Acórdão nº 341/18.0T8ABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCRISTINA DÁ MESQUITA
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1.

BB, ré na ação declarativa sob a forma de processo comum que lhe foi movida por CC interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Abrantes, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o qual julgou a ação procedente e, consequentemente: (i) Declarou válido o contrato-promessa de compra de partilha outorgado entre o autor e a ré, em 16.04.1991; (ii) Julgou procedente o pedido de execução específica do referido contrato-promessa e, em conformidade, adjudicou ao autor a fração autónoma designada pela letra G, correspondente ao ….º andar para habitação, composto por quatro divisões assoalhadas, cozinha, duas casas de banho, hall e duas varandas, terraço e com uma divisão no sótão de 50 m2, matricialmente inscrito sob o art. …-G da freguesia de S. Vicente e descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes com o n.º …-G e a fração autónoma designada pela letra correspondente a garagem na cave, definida pelo n.º … do mesmo prédio acima identificado, com a superfície coberta de 15 m2, inscrita sob o artigo matricial …-E e descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes com o n.º …-E; (iii) Autorizou a realização, pelas partes, dos respetivos registos prediais, designadamente a aquisição do Autor em consequência da adjudicação em partilha.

O autor havia pedido ao tribunal que declarasse válido o contrato-promessa de partilha celebrado com a ré, em 16.04.1991, e condenasse esta última no cumprimento específico desse contrato-promessa e, em substituição da vontade dela, que fosse declarada efetivada a adjudicação ao autor dos imóveis identificados na relação de bens junta aos autos, designadamente as frações supra descritas, e autorizasse a realização dos respetivos registos prediais; subsidiariamente, o autor peticionou a condenação da ré a pagar-lhe a quantia que viesse a ser liquidada em execução de sentença correspondente a metade dos valores que ele pagou ao Montepio Geral em reembolso do empréstimo hipotecário contraído para aquisição dos imóveis acima descritos, acrescido de juros legais, contados desde a data do respetivo vencimento e até integral pagamento bem como o reconhecimento do seu direito de retenção sobre os referidos imóveis como garantia dos créditos que detém sobre a ré e a manter-se na posse dos mesmos enquanto não for ressarcido e pagos dos créditos que detém sobre aquela.

Para sustentar os seus pedidos o autor alegou, em síntese, que celebrou com a ré, no dia 16.04.1991, um contrato-promessa de partilha dos bens comuns do casal na perspetiva do divórcio entre ambos, o qual já se encontrava em curso, visando tal contrato-promessa a celebração da escritura de partilha daqueles bens; do referido contrato-promessa consta, designadamente, que à ré ficava a pertencer e seria adjudicada a fração correspondente à letra “D” do imóvel inscrito sob o art. …-D, da freguesia de S. Vicente e que a ele-autor ficariam a pertencer e ser-lhe-iam adjudicadas as frações autónomas correspondentes às letras “G” e “E” do prédio urbano matricialmente inscrito sob o art. … da freguesia de S. Vicente; consta também do contrato-promessa de partilha que o autor/segundo outorgante liquidou à ré/primeira outorgante a quantia de esc. 900.000$00 «referente a bens de natureza imóvel que o primeiro levou a mais na partilha ora acordada», tendo aquela dado a correspondente quitação; e consta, ainda, que o autor/segundo outorgante assumiu a responsabilidade pela liquidação do passivo no valor de esc. 4.590.613$00 resultante de empréstimo bancário hipotecário contraído pelo casal para aquisição dos imóveis que seriam adjudicados ao autor o qual também ali se comprometeu a liquidar as prestações que se fossem vencendo até à outorga da escritura definitiva de partilhas; o autor procedeu ao pagamento do montante de esc. 4.590.613$00 ao Montepio Geral por conta do empréstimo hipotecário; por sentença transitada em julgado em 24.01.1992 foi decretado o divórcio entre autor e a ré, mas esta recusa-se a dar cumprimento ao contrato-promessa, declarando não pretender fazer a partilha nos termos ali acordados.

Citada, a ré contestou, por exceção e impugnação.

Alegou, em síntese, que o contrato-promessa é nulo por impossibilidade do objeto e por ofensa da regra da metade prevista no art. 1730.º, do Código Civil, bem como a prescrição dos direitos emergentes do contrato-promessa.

Foi realizada uma audiência prévia, no âmbito da qual foi fixado o valor da causa e o autor convidado a aperfeiçoar a petição inicial, o que este fez, tendo sido concedido à ré prazo para o exercício do respetivo contraditório, faculdade que aquela exerceu.

Ainda no âmbito da audiência prévia o tribunal de primeira instância proferiu despacho-saneador, relegando para a fase da sentença o conhecimento das exceções invocadas, proferiu despacho a fixar o objeto do litígio e enunciou os temas de prova, após o que se pronunciou sobre os requerimentos probatórios apresentados pelas partes.

