de 2021 (agora a fls. 96 a 122 verso dos autos), e que veio a julgar a acção parcialmente procedente e a condená-la a pagar à Autora a quantia de € 16.600,00 (dezasseis mil e seiscentos euros), “acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, contados desde 09 de Dezembro de 2021, por ser a data em que foi concretizada a citação da Ré, até efectivo e integral pagamento” – aí aduzindo o fundamento de que “No caso dos autos, face à matéria dada como provada e supra elencada, no sentido de que o condutor do veículo segurado na Ré acedeu à rotunda sem ceder a passagem ao veículo da Autora, que nela já circulava preparando-se aliás para dela sair, tendo-se encostado à direita para esse efeito, sendo certo que o veículo segurado na Ré veio a embater no veículo da Autora sem nunca ter travado, é ostensivo que a culpa pela produção do acidente cabe em exclusivo ao condutor do veículo segurado na Ré”; e de que “A posição assumida pela Ré nestes autos, ao invocar a prescrição do direito da Autora, é, salvo melhor entendimento, de manifesto abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium, porquanto sempre fez crer à Autora, que nela acreditou de forma legítima e de boa-fé que ia proceder ao pagamento do remanescente do valor em falta relativamente ao valor venal do veículo destruído quando a investigação crime chegasse ao seu termo, como chegou, tendo concluído pela culpa exclusiva do veículo do seu segurado” –, intentando a sua revogação e apresentando alegações que culminam com a formulação das seguintes Conclusões: 1.

Como está bem de ver, a Sentença da qual se recorre deve basear-se nos factos alegados e demonstrados pelas partes através da produção de prova, seja ela documental, seja ela testemunhal.

  1. O Tribunal fez uma errada interpretação da missiva (que é um verdadeiro cavalo de batalha da Autora) datada de 20 de outubro de 2014, enviada pela Ré à Autora, com o seguinte teor: “(…) Assunto: Não Assunção de Responsabilidade Ex.mo(s) Senhor(es) Acusamos a receção da participação do sinistro acima referenciado, cujo conteúdo mereceu a nossa melhor atenção.

    Nos termos do preceituado no art.º 36º, nº 1, e), do Decreto Lei nº 291/2007, cumpre-os informar que, efectuadas todas as diligências tendentes ao apuramento das circunstâncias em que ocorreu o sinistro, concluímos que, neste momento, não existe prova bastante que configure a atribuição da responsabilidade do presente sinistro ao nosso segurado.

    Em face do exposto e considerando que o acidente se encontra ainda em fase de inquérito, pelo Ministério Público de Ponte de Sôr, não poderá esta Seguradora assumir qualquer indemnização, referente a prejuízos decorrentes do presente sinistro.

    Sem outro assunto de momento subscrevemo-nos com elevada estima e consideração.

    Generali Companhia de Seguros SPA.

    (assinatura totalmente ilegível) DGS – Direcção Gestão de Serviços Elaborado por E061”.

  2. O assunto da carta é “Não Assunção de Responsabilidade” e, jamais do texto da referida missiva resulta, conforme consta da Sentença recorrida, que a Ré faria depender qualquer pagamento à Autora, do desfecho do processo crime.

  3. Para a questão em análise, apuramento ou não de factos que conduzam à prescrição do direito da Autora, é indiferente, por um lado, saber sobre quem recaía a culpa na produção do sinistro, não fazendo, por isso, sentido as considerações que o Tribunal a quo faz sobre a prova testemunhal e o seu acesso, como elemento para uma tomada de decisão, por banda da Recorrente.

  4. Qualquer dúvida seria dissipada pelo testemunho da (…), colaboradora da A., prestado em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, realizada no dia 29 de junho de 2021, depoimento gravado das 11h07m47s às 11h28m46s.

  5. Da carta de outubro de 2014 não resulta que a Generali pagaria o valor reclamado pela Autora uma vez concluído o processos crime, como não resulta que estivesse a fazer depender esse pagamento da conclusão do mesmo.

  6. O título da carta deixa antever precisamente o contrário, que a Generali não assumia qualquer responsabilidade.

  7. Face ao depoimento da testemunha (…), deverá ser aditado um novo facto, ao elenco da matéria dada como provada, do seguinte teor: “Nunca foi transmitido, verbalmente, à Autora, que a Ré reembolsaria a quantia reclamada uma vez concluído o processo crime”.

  8. Conclusão diversa, apenas e só se justifica por uma errada interpretação ou leitura do teor da carta de outubro de 2014.

