Acórdão nº 249/19.2T8TVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA LUNA DE CARVALHO
Data da Resolução15 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora: I B… e, após intervenção principal provocada, I… intentaram ação declarativa constitutiva com processo ordinário contra C…, A… e J…, pedindo que: a) Seja reconhecido às Autoras o seu direito de preferência sobre o prédio rústico identificado nos autos, substituindo-se à Ré na escritura de compra e venda; b) Sejam os Réus condenados a entregarem o referido prédio, livre de ónus e encargos; c) Seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que a Ré, compradora e atual proprietária, haja feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio, e outras que venha a fazer.

As Autoras, em articulados separados, fundamentam tal pretensão na circunstância de serem proprietárias de um prédio rústico confinante com o prédio rústico comprado pela 1ª Ré, que não é confinante desse prédio, sendo que os prédios são aptos e virão a ser utilizados para cultura (propósito manifestado nos articulados por ambas as autoras) e têm área inferior à unidade de cultura, para além de que os Réus não lhes deram prévio conhecimento do projeto de venda nem das cláusulas do respetivo contrato.

A Ré C…, pessoal e regularmente citada, deduziu contestação na qual invoca a caducidade do direito de ação, abuso de direito e deduziu, a título subsidiário, reconvenção com vista ao pagamento das benfeitorias feitas por si no prédio que adquiriu, no valor de € 16.554,55, bem como requer que lhe seja reconhecido o direito de retenção sobre o imóvel.

Os Réus A… e J…, pessoal e regularmente citados, deduziram contestação, alegando a caducidade do direito de preferência, bem como abuso de direito.

Na réplica, a Autora B…, pugnou pela improcedência das exceções invocadas e reconvenção peticionada.

A Autora I… respondeu às mesmas e à reconvenção, com a idêntica pretensão de improcedência, no seu articulado próprio, sequencial à sua intervenção principal provocada.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu: a) julgar improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, absolver os Réus C… dos pedidos deduzidos pelas Autoras B… e I…; b) Julgar extinto, por inutilidade superveniente da lide, o pedido reconvencional deduzido por C… contra B… e I….

Não se conformando com a sentença, veio a 1ª Autora, B…, recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso: A.

Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 10 de março de 2022, no âmbito dos autos em epígrafe, que julgou a ação declarativa constitutiva - ação de preferência totalmente improcedente e, em consequência, não reconheceu o direito de preferência da então Autora, ora Recorrente, à separação sobre o prédio rústico sito em Pedras D'EI Rei, freguesia de Santa Luzia, concelho de Tavira, distrito de Faro, descrito na conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º …e inscrito na matriz predial sob o artigo … e, em consequência não foram os Réus condenados a entregarem o referido prédio à então Autora, tampouco foi ordenado cancelamento de todos os registos feitos por conta do referido prédio.

B.

Em virtude de ter julgado improcedente a ação, o Tribunal a quo julgou extinto o pedido reconvencional deduzido, a título subsidiário, pela Ré C…, por inutilidade superveniente da lide.

C.

Com o devido respeito, entende a Recorrente que, na decisão recorrida, o Tribunal a quo não fez uma correta interpretação da factualidade provada e da aplicação do Direito ao ter julgado totalmente improcedente a ação declarativa que deu origem aos presentes autos.

D.

Discordando, portanto, da decisão proferida por aquele Tribunal.

E.

Tribunal e Recorrente comungam do entendimento de que "( .. .) que está em causa um direito legal de preferência" nos termos do disposto no artigo 1380.° do Código Civil (CC).

F.

Assim sendo, de acordo com o artigo 1380.°, n.º 1, do CC "Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente de direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante".

G.

Sendo que "Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura": H.

Não gozando, porém, "(…) do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes: a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura; b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar” I.

Entendendo-se que "O direito de preferência conferido pelo artigo 1380º do Código Civil não depende da afinidade ou identidade de culturas nos prédios confinantes." J.

Após ponderação dos pressupostos, resultantes das normas ora citadas, do direito legal de preferência, nomeadamente: i. "Tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio"; ii. "O preferente seja dono de um prédio confinante com o prédio alienado"; iii. "Um dos prédios confinantes tenha área inferior à unidade de cultura"; iv. "O adquirente do prédio não seja proprietário confinante"; e v. “Que os dois prédios sejam rústicos e destinados a cultura. “ 6 Nos termos do disposto no DL n.º 384/88, de 25 de Outubro, no seu artigo 18.°. 7 Conforme artigo 1381.°, do CC.

