Acórdão nº 167/20.1T9GDL-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

Nos presentes autos de arresto preventivo que constituem o apenso A dos processo de inquérito que corre termos no Juízo de Instrução Criminal de …-J…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 167/20.1T9GDL, em 02.11.2022, foi proferido despacho indeferindo liminarmente a providência cautelar de arresto preventivo de um imóvel propriedade do arguido AA, concretamente do prédio urbano sito na Rua …, …

* Inconformada com tal decisão, veio a requerente, BB, interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “a) O decretamento do arresto preventivo depende da probabilidade da existência do crédito e da existência de justo receio de que o devedor inutiliza, oculte, se desfaça dos seus bens, que em princípio integram a garantia do credor: b) Quanto ao requisito da probabilidade da existência de um direito de crédito, o legislador não exige a prova da verificação efetiva desse crédito, mas tão-só que seja provável a existência do mesmo

  1. O critério do legislador é o da aparência de um direito do credor, não se afigurando necessário que o direito esteja plenamente comprovado, mas apenas que dele exista um mero "fumus boni juris", ou seja, que o direito se apresente como verosímil. Também, quanto ao "periculum in mora" não é necessário que exista certeza de que a perda da garantia se vai tornar efectiva com a demora, bastando que se verifique um justo receio de tal perda vir a concretizar-se

  2. Em matéria de procedimentos cautelares a lei contenta-se com a aparência de realidade do direito invocado, ou seja, com um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança. Trata-se de formular um juízo de valor sobre matéria de facto apoiado em simples critérios próprios do homo prudens, em presunções naturais ou de experiência

  3. Quanto ao fundado receio de perda da garantia patrimonial consubstancia-se no perigo de serem praticados atos de ocultação, disposição, alienação ou oneração do património do devedor — não sendo necessária a prova de qualquer conduta dolosa ou fraudulenta nesse sentido — até que o credor obtenha um título executivo que lhe permita atingir o património do devedor. O justo receio da perda de garantia patrimonial pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito

    f)Corre termos o processo de inquérito n. 2 167/20.1T9GDL, em que são arguidos CC e AA, na sequência de uma denúncia apresentada pela aqui recorrente, por crime de burla informática, infidelidade, e abuso de confiança

  4. A aqui recorrente é neta e única herdeira da ofendida DD

    h)DD, ofendida e avó da recorrente, no ano de 2012 tinha 79 anos e encontrava-se incapacitada, acamada e posteriormente, em 2013, internada num lar da Santa Casa da Misericórdia. Desde 2013 que a ofendida não se levantava da cama, no Lar onde residia

  5. Era a arguida que se encontravam encarregue de cuidar da ofendida, e que decidiu colocá-la num Lar quando esta ficou incapacitada de se movimentar totalmente. Era também a arguida que tinha acesso às contas bancárias da ofendida unicamente para realizar pagamentos (despesas de saúde, essencialmente)

  6. Os arguidos, em comunhão de esforços, apropriaram-se do cartão de multibanco da ofendida, e, fazendo uso como sendo seu, realizaram inúmeros levantamentos e transferências bancárias, no período que mediou Junho de 2012 e Janeiro de 2017

  7. Os levantamentos eram realizados em Máquinas ATM localizadas em estabelecimentos de jogos de sorte e azar (casinos, bingos, etc)

  8. O cartão de multibanco era também utilizado para efetuar compras em locais de pronto a vestir, diversão, supermercados, carregamentos de telemóveis, e restaurantes, que totalizam a quantia de € 65.324,60

  9. Os arguidos realizaram, também, inúmeras transferências para uma conta bancária com o N. …, cujo titular é o arguido AA, e que totalizam o montante de € 33.370,00, Bem como um pagamento com cartão de crédito no valor de € 2.500,00

  10. Para além disso, os arguidos estavam encarregues de receber as rendas, depositar na conta da falecida e dar a respetiva quitação, referentes a dois imóveis propriedade da ofendida

  11. Acontece que os arguidos, no período entre Junho de 2012 e Janeiro de 2017, depositaram as rendas na conta N. … também da … pertencente ao arguido AA, no montante mensal de 300,00 (trezentos euros)

  12. Para além desses valores subtraídos da Conta Bancária do Banco …, que totalizam o valor de € 101.194,60, há ainda a fundada suspeita de que os arguidos também movimentaram a conta bancária da ofendida junto do Banco …, cujos extratos ainda não foram disponibilizados por aquela entidade bancária, embora o Ministério Público já tenha intimado a referida entidade nesse sentido por duas vezes

  13. Assim, há fundada suspeita de que o valor total que os arguidos subtraíram das contas bancárias da ofendida ascenda a um valor muito superior aos cerca de € 100.000,00 já apurados

