Acórdão nº 2755/20.7T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA LUNA DE CARVALHO
Data da Resolução15 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora: I Vale do Lobo-Resort Turístico de Luxo, S.A. intentou ação declarativa, sob a forma comum, contra Estado Português, representando pelo Ministério Público, com os demais sinais identificadores constantes dos autos, pedindo que, pela procedência da ação se reconheça que: a) a Autora logrou demonstrar a propriedade atual do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 8610 e inscrito na matriz predial sob o n.º 4374, da freguesia de Almancil, bem como a sequência ininterrupta de transmissões de propriedade do imóvel até ao ano de 1827, data em relação à qual ficou demonstrado que a parcela em causa já se encontrava em propriedade particular; Subsidiariamente, b) quando assim não se entenda, e se julgue não provada a referida sequência ininterrupta de transmissões da propriedade, que o Tribunal, ao abrigo do entendimento jurisprudencial prevalecente descrito nos artigos 13.° a 17.° da p.i. reconheça provada a propriedade particular da parcela em causa no presente e em data anterior a 22 de março de 1868 ou a 31 de dezembro de 1864; Em qualquer caso, deve o Tribunal: c) declarar revogado o estatuto de dominialidade até aqui aplicável à faixa de terreno de margem das águas do mar que integra o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 8610 e inscrito na matriz predial sob o n.º 4374, da freguesia de Almancil; d) reconhecer e declarar, com efeito constitutivo, a propriedade privada da Autora sobre a faixa de domínio público a que presuntivamente pertencia a referida parcela.

Para tanto alega, em síntese, que o prédio rústico de que é proprietária inclui uma parcela de terreno dentro da faixa de 50 m de domínio público marítimo, correspondente à margem das águas do mar, que constitui propriedade privada desde data anterior a 31-12-1864 ou 22-03-1868, o que pretende se reconheça.

O Réu contestou, impugnando, em suma, a generalidade dos factos alegados, concluindo pela improcedência do pedido.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a ação procedente, por provada, e, em consequência, decidiu reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre a parcela da margem das águas do mar contígua ao troço da poligonal definido pelos vértices (1 a 18) do anexo II do relatório pericial de fls. 591/609, integrante do que remanesce do prédio rústico, sito em Vale do Lobo, freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº 11051/201011111, inscrito na matriz sob o art.° 4374, da freguesia de Almancil, por a mesma documentalmente ser propriedade privada desde data anterior a 22 de março de 1868.

Inconformado veio o Réu Estado recorrer, assim concluindo as suas alegações de recurso: 1a - Na presente ação de processo comum, vem o Réu Estado, representado pelo Ministério Público, impugnar a sentença proferida nos autos que julgou a presente ação procedente, por provada, e, em consequência, reconheceu a Autora como titular do direito de propriedade privada sobre a parcela da margem das águas dos mar contígua ao traço da poligonal definido pelos vértices (1 a 18) do anexo II do relatório pericial de fls. 591/609, integrante do que remanesce do prédio rústico, sito em Vale do Lobo, freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º11051/201011111 e inscrito na matriz sob o art.º n.º 4374, da freguesia de Almancil, por a mesma documentalmente ser propriedade privada desde data anterior a 22 de março de 1868.

Em súmula conclui pelo seguinte: 2a - A Autora instaurou a presente ação declarativa sob a forma comum, pedindo que se declarasse revogado o estatuto de dominialidade até aqui aplicável à faixa de terreno de margem das águas do mar que integra o prédio acima mencionado, bem como que o Tribunal reconhecesse e declarasse, com efeito constitutivo, a propriedade privada da Autora sobre a faixa de domínio público a que presuntivamente pertencia a referida parcela - tudo de harmonia com o disposto no artigo 15°, n.º 1 e 2 da Lei n.º 54/2005, de 15.11.

3a - Realizou-se a audiência final no pretérito dia 14 de março de 2022, com total observância do legal formalismo e, em 20/04/2022 a Mma. Juiz a quo proferiu sentença, na qual considerou a presente ação procedente por provada e reconheceu a Autora como titular do direito de propriedade privada sobre a acima mencionada parcela da margem das águas dos mar.

4a - O Réu, representado pelo Ministério Público, discorda de tal decisão em virtude de entender que a factualidade dada como assente - a qual de resto não contesta ou impugna - não permite considerar que a mesma parcela da margem das águas do mar integrante do prédio rústico em questão era, por título legítimo, objeto de propriedade particular antes de 22 de março de 1868, afastando-se assim a presunção de que a mesma pertence ao domínio público marítimo.

5a - Com efeito, entende o Réu que a totalidade dos factos dados como provados na douta decisão não permite retirar a conclusão, como o faz a Mmª. Juiz a quo na fundamentação da sentença, de que a Autora havia demonstrado que o prédio rústico descrito sob o n.º 11051 da Conservatória do Registo Predial de Loulé corresponde ao prédio que lhe adveio na sequência de ininterruptas transmissões de propriedade do imóvel desde data anterior a 22.03.1868.

