Acórdão nº 681/20.9T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de ÉVORA I – RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra: AA (1.ª Ré), BB, e marido CC (2.ºs Réus), DD (3.º Réu), EE (4.ª Ré) e FF (5.º Réu).

Pedindo que se declare a nulidade do contrato de partilha identificado na petição inicial, por violação das regras do fracionamento e loteamento urbano, bem como se declare o cancelamento de todas as inscrições registrais posteriores, inerentes àquele.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou factos que consubstanciam a seguinte causa de pedir: Nulidade do contrato de partilha, porquanto por via do mesmo, celebrado no dia 29-01-2016, os Réus declararam, conjuntamente, além do mais, que o património de GG era constituído por um prédio misto, que identificaram, e que, como ato prévio à partilha, dividiram o aludido prédio misto em 3 novos prédios, tendo adjudicado duas partes à Ré AA e a terceira parte aos Réus BB e CC, tendo os 3.ºs, 4.ºs e 5.º Réus informado, ali, que receberam, dos restantes, as competente tornas.

O ato de autonomização da parcela urbana do prédio rústico foi realizado sem ter sido feito prévio pedido de licenciamento ou de operação de destaque junto da Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere.

Contestaram os Réus AA e BB invocando a exceção de usucapião, dizendo que os Réus têm vindo na prática a exercer a posse sobre as parcelas identificadas, de forma individualizada e autónoma, desde há pelo menos 50 anos, situação de facto que se viu formalmente refletida nos atos praticados e cuja legalidade o Autor questiona, uma vez que o prédio foi objeto de divisão verbal no ano de 1970, encontrando-se, desde então, a referidas Rés na posse efetiva dos prédios que resultaram na divisão operada em virtude da escritura de partilhas descrita.

Formularam pedido reconvencional no qual peticionam o reconhecimento do direito de propriedade por usucapião dos prédios descritos.

Respondeu o Autor à matéria da reconvenção, impugnando os factos dela constantes e alegando que o instituto da usucapião não prevalece sobre as normas que proíbem o fracionamento de prédios rústicos por ofensa da unidade de cultura mínima e que regulam o loteamento.

Após ter sido realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, constando da sua parte dispositiva: «Por tudo o exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente e a reconvenção procedente, e, em consequência, decide-se: a) não declarar verificada a nulidade do contrato de partilha identificado, por violação das regras do fracionamento e loteamento urbano; b) reconhecer o direito de propriedade da ré AA, adquirido por usucapião, do prédio urbano pertencente à freguesia de Nossa Senhora do Pranto, concelho de Ferreira do Zêzere, inscrito na matriz predial sob o artigo ...2, do concelho de Ferreira do Zêzere, com a superfície coberta de 41,47 m2, logradouro com 118 m2, totalizando a área total de 160,26 m2; e do prédio rústico com a área total de 6.200 m2 que veio a dar origem a dois prédios na medida em que este prédio se acha separado fisicamente por uma estrada – o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...0 com a área de 5.920 m2 , e o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...9, com a área de 280 m2; c) reconhecer o direito de propriedade da ré BB, adquirido por usucapião, do prédio rústico pertencente à freguesia de Nossa Sr.ª do Pranto, concelho de Ferreira do Zêzere, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...8.º da secção I, com a área de 5.080 m2 (cinco mil e oitenta metros quadrados).» Apelou o Autor, pugnando pela revogação da sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «1 – Resultou provado, além do mais, que através de partilha, os réus procederam à divisão do prédio inscrito sob o artigo ...6... em três parcelas, sendo que através daquele ato, os réus procederam à alteração/atualização do prédio rústico inscrito sob o artigo ...6... em três novos artigos: o 88.º da Secção I, o 89-da Secção I e o 90 da Secção I, sem que tivessem efetuado qualquer pedido prévio de licenciamento e sem formalizaram qualquer pedido de operação de destaque junto da Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere.

2 - As normas vigentes que visam a proibição de fracionamento de prédios são normas imperativas que visam a preservação do ambiente, o ordenamento do território e a qualidade de vida, 3 - são erigidas em normas que defendem os interesses de toda a coletividade e são exemplos de interesses difusos (art. 52º, nº 3, al. a) da Constituição), cuja defesa incumbe ao Ministério Público.

4 - Na sentença recorrida, conferiu-se prevalência aos interesses dos particulares intervenientes num contrato de partilha de bens, e decidiu-se que a aquisição das parcelas fraccionadas ocorreu por usucapião, admitindo-se uma operação de loteamento/destaque por usucapião de prédios, ainda que com violação das normas que proíbem tais operações, em detrimento das normas imperativas a que subjazem interesses de ordem pública, 5 - Tal interpretação não é, porém, consentânea com a regra definida no artigo 9.º do Código Civil, que prevê que na interpretação, deve ponderar-se a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

6 - Na verdade, na ponderação das normas em confronto (por um lado, as normas que regem o instituto de aquisição por usucapião e, por outro lado, as normas que regem o fracionamento e loteamento urbano), o fulcro da questão está em saber o valor que a posse invocada para aquisição por usucapião tem e se a mesma se impõe mesmo contrariando normas de interesse público de valor constitucional (cf. art. 66.º da CRP).

7 – À questão de saber em que medida é que os actos de posse baseados num facto proibido por leis imperativas de interesse público permitem a aquisição por usucapião sufragamos o entendimento de que não o permitem.

8 - Na verdade, a exclusão da usucapião sobre parcelas de propriedade justifica-se quando dela resulte ofensa de princípios de direito público; justifica-se igualmente noutros casos no sentido em que a usucapião, enquanto instrumento legal de aquisição originária de um direito, não pode servir para afastar normas imperativas às quais está sujeito quem adquiriu a coisa por aquisição derivada.

9 – Assim sendo, não é admissível a aquisição por usucapião de parcelas de prédios resultante de loteamento/destaque ilegal, por desrespeitar as regras contidas no Regime Jurídico de Edificação e Urbanização.

10 - Já que, tal aquisição, contendendo com normas de caráter imperativo, que visam a tutela de interesses predominantemente públicos por traduzirem o reconhecimento jurídico de um bem que, em primeira linha, compete à comunidade, não pode considerar-se eficaz.

11 - A partilha...

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