Acórdão nº 420/18.4T8FTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelTOMÉ RAMIÃO
Data da Resolução27 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora ***I - Relatório.

BB, residente na Herdade …, …, 7470-… Sousel, intentou a presente ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra a sua esposa, CC, residente na Rua da …, nº. …, 7460 Cabeço de Vide, Fronteira, pedindo que seja decretado o divórcio entre ambos, alegando que estão separados de facto há mais de um ano consecutivo e que não pretende restabelecer a vida em comum com a ré.

Realizada a tentativa de conciliação, sem êxito, a Ré, devidamente notificada, não contestou.

Foi proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e fixação dos temas da prova, após o que se procedeu a julgamento e subsequente sentença que julgou a ação procedente e decretou o divórcio entre o Autor e a Ré, com a consequente dissolução do casamento.

Inconformada com esta sentença veio a Ré interpor o presente recurso de apelação, apresentando, após alegações, a seguintes conclusões: 1- O objeto do presente recurso consiste em apurar, no âmbito desta ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, se se devem, ou não, considerar como provados os factos 4., 5., 7. e 8. da “matéria de facto provada”, uma vez que, segundo a decisão recorrida, essa matéria foi dada como provada UNICAMENTE pelas declarações de parte prestadas pelo autor, para prova de factos favoráveis à sua pretensão, tendo em conta que essas declarações não foram acompanhadas de qualquer outro meio de prova.

2- Na data da sessão de julgamento de 18 de Fevereiro de 2019 foi proferido o despacho a fim de serem tomadas declarações de parte ao autor a realizar de imediato”.

3- Após ter sido proferido esse despacho, a ora recorrente opôs-se.

4- No caso sub judice estamos no âmbito de uma ação de direitos indisponíveis que não admite confissão, motivo pelo qual a falta de contestação não implica a confissão dos factos articulados na petição inicial.

5- As declarações de parte dirigem-se, primordialmente, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma perceção direta privilegiada em que são reduzidas as possibilidades de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorrido na presença circunscrita das partes.

6- Tais declarações serão sempre livremente apreciadas pelo tribunal, conforme resulta do nº 3 do artigo 466º do NCPC, na parte em que não representem confissão.

7- Refira-se, desde logo que, os meios de prova – a prova por declarações de parte e o depoimento de parte- são distintos.

8 - Na presente ação discutem-se direitos indisponíveis, razão pela qual não é suscetível a eventual confissão de factos.

9- Não foi feita qualquer prova, nem testemunhal nem documental, para além das declarações de parte do A., relativamente aos pontos 4., 5., 7. e 8 da matéria de facto provada, sendo que esta matéria e tal prova resultou, exclusivamente da confirmação pelo Autor, em declarações de parte, dos factos que tinha narrado na sua Petição Inicial, através da sua Ilustre Mandatária.

10- O Autor limitou-se a repetir o que já era do conhecimento do Tribunal.

11- A declaração de parte não está prevista na Lei para exercer a função de “Testemunha de Parte”, razão pela qual o tribunal apenas poderia considerar como provado os factos 2., 3. e 6. da matéria de facto provada, pois sobre esses, além das declarações do Autor, foram considerados como provados pelos depoimentos das duas testemunhas Luís M… e Luís C….

12- Não podia o Tribunal a quo, valorar, como valorou, a prova por declarações de parte do Autor suficiente para fazer proceder a ação, para somente com base nessas declarações dar como provados os factos dos pontos 4., 5., 7. e 8 da matéria de facto provada, sem qualquer outra prova complementar e sem desvirtuar o ónus probatório.

13- As declarações de parte prestadas pelo autor, desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, não constituem meio de prova bastante para prova dos pontos 4., 5., 7. e 8. dos factos provados.

14- Na ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge discutem-se direitos indisponíveis.

15- A lei não admite a confissão, como se prevê no art. 354º, al) b) CC e, por isso, não é admitido o depoimento de parte (coisa diferente das declarações de parte), que constitui uma forma de obter a confissão de factos.

16- Conclui-se, que as declarações de parte prestadas pelo autor que versam sobre factos favoráveis à procedência da ação, desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, não constituem meio de prova bastantes para prova de tais factos e nessa medida, altera-se a decisão no sentido de julgar tais factos não provados.

17- E a matéria dada como provada nos pontos 2., 3. e 6. dos factos dados como provados NÃO É SUFICIENTE para se poder concluir e decidir que houve separação de facto há mais de um ano consecutivo, nos termos e para os efeitos da alínea a) do art. 1781º do C.C.

18- Considerar-se como provado, pelas duas mencionadas testemunhas, que “Relativamente à saída de casa, por parte do Autor, não permanecendo na casa de morada de família, e indo residir com a mãe, constante dos pontos 2., 3. e 6. da matéria de facto provada”, NÃO É SUFICIENTE para se poder concluir e decidir que houve separação de facto há mais de um ano consecutivo, nos termos e para os efeitos da alínea a) do art. 1781º do C.C.

19- A factualidade provada nos pontos 2., 3. e 6. do facto provado, que foi a única que incidiu prova testemunhal, não é bastante para se poder considerar como provada a separação de facto por um ano consecutivo, nos termos e para os efeitos da alínea a) do art. 1781º do C.C.

20 - Não deveria o Tribunal a quo ter decretado o divórcio entre as partes, uma vez que a factualidade provada nos pontos 2., 3. e 6. (porque essa é a única que está provada também por testemunhas) NÃO é bastante para aferir e concluir pela separação de facto por mais de um ano consecutivo, nos termos e para os efeitos da alínea a) do art. 1781º do C.C.

21- O Tribunal a quo, com a sua decisão, considerando provados os factos constantes nos pontos 4., 5., 7. e 8. da matéria dada como provada, apenas com a prova de declarações de parte do Autor, desacompanhado de quaisquer outros meios probatórios, documentais ou testemunhais, violou, o disposto nos artigos 342º, nº 1 e al) a) do art. 1781º do Código Civil e 466º, nº 3 do CPC.

Nestes termos e ainda pelo muito que, como sempre, não deixará de ser proficientemente suprido, deve ser concedido provimento ao recurso interposto, revogando-se a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais.

***O Autor contra alegou, sustentando que as suas declarações apenas confirmam e esclareceram o depoimento das testemunhas inquiridas sob juramento, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

***O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

***II - Âmbito do Recurso.

Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que a questão essencial a decidir consiste em saber se devem ser dados como não provados os pontos 4), 5), 7) e 8) da matéria de facto provada...

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