  9. Bem patente, aliás, nesta passagem da douta Sentença recorrida: “É, igualmente, reprovável que a Ré, tendo dado à Autora uma resposta que só pode ser qualificada no mínimo como evasiva, porquanto, na sua carta de 20.10.2014, faz depender a sua assunção da responsabilidade da produção do acidente da investigação que está a ser levada a cabo no processo de inquérito crime pendente nos Serviços do Ministério Público de Ponte de Sôr, nunca tenha, durante quase quatro anos, e apesar de todas as comunicações eletrónicas comprovadamente remetidas pela Autora, dado uma resposta definitiva acerca da assunção da sua responsabilidade, o que só se dignou a fazer em 17 de maio de 2018”.

  10. Não deixa de ser curioso que o Tribunal tenha mencionado esta missiva como sendo aquela alegadamente em que a Ré toma uma posição definitiva sobre a assunção de responsabilidades, porquanto a mesma limita-se a reiterar o conteúdo da carta de outubro de 2014, “Exmos. Srs., Boa tarde, Acusamos a receção do email de V. Exas., cujo teor mereceu a nossa melhor atenção.

    Em resposta informamos que reiteramos a posição assumida na carta de 20-10-2014.

    Cumprimentos, Generali Diana Ramos”.

  11. Ora, se o Tribunal entende que em 17 de maio de 2018 (comunicação por email) a Generali tomou uma posição definitiva sobre a não assunção de responsabilidades, quando esta comunicação se limita a reiterar a posição assumida em 20 de outubro de 2014, então não se compreende como o tribunal pode validar outra posição que não aquela defendida pela aqui Recorrente.

  12. Jamais a recorrente, directa ou indirectamente, agiu de molde a inculcar na Autora qualquer ideia de que pagaria o por aquela reclamado, uma vez concluído o processo crime.

  13. A Autora tinha ao seu dispor todos os meios processuais para, em modo e tempo próprios, acionar a Ré, ora Recorrente, reclamando desta o valor a que se achava no direito de receber.

  14. A responsabilidade decorrente do facto de não o ter feito atempadamente apenas e só a si poderá ser assacada.

  15. Derradeira prova deste facto é a Autora, como o Tribunal, terem entendido o teor da comunicação datada de 17 de maio de 2017, como sendo a manifestação de vontade da Ré em não assumir qualquer responsabilidade, quando esta comunicação se limita a reiterar o teor da comunicação de 20 de outubro de 2014.

  16. Sendo, pois, esta a prova cabal de que desde 2014 a Autora não podia desconhecer que a Ré não assumiu a responsabilidade pelo sinistro e disso deu devida conta à Autora, o que fez sem qualquer reticência ou reserva.

  17. Esta mesma posição confirma, assim, a bondade dos argumentos defendidos pela Recorrente no sentido de estarem verificados os factos que conduzem a que seja proferida decisão que julgue o direito invocado pela Autora prescrito.

  18. Ora, de tudo o que fica exposto, resulta, pois, que a Recorrente jamais agiu de molde a fazer crer na Autora que pagaria o que quer que seja, uma vez concluído o processo crime e, por isso, jamais agiu em abuso de direito, pois jamais obstou a que a A. exercesse tempestivamente o seu alegado direito de reembolso dos valores que alegadamente suportou.

  19. Não faz, igualmente, qualquer sentido a posição assumida pelo Tribunal quanto às comunicações efectuadas ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 291/07, de 21 de agosto.

  20. Ao assim ter decidido, violou a douta Sentença recorrida quanto dispõem, entre outros, os artigos 334.º e 498.º do Código Civil, nomeadamente ao não dar como provada a prescrição do direito da Autora.

    Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida em conformidade com as presentes alegações, assim se fazendo como sempre JUSTIÇA.

    A Autora/Apelada Europcar Internacional – Aluguer de Automóveis, SA apresenta contra-alegações (a fls. 135 verso a 143 dos autos), para dizer que não assiste razão à Apelante na discordância que vem manifestar da douta sentença, para o que remata a sua alegação com a formulação das seguintes Conclusões: A.

    Não há qualquer aplicação incorreta dos factos dados como provados ao direito, nomeadamente quanto à missiva enviada pela Recorrente à Recorrida no dia 20 de outubro de 2014.

    B.

    A sentença fez uma interpretação correta do teor da missiva ao considerar que, através da mesma, a Recorrente “relegou para o desfecho do inquérito crime pendente nos Serviços do Ministério Público a decisão final sobre a assunção da sua responsabilidade”.

    C.

    Dispõe o artigo 236.º, n.º 1, Cód. Civil: “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.

    D.

    Ora, qualquer declaratário normal, colocado na posição da Recorrida, e em face do afirmado pela Recorrente na referida missiva e da conduta...

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