7 Conforme mencionado na douta sentença, Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 18 de Março de 1986, publicado no DR 18 Série de 17-05-86.

K.

De tal ponderação resultou que o Tribunal a quo considerou resultar "(. . .) provado nos autos que o prédio rústico vendido à 1a Ré confina com o prédio rústico das Autoras e a 1ª Ré não é proprietária de qualquer prédio confinante".

L.

Estando, portanto, verificado que foi vendido um prédio, que o preferente (as então Autoras) é dono de um prédio confinante com o prédio alienado, que o adquirente (a 1ª Ré) do prédio não é proprietário confinante e que estão em causa dois prédios rústicos (melhor identificados supra e nos autos à margem referenciados).

M.

No mesmo sentido foi o entendimento do referido Tribunal a respeito do pressuposto da área de prédio.

N.

Pois, atendendo ao facto de que ambos os prédios são de sequeiro, o da Recorrente e o comprado pela então 1ª Ré, a unidade de cultura a considerar, para a zona do Algarve, corresponde a 5 ha.

O.

E, portanto, tendo o prédio da Recorrente a área total de 0,284438 ha, afere-se claramente que o referido prédio tem área inferior à unidade de cultura.

P.

Até ao que aqui se referiu, relativamente aos pressupostos do direito de preferência, o entendimento da Recorrente vai ao encontro do que emana da douta sentença.

Contudo, o mesmo não sucede quanto à apreciação do Tribunal do fim a que se destina o prédio em causa.

9 Conforme os limites fixados na Portaria 202/70, de 21 de Abril, DL n." 384/88, de 25 de Outubro e DL n.º 103/90, de 22 de Março.

R.

No que concerne ao fim a que se destinam os prédios, a posição do Tribunal a quo vai no sentido de “( ...) que o pressuposto fundamental para o exercício do direito de preferência pelos proprietários de terrenos confinantes é de que estes sejam considerados terrenos aptos para cultura, não sendo necessário que estejam efetivamente cultivados", partilhando de posição anteriormente defendida por esta Relação.

S.

Ora, também a Recorrente partilha desta posição, uma vez que o prédio de que é proprietária, não estando efetivamente cultivado, está apto para cultura.

T.

A Recorrente rejeita, porém, em absoluto, os argumentos trazidos à colação pelo Tribunal a quo para fundamentar, segundo o mesmo, o abuso de direito pelas então Autoras e, em consequência, inviabilizar o exercício do direito de preferência das então Autoras e, bem assim, declarar improcedente a ação.

U.

Tendo concluído, o Tribunal, que a conduta das então Autoras configurava abuso de direito por conta das seguintes observações: a. "(. . .) apurou-se que as Autoras não exercem qualquer agricultura no seu prédio, nem têm qualquer projeto de vir a exercer a mesma no prédio que a 1ª Ré adquiriu e no qual exerce a atividade agrícola"; b. "Nos autos apurou-se que a 1ª Ré, fez alterações no prédio durante mais de 1 ano sem qualquer entrave por parte das Autoras, as mesmas não exercem qualquer atividade agrícola no seu prédio desde que o adquiriram em 2014 (. .. )"; c. "(. . .) não se tendo apurado que pensem vir a exercer de futuro em nenhum dos prédios qualquer atividade agrícola, tendo uma casa móvel no seu prédio, com ar condicionado, o que permite presumir que utilizam o terreno, licita ou ilicitamente, para habitar, (. .. I"; d. "(. . .) para além de que estão divorciadas e nem sequer conjuntamente pretendem exercer o direito de preferência, pelo que claramente nas partilhas há grande possibilidade de cada uma ficar com um dos terreno defraudando o objetivo do emparcelamento (. .. )".

V.

No que concerne ao instituto do abuso de direito, o artigo 334.°, do CC dispõe que "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".

W.

Nesse sentido, bem nota o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/10/200710 referindo que "Existe abuso de direito quando um certo direito, admitido como válido em tese geral, surge, num determinado caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida segundo o critério social dominante".

10 Processo n.º 07B2739 (Santos Bernardino).

X.

Sendo que, no caso do direito de preferência, o fim económico que o mesmo visa prosseguir é o emparcelamento agrícola com vista a evitar o minifúndio e promover a viabilidade e sustentabilidade económica das explorações agrícolas.

Y.

E só se desvirtua esse fim económico, isto é, só haverá lugar ao abuso do exercício do direito de preferência, quando se dá ao prédio, sobre o qual se pretende exercer o direito...

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