Acórdão nº 3183/18.0T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO XAVIER
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1.

AA intentou acção declarativa de simples apreciação, com processo comum, contra BB pedindo: - Que se declare que o R. não tem o direito de crédito que invoca como fundamento para o inventário que requereu e, caso se decida que o tem, seja o seu exercício declarado ilegítimo, por configurar abuso de direito.

  1. Alegou para tanto, que as partes foram casadas entre si, no regime de bens adquiridos, entre .../.../1988 e .../.../2004, que o R. intentou contra si um inventário para partilha subsequente a divórcio, para partilha do direito de crédito consubstanciado nas benfeitorias realizadas na constância do matrimónio em imóvel alheio, propriedade da cabeça de casal, e que o casal habitava na constância do matrimonio, tendo, no âmbito do referido inventário, sido proferida decisão que remeteu as partes para os meios judiciais comuns.

    Mais alegou, que A. e R. instruíram o requerimento para divórcio com relação de bens comuns que partilharam de seguida, não tendo incluído na relação de bens comuns quaisquer benfeitorias, tendo a A. procedido à venda da casa em 28/04/2016, e que foi na sequência desta venda que o R. veio instaurar o inventário reclamando o referido direito de crédito por benfeitorias.

    Invocou, por fim, que o R. actua em abuso de direito, porque só ao fim de 12 anos após o divórcio e após terem partilhado o património comum e, bem assim, após ter sido vendida a casa, é que vem invocar a questão de alegadas benfeitorias, quando já nem era possível proceder ao levantamento das mesmas, concluindo, assim, pela procedência da acção.

  2. O R. apresentou contestação e, após convite (cf. despacho de 25/09/2018), deduziu reconvenção.

    Alegou o R., em síntese, que não assiste razão à A. quando pretende que as benfeitorias, não constando da relação de bens que acompanhou o requerimento de divórcio, não são susceptíveis de serem partilhadas, inexistindo qualquer renúncia à partilha do património restante, e que, estando incorporadas no imóvel, o valor das benfeitorias efectuadas durante a constância do matrimónio traduz-se num enriquecimento da A. concretizado aquando da venda do imóvel, concluindo pelo seu direito de partilha desse crédito e que não existe qualquer situação de abuso de direito.

    Assim, concluiu pela improcedência da acção e pela procedência do pedido reconvencional deduzido, apurando-se as benfeitorias realizadas no imóvel e quantificando o valor para se estabelecer o direito de credito próprio do reconvinte a fim de prosseguir a partilha no processo de inventário.

  3. A Reconvinda apresentou réplica, pronunciando-se pela improcedência do pedido reconvencional.

    Realizou-se a audiência prévia, tendo sido admitida a reconvenção, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

  4. Instruído o processo e realizada a perícia ordenada nos autos, teve lugar a audiência de julgamento, após o que veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu: «…, considera-se totalmente improcedente o peticionado pela A.

    Declara-se parcialmente procedente o pedido reconvencional, quantificando-se em € 17.000,00 o valor aportado ao imóvel, por força das benfeitorias realizadas pelo casal na fracção.» 6.

    Inconformada recorreu a A.

    , finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:

    1. Quanto ao despacho de 29.05.2018 Artigo 1º O convite dirigido ao réu para apresentar reconvenção pelo despacho de 29.05.2018 não tem suporte legal, antes viola o disposto no nº 3 do artigo 590º do CPC e, portanto, deve tal despacho, nesta parte, ser revogado, ordenando-se o desentranhamento / apagamento da reconvenção.

      Na verdade, deduzir, ou não, reconvenção, é uma opção do réu em que o juiz não deve interferir e a contestação que omite a reconvenção nos casos em que a lei a permite não é, por isso, um articulado padecente de irregularidades.

      Artigo 2º O recurso não está, nesta parte, interditado pelo disposto no nº 7 do artigo 590º do CPC, pois que o despacho sobre o qual incide não tem acolhimento em nenhum dos segmentos deste artigo e, face ao disposto no nº 3 do artigo 644º, também do CPC, é este o momento e local próprio para impugnar tal despacho.

    2. Quanto à impugnação em matéria de facto Artigo 3º O facto do nº 25 do elenco dos factos dados como provados deve ser eliminado pois que não há meio nem elemento de prova que o sustente.

      É certo que a Exma. Juiz entendeu que o relatório pericial e os esclarecimentos prestados por escrito pela Sra. Perita justificam a prova daquela matéria. Mas entendeu mal.

      Decorre daqueles documentos (os de fls. 169 a 184 e 191 a 193) e do depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento pela Sra. Perita (cfr. Sistema Habilus Media Studio, 10:11:16 a 10:20:49, mais precisamente entre os 2' e 45" e os 7') que: não visitou o imóvel pelo interior; não sabe se as obras foram realizadas ou não; supôs que foram realizadas as obras do artigo 46º da contestação; não teve a oportunidade de verificar a qualidade dos materiais aplicados na obra.

      Artigo 4º Donde, o juízo pericial em que a Exma. Juiz estribou a decisão de dar como provado o facto do nº 25 é condicional: se foram realizadas as obras alegadas no artigo 46º, elas valorizaram a fracção autónoma em € 17.000,00.

      Mas isto quer exactamente significar que, se as obras não foram realizadas, não houve tal valorização. E quer também significar que se foram realizadas algumas obras, mas não todas aquelas que estão alegadas no artigo 46º da contestação, não é possível, a partir do relatório pericial e dos esclarecimentos da Sra. Perita, apurar a exacta valorização da fracção autónoma imputável às obras efectivamente realizadas.

      Artigo 5º Mesmo que subsistam provadas todas as obras dos nºs 13 a 23 dos factos provados – e ver-se-á que não devem subsistir – é manifesto que estas obras são menos amplas e em parte diferentes das que o réu alegou ter feito.

      E, porque assim é, não pode subsistir provado que as obras cuja realização ficou provada – as dos nºs 13 a 23 – valorizaram a fracção autónoma em € 17.000,00.

      Em suma: tem de ser eliminado, do elenco dos factos provados, o do n.º 25.

      Mas não só.

      Artigo 6º Também as obras referidas nos pontos 14, 17, 19, 21, 22 e 23, devem ser dadas como não provadas.

      Na verdade, quanto às obras realizadas em 1989 os únicos elementos de prova relevantes são o depoimento da autora, gravado no Sistema Habilus Media Studio, entre 09:32:16 e 09:54:23, particularmente os segmentos entre 0' e 50" e os 3' e 45" e os 6' e os 6' e 40", e o depoimento da testemunha CC, gravado no mesmo sistema entre 10:20:52 e 10:30:12, particularmente os segmentos entre os 3' e os 5' e 40" e os 7' e 50" e os 8' e 50".

      E estes depoimentos não suportam a prova daqueles factos.

      Artigo 7º A Exma. Juiz valorizou também, para dar por assentes aqueles factos, as declarações de parte do réu, as fotografias juntas aos autos pela empresa que mediou a venda da casa em 2016 e pelo que a autora escreveu, pelo seu punho, no documento junto pela Century, isto é, que «as canalizações da cozinha e das casas de banho foram alteradas …».

      Mas, valorizando assim, a Exma. Juiz errou.

      Artigo 8º Na verdade, aquelas fotografias e aquela declaração manuscrita foram feitas em 2016, no âmbito do processo de venda da casa, isto é, 27 anos após aquelas obras de 1989. E daí, não está demonstrado que tenham que ver com tais obras, revelando os autos que posteriormente, em diversos momentos, outras obras foram feitas (ver, nomeadamente, depoimentos da autora e da testemunha CC nos identificados segmentos e o Relatório de Avaliação bancário de Março de 2016).

      As declarações de parte do réu não justificam o mínimo crédito pois que revelou ser capaz de mentir quando convém aos seus interesses e a prova daqueles factos interessa-lhe manifestamente (ver doc. único junto com a réplica e declarações do réu gravadas no referido sistema entre 09:55:24 e 10:11:14, particularmente o segmento entre os 12' e os 13'.

      Artigo 9º Ainda em sede de matéria de facto impõe-se que se dê como provado que «os cônjuges acordaram entre si não exigir a partilha das benfeitorias».

      Na verdade, este facto foi confessado pelo réu no artigo 26º da contestação e aceite pela autora (ver artigos 23º a 27º da réplica).

      A confissão é válida, pois que feita pelo próprio réu em articulado por si assinado, e o facto releva para a boa decisão da causa.

      A Exma. Juiz, não dando aquele facto como provado, errou uma vez mais.

    3. Quanto à impugnação em matéria de direito Artigo 10º Procedendo o que se concluiu nos artigos 1º e 2º, o pedido do réu formulado na contestação tem de improceder pois que só em sede de reconvenção lhe era processualmente adequado formulá-lo.

      E se for eliminado o facto do nº 25 dos factos provados a reconvenção, ainda que subsista, tem de improceder, o que por maioria de razão deverá acontecer se forem também eliminados os factos provados sob os nºs 14, 17, 19, 21, 22 e 23.

      Artigo 11º Não tendo ficado provado o custo das obras realizadas em 1989 não pode ser arbitrada qualquer indemnização a título de benfeitorias.

      É que a indemnização, a fixar segundo as regras do enriquecimento sem causa, terá de sê-lo pelo quantum do empobrecimento (custo das obras) quando este for inferior ao quantum do enriquecimento (valorização da coisa).

      Não resultou provado o quantum do empobrecimento (custo das obras) e a prova incumbia ao réu.

      Resultaram violados os artigos 342º, nº 1, 1273º, nº 2 e 479º, nº 2, todos do Código Civil.

      E daí, a reconvenção não pode proceder.

      Artigo 12º Porque alegadamente se trata de obras úteis (embora algumas sejam manifestamente voluptuárias e não justifiquem indemnização) o réu teria de alegar – para depois provar – que as benfeitorias, todas ou algumas delas, sendo esse o caso, não poderiam ser levantadas sem detrimento da coisa.

      Mas não alegou e é manifestamente errado o entendimento, expresso na sentença, de que é «evidente, pela própria natureza da obra, que o levantamento das...

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