6a - Alias, tal decisão até se mostra contrariada por uma parte dos factos dados como não provados.

7a - Com efeito, decorre do ponto 4 dos factos dados como provados que em 26/03/1968 foram anexados ao mesmo prédio n.º 11051 - na altura descrito em ficha sob o n.º 8610 do Livro 8-22 da Conservatória do Registo Predial de Loulé - entre outros, os prédios descritos sob os n.ºs 32594, 32612 e 28813.

8a - Por sua vez, no ponto 8, dá-se como assente que em 30/03/1963 foram anexados ao prédio n.º 28813 os prédios descritos sob os nºs 32613, 32614, 32615, 32616, 32617 e 32618.

9a - Ora, na petição inicial a Autora sustentava que os três prédios descritos sob os n.ºs 32614, 32616 (leia-se “32615”) e 32616, haviam sido anexados ao prédio descrito sob o artigo n.º 28813 e correspondiam à parcela do mesmo prédio rústico (o atual n.º 11051) que confronta a sul com o mar ou com areias e que se encontra totalmente incluída em zona do domínio público marítimo.

10a - E, sustentava a Autora, os mesmos três prédios provinham do prédio descrito sob o n.º 6601.

11a - Todavia, da matéria de facto dada como provada não se retira a conclusão de que os prédios n.º 32614, 32615 e 32616 provêm do prédio n.º 6601.

12a - O que significa que a sequência de ininterruptas transmissões de propriedade do imóvel em questão (o atual prédio n.º 11051) desde data anterior a 22-03-1868 não é sustentada pela matéria de facto dada como assente.

13a - Sendo que na alínea b) da matéria de facto dada como não provada até se consignou expressamente que "os prédios descritos sob os n.ºs 32614, 32615 e 32616 provêm do prédio descrito sob o n.º 6601 da Conservatória do Registo Predial de Loulé".

14a - Não se tendo, pois, provado que os prédios com os n.ºs 32614, 32615 e 32616 provêm do prédio descrito sob o n.º 6601 da Conservatória do Registo Predial de Loulé, temos assim quebrada em termos de prova a sequência de ininterruptas transmissões de propriedade do imóvel n.º 11051 desde data anterior a 22.03.1868 – que era, recorde-se, a questão que se colocava centralmente em discussão nos presentes autos - que competia à Autora demonstrar.

15a - Além disso e por outro lado, a Autora sustentava que os prédios descritos sob os n.ºs 6601, 6600 e 6602 tinham todos origem no prédio n.º 339.

16a - Sendo certo que é sobre este prédio n.º 339 que se reportam os documentos mais antigos que a Autora carreou para os autos e que, na verdade, são os únicos onde pode assentar o preenchimento do requisito previsto no n.º 2 do artigo 15° da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro.

17a - Isto significa de facto que este prédio n.º 339 era, por título legítimo, objeto de propriedade privada ou comum antes de 22 de março de 1868.

18a - Só que essa qualidade associada ao mesmo prédio (ser objeto de propriedade privada antes de 22.03.1869 “leia-se 1868”) não é suscetível de ser aproveitada pelo prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 11051/20101111, uma vez que a cadeia de transmissão entre os mesmos não se demonstrou nos autos.

19a - Com efeito, não se deu como assente na matéria de facto dada como provada que o prédio descrito sob o n.º 6601 provém do prédio descrito sob o n.º 339.

20a - Desta forma, não se tendo, pois, provado que o prédio com o n.º 6601 provém do prédio descrito sob o n.º 339 da Conservatória Privativa, temos assim de novo quebrada em termos de prova a sequência de ininterruptas transmissões de propriedade do imóvel n.º 11051 desde data anterior a 22.03.1868.

21a - E, nenhum outro ponto da matéria de facto dada como provada é suscetível de reparar ou colmatar tal (inexistente) cadeia de transmissões de propriedade.

22a - A única conclusão segura que se poderá retirar da matéria de facto dada como provada é que o supra aludido prédio n.º 339 era, por título legítimo, objeto de propriedade privada ou comum antes de 22 de março de 1868 - sendo que não se logrou demonstrar que tal qualidade possa ser tida em conta por qualquer outro prédio mencionado nos presentes autos.

23a - Não foi assim demonstrada a relação entre o prédio a que aludem os pontos 1 a 3 da matéria de facto e o citado prédio a que aludem os pontos 38 a 44 da mesma matéria.

24a - Não se mostrando assim preenchidos os requisitos previstos no citado artigo 15°, n.º 2 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, para considerar que a parcela da margem das águas do mar contígua ao troço da poligonal definido pelos vértices (1 a 18) do anexo II do relatório pericial de 591/609, integrante do remanescente do prédio rústico (“leia-se “descrito na Conservatória do...

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