Acórdão nº 2404/18.3T8STB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelANA PESSOA
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, I. RELATÓRIO.

A…, menor, judicialmente representada pela sua progenitora B…, propôs a presente ação de investigação de paternidade contra C…, pedindo que o Tribunal declare que a Autora é filha do Réu e que ordene a retificação do registo de nascimento quanto à menção da paternidade.

Alega, em síntese, que, no âmbito do processo n.º 2404/18.3T8STB, foi proferida sentença declarando que D… não é o pai da menor A… e que o pai da menor é C… * Citado. o Réu contestou, alegando não existir qualquer possibilidade de ser o pai da menor A…, uma vez que, não obstante ter tido, a partir de 2005, um relacionamento com a mãe da autora, tal relação terminou cerca de um ano antes do nascimento da menor (meados de 2011), não mais havendo qualquer tipo de contacto entre o réu e a mãe da autora dentro do período legal de conceção, o que demonstra a evidente impossibilidade de ser o réu o pai da autora.

Mais refere que a relação entre a mãe da autora e o réu era conturbada pelo facto de aquela manter, de forma habitual, relações sexuais com outros homens durante o período em que durou aquela relação.

* Proferido despacho saneador, no dia 03-02-2020, foi determinada a realização de exame pericial de ADN ao réu, à criança e à progenitora, a fim de averiguar se o réu é pai da autora.

Nessa sequência, o réu apresentou requerimento a declarar que se opõe à realização do exame.

Após, foi proferido despacho, no dia 12-03-2020, a informar o réu de que a sua recusa em efetuar os exames de ADN é ilegítima e constituiu uma violação culposa do dever de cooperação com o tribunal, e de que, caso se continuasse a recusar a efetuar os exames periciais de averiguação de paternidade, ocorreria inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º/2 do Código Civil.

O Réu voltou a apresentar requerimento manifestando recusa na realização dos exames de ADN.

Por despacho de 25-06-2020, voltou o Réu a ser advertido nos termos constantes do despacho de 12-03-2020.

O Réu nada disse, após o que se solicitou ao INML a realização do exame (despacho de 28-09-2020).

Foi feita a colheita de material biológico da Autora e da sua Mãe, mas não do Réu, uma vez que o mesmo faltou ao exame.

Foi o Réu novamente notificado para comparecer com nova advertência, nos termos já suprarreferidos (despacho de 30-04-2021).

O Réu voltou a não comparecer.

Foi, de seguida, o réu notificado para comparecer com uma última advertência, nos termos já suprarreferidos (despacho de 21-09-2021).

O Réu voltou a não comparecer.

Foi, assim, proferido despacho, no dia 06-01-2022, nos termos do qual se determinou a inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º/2 do Código Civil, ficando o réu onerado com a prova de que a autora A… não é fruto de relações sexuais entre o réu e a mãe da autora e, assim, que não é filha daquele.

* Foi realizada audiência final, vindo ser proferida sentença cujo dispositivo é o seguinte: “Pelo supra exposto, julgo procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, declaro que o réu C… é pai biológico da autora A…, nascida em 01-07-2012, ordenando consequentemente o averbamento da paternidade e da avoenga paterna no assento de nascimento da menor.

* Inconformado, o Réu interpôs o presente recurso de apelação, onde após alegações, apresentou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida em 27 de abril de 2022, nos autos de Ação de Processo Comum de Investigação Paternidade, que decidiu julgar a ação apresentada pela Autora totalmente procedente e, em consequência: “Pelos supraexposto, julgo procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, declaro que o réu C… é pai biológico da autora A…, nascida em 01-07-2012, ordenando consequentemente o averbamento da paternidade e da avoenga paterna no assento de nascimento da menor.” 2. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, a douta sentença recorrida não foi a mais correta e ajustada em relação à matéria de facto existente nos autos e à apurada em sede de audiência de julgamento, pelo que o direito aplicado também não reflete os factos concretos que foram apurados no mesmo julgamento.

  1. O recorrente entende que se impõe alteração em relação aos factos provados e não provados com real relevância para a decisão final, que levariam, necessariamente, à total improcedência da ação intentada pela recorrida.

  2. Na verdade, em parte, houve uma correta apreciação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, nomeadamente quanto aos pontos não provados: 4.2. Factos não provados 1. Durante os primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento da autora, nascida em 01-07-2012, o réu e a mãe desta, B…, mantiveram relações sexuais de cópula completa.

  3. A autora nasceu como consequência de relações sexuais mantidas entre o réu e B….

  4. Pertinentemente dando como não provado o Mmo. Juiz que “o réu e a mãe desta, B…, mantiveram relações sexuais de cópula completa.” e que “A autora nasceu como consequência de relações sexuais mantidas entre o réu e B….”.

  5. Perante isto, corretamente concluiu e sustentou que o Tribunal a quo que “não se provou qualquer facto que permitisse presumir a paternidade nos termos do artigo 1871.º/1 do Código Civil.” 7. Todavia, decidiu de forma completamente contrária ao que havia referido e fundamentado, concluindo pela presunção da paternidade do réu, por entender que não bastava ao réu gerar uma dúvida insanável, necessitando afastar diretamente a presunção da paternidade.

  6. O recorrente não se conforma, nem pode, com a decisão, já que a matéria de facto provada e não provada conduzia a conclusão diferente e sempre a favor da improcedência da ação.

  7. E da restante prova existente e produzida em audiência de discussão e julgamento, impunha-se ainda conclusão diferente em relação aos seguintes factos, que foram incorretamente julgados, e tem agora de ser alterados: 4.1. Factos provados 3. O réu e a mãe do menor tiveram uma relação que iniciou em 2005 e terminou em 2011, em data não concretamente apurada, tendo havido partilha de cama, mesa e habitação entre ambos, inicialmente em Setúbal, durante data não concretamente apurada, mas não superior a 8 meses, em Paris, e, desde 2008 até ao final da relação, em Arcos de Valdevez.

    4.2. Factos não provados 3. B… mantinha, de forma habitual, relações sexuais com outros homens durante o período em que durou a relação com o réu.

  8. Com efeito, resulta dos autos a inexistência de qualquer prova, sendo levantada uma dúvida insanável ao julgador quanto à paternidade da menor – como o mesmo conclui – algo que, que, e por si só, só poderia redundar na absolvição do réu.

  9. Mas mesmo que assim não fosse, em face da inversão do ónus da prova operado, esta dúvida insanável que foi gerada inseria-se sempre na prova produzida e que competia ao réu, que dessa forma conseguiu afastar a sua presunção da paternidade da menor A….

  10. Mas mais, ainda que não bastasse esta dúvida insanável para afastar a presunção da paternidade e consequente absolvição do réu, resulta claro da prova produzida, e contrariamente ao concluído pelo julgador, que há uma data concretamente apurada para o fim da relação.

  11. É que de forma coerente, isenta, sincera e credível, foi dito, pelo réu e pelas testemunhas, que o casal se incompatibilizou no dia 23 de maio de 2011 - dia de aniversário e da festa de anos do réu.

  12. Nesse dia 23 de maio de 2011, a mãe da autora abandonou o lar onde vivia com o réu, e nunca mais se voltaram a ver ou a estar juntos.

  13. A menor nasceu no dia 1 de junho de 2012 – 13 meses antes da separação e do fim dos contactos entre mãe da autora e réu.

  14. Provou-se e afastou-se de forma inequívoca a presunção de paternidade do réu – que deixou de estar com a mãe da autora 13 meses antes do nascimento da menor, em momento bem anterior ao período legal de conceção (os primeiros 120 dias dos 300 que antecedem o seu nascimento).

  15. Resultou ainda límpido das declarações do reu e dos depoimentos das testemunhas que a mãe da autora mantinham relações com outros homens, ao contrário do que não foi dado como provado pelo julgador.

  16. Isto aliado ao facto de ser o réu a segunda pessoa visada num processo de paternidade relativamente à mesma criança, 9 anos após o seu nascimento, demonstra bem o caráter e a personalidade da mãe da autora – nem ela própria fará ideia quem é o pai da menor, anda de ação judicial em ação judicial à procura do mesmo.

  17. Neste seguimento, na contraposição de declarações da mãe da autora e do reu e suas testemunhas, enquanto pessoas com conhecimento direto dos factos, resulta claro quem atua de ma fé e quem atua com honestidade.

  18. A menor passou 9 anos da sua vida a pensar que o D… era o seu pai, o que veio a ser anulado por sentença judicial, vindo agora a mãe da autora com nova ação de paternidade contra outro homem – e anda de ação em ação à procura do pai da menor, pelo que se nem ela saberá quem é o pai, muito menos podia o tribunal concluir nesse sentido.

  19. Ademais, não pode o tribunal declarar que não pode valorar estas declarações das partes e depoimentos das testemunhas, por entender que se são partes interessadas, logo sem credibilidade.

  20. Estando perante factos de caráter tão pessoal como o dos presentes autos, a única prova possível, concreta e credível seriam as declarações das partes com conhecimento direto dos factos, só se podendo atender ao que por elas foi dito – e onde concretamente afastam a presunção de paternidade.

  21. E se assim não for, e não se poderem valores estas declarações, então é manifestamente coartada a defesa e o contraditório ao...

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