  14. A ofendida encontrava-se a residir num Lar, acamada e impossibilitada de se movimentar, desde 2012, conforme o relatório do Lar da Santa Casa da Misericórdia de … junto aos autos, a únicas pessoas que tinham acesso à conta bancária da ofendida era a sua cuidadora e o marido desta (os dois arguidos), e todas as compras efetuadas foram em beneficio dos mesmos, uma vez que a ofendida não consumia qualquer produto que não fosse disponibilizado pelo Lar, muito menos conseguia movimentar-se e deslocar-se a Casinos (nomeadamente na …) para jogar. Para além disso, e conforme prova fotográfica junto aos autos, os arguidos têm fotos em Casinos, recebendo prémios de clientes habituais

  15. Tendo em conta o montante elevado que os arguidos subtraíram da conta da ofendida, a idade do arguido, que já conta com mais de … anos, a inexistência de outros bens propriedade dos arguidos, e a morosidade do processo, a recorrente tem um justo receio de que o arguido se desaposse do único bem de que é titular com vista à dissipação do seu património, em prejuízo dá recorrente, que, desse modo, verá afastada qualquer possibilidade de satisfazer o seu crédito

  16. Para além disso, os arguidos usaram grande parte do dinheiro da ofendida em casinos, bingos e outros estabelecimentos de sorte e azar, indiciando que os mesmos padecem de um vício de jogo, contribuindo esse facto, determinantemente, para o aumento do risco de dissipação do património do arguido

  17. Na verdade, e como já se referiu, quanto ao requisito da probabilidade da existência de um direito de crédito, o legislador não exige a prova da verificação efetiva desse crédito, mas tão-só que seja provável a existência do mesmo. O critério do legislador é o da aparência de um direito do credor, não se afigurando necessário que o direito esteja plenamente comprovado, mas apenas que dele exista um mero "fumus boni juris", ou seja, que o direito se apresente como verosímil

  18. O que o Tribunal a quo parece na sua fundamentação exigir para considerar preenchido o requisito da aparência do direito é uma certeza absoluta existência deste, o que se mostra contrário à ratio dos procedimentos cautelares

  19. Em boa verdade, as providências cautelares têm na sua ratio a necessidade do credor, antes de obter sentença condenatória do devedor, invocar a verosimilhança do seu direito e, com isso, conseguir impedir um dano irreparável futuro que só ocorrerá com a condenação do credor, se esta vier a ocorrer

  20. Dito isto, e tendo em conta que era a arguida (sobrinha da ofendida) a responsável por cuidar da ofendida, apenas os arguidos tinham acesso à conta da ofendida (facto que em mais de 2 anos de inquérito nenhum dos arguidos veio negar), que a ofendida se encontrava acamada e sem capacidade de se movimentar, que eram os arguidos que visitavam a ofendida no Lar, não tendo esta qualquer outra visita de familiares exceto da neta e ora recorrente, que os arguidos pediram e receberam dos inquilinos as rendas dos imóveis propriedade da ofendida diretamente na sua conta, que há registo nos extratos de movimentações diárias e recorrentes em casinos (por todo o país), que os arguidos são conhecidos jogadores de jogos de sorte e azar, havendo inclusive fotografias dos mesmos a receber prémios de clientes habituais, e que há transferência diretas da conta da ofendida para a conta do arguido, outra conclusão não se poderá retirar, através de um juízo de valor apoiado em simples critérios próprios do homo prudens, em presunções naturais ou de experiência, de que há efetivamente uma aparência do direito de crédito da recorrente sobre os arguidos

  21. Para além disso, no processo de inquérito que corre termos, há outra queixa idêntica apresentada por EE contra os arguidos por factos idênticos. Os arguidos são denunciados por EE por se terem apropriado do cartão de multibanco do seu pai, enquanto este estava aos cuidados dos arguidos, e terem subtraído 50.000,00 Euros. Aliás, a própria arguida assinou uma confissão de dívida em que reconhece dever a EE 50.000,00 Euros

  22. Infere-se que já não é a primeira vez que os arguidos são denunciados por factos idênticos, e sempre com o mesmo modus operandi, apropriarem-se de cartões de multibanco de pessoas idosas que estavam sobre o seu cuidado e utilizarem as suas contas bancárias como sendo suas

    aa) Assim, deve ser considerado que o requisito do "fumus bonis iuris" se encontra preenchido

    bb) Na verdade, o arguido com a conduta plasmada nos autos (subtração de dinheiro para jogos de sorte e azar) demonstra um muito provável vício de jogo, o que aumenta substancialmente o perigo do mesmo dissipar património para conseguir liquidez que alimente o seu vício

    cc) Para além disso, e como já referido, quanto ao fundado receio de perda da garantia patrimonial consubstancia-se no perigo de serem praticados atos de ocultação, disposição, alienação ou oneração do património do devedor — não sendo necessária...

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