Realizou-se a audiência prévia, finda a qual foi proferida a sentença objeto do presente recurso.

I.2.

A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões: «a) Existe contradição entre os factos provados nas alíneas E) e I), em compaginação com o que consta das alíneas D) e J), dado que nada se reporta, na decisão, ao que sucedeu quanto à habitação da fração após o segundo divórcio, ocorrido em 04 de Julho de 2013; b) O Julgador considerou que não foi violada a regra da metade, prevista no artigo 1730 do CC, mas, paralelamente, inexiste, na matéria de facto assente, quaisquer elementos essenciais para que se possa concluir pela violação, ou não, da regra da metade; c) Deste modo, não se afigura possível validar que o contrato-promessa não violou a regra da metade sem referências ao valor do ativo e do passivo, sendo a decisão nula nesse particular; d) O contrato promessa em causa neste processo, foi outorgado antes da dissolução do primeiro matrimónio, mais exatamente em 16 de Abril de 1991,tendo o divórcio ocorrido em 08 de Janeiro de 1992, sendo que, conforme elementos juntos aos autos, em 2003 ocorreu novo casamento que perdurou até 04 de Julho de 2013; e) Desde 1991 e até à data da propositura da ação, nenhuma das partes promoveu, ou diligenciou, pela marcação da escritura (alínea D), sendo que, ao contraírem novo matrimónio, os pressupostos fáticos em que assentou o objeto daquele contrato promessa, extinguiram-se, dado que se criou uma nova realidade por via da qual os bens voltaram a integrar um património comum, mas no âmbito do segundo casamento; f) As obrigações resultantes desse contrato promessa extinguiram-se, sem chegar a haver prestação, dado que os interesses da Recorrente e do Recorrido se confundiram com a outorga do segundo casamento; g) Sendo que, a função desse contrato promessa deixou de ter cabimento por motivos estruturais, funcionais e até de valor teológico, constituindo como que uma espécie de confusão imprópria, por aplicação analógica do artigo 865º, do CC; h) Na decisão em apreciação, esta questão não foi avaliada, como se impunha, pelo que há uma omissão de pronúncia que conduz, igualmente, à nulidade da decisão; i) O contrato promessa em apreciação nos autos foi celebrado há vinte e oito anos e, nessa época, o entendimento maioritário da doutrina e jurisprudência, era que o mesmo seria considerado nulo por violação do princípio da imutabilidade do regime de bens do casamento, previsto no artigo 1714º, do CC e conforme resulta dos acórdãos citados a pág. 7 das presentes alegações e que se dão por reproduzidos; j) Ora, entende a Recorrente que o mesmo deve ser analisado de acordo com esse entendimento jurisprudencial maioritário na época da sua celebração, nulidade essa que tem de ser declarada no caso concreto (nesse sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21-04-2015, citado a fls. 8); l) O Meritíssimo Juiz do processo não tomou em consideração a alteração anormal das circunstâncias advenientes da celebração de novo casamento, o que obrigaria à realização de um eventual contrato de partilhas atualizado, face às novas circunstâncias, dado que a obrigação decorrente do contrato de 1991 se extinguiu por se tornar impossível; m) Aliás, a circunstância de durante 28 anos nenhuma das partes ter promovido diligências para marcação da escritura, é sinal mais do que evidente da perda de interesse no mesmo, nomeadamente por via da celebração do segundo casamento; n) Efetivamente, o contrato promessa foi subscrito tendo em vista a realização do divórcio do primeiro casamento, mas extinguindo-se por via da celebração de novo matrimónio, tal contrato promessa não pode ser aproveitado para um segundo divórcio, cujos pressupostos e realidades assentaram em bases distintas, o que implica a inutilidade e extinção daquele contrato promessa; o) Tal contrato não previa quem iria marcar a escritura e, a ser válido, o que se admite como mera hipótese, qualquer um dos intervenientes poderia interpelar o outro, marcando a data para a realização da escritura de partilhas e, só faltando à mesma se poderia criar o cenário de incumprimento ou mora; p) Deste modo, não é concebível o ponto de vista de que só com a citação a Recorrente tomou conhecimento da pretensão do Recorrido e que, nesse momento entrou imediatamente em mora, sem lhe ter sido facultado um prazo para a outorga respetiva; q) Nesta conformidade, não se verificou o incumprimento por parte da Recorrente e não se verificam os requisitos essenciais à admissibilidade da execução específica do contrato prometido, impondo-se a improcedência da pretensão formulada nos autos pelo Recorrido; r) Acresce que, a Recorrente entende, finalmente, que o Recorrido já não se encontrava em tempo para vir invocar a execução específica, dado que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, ou seja, quando o mesmo estiver em condição (objetiva) do titular poder...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT