Acórdão nº 4733/16.1T8STB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Junho de 2019
Magistrado Responsável | ANA MARGARIDA LEITE |
Data da Resolução | 27 de Junho de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1.
Relatório O executado BB deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa que a Comissão de Administração Conjunta da Área Urbana de Génese Ilegal do P… R… lhe move e a CC, na qual é apresentada, como título executivo, fotocópia certificada da ata da assembleia realizada no dia 27-03-2004, contendo deliberação que determina o valor relativo ao custo da reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI) em causa e a fórmula de cálculo da comparticipação nas despesas de reconversão pelos respetivos proprietários e comproprietários.
O embargante fundamenta a oposição sustentando, em síntese, a ilegitimidade da executada CC, a inexequibilidade do título executivo e a exceção de não cumprimento do contrato; termina pedindo a procedência da oposição deduzida e a consequente extinção da execução.
Recebida a oposição à execução, a embargada contestou, pugnando pela respetiva improcedência.
Foi realizada audiência prévia, na qual, após comunicação de que o estado do processo permite conhecer do mérito da causa, se concedeu prazo às partes para se pronunciarem, conforme consta da respetiva ata.
O embargante emitiu pronúncia, deduzindo oposição à decisão do mérito da causa sem a realização de audiência final, por entender mostrar-se necessária a produção de prova sobre factos alegados na petição de embargos.
Foi proferida decisão, na qual se fixou o valor à causa, se proferiu despacho saneador, se discriminou os factos considerados provados e se conheceu do mérito da causa, tendo os embargos de executado sido julgados improcedentes e o embargante condenado nas respetivas custas.
Inconformado, o embargante interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e substituída por outra que determine a remessa dos autos à 1.ª instância para realização da audiência final ou que julgue procedente a oposição à execução e determine a extinção da execução, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem: «1. O presente recurso, bem como o processo executivo que está na origem da oposição de cuja decisão se recorre, têm como único Apelante/Executado o ora recorrente BB e as respectivas decisões não podem, de forma alguma, condenar a sua ex-cônjuge, CC, cuja oposição separada foi considerada procedente por provada, tendo transitado em julgado no processo 4733/16.1T8STB-B.
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Movida execução pela comissão de administração da AUGI de P… R… contra o Apelante, este apresentou oposição por embargos, na qual invocou a inexequibilidade da acta que serviu de título executivo — por incerteza sobre as despesas com a execução das obras de urbanização a comparticipar, sobre as áreas do loteamento, dos futuros lotes do Oponente e das respectivas áreas de construção, dado inexistir ainda alvará de loteamento; por a fórmula de cálculo da comparticipação não ser suficiente para a determinação do valor da comparticipação, bem como por o pretenso título executivo não constituir nem certificar a existência de uma concreta obrigação. Opôs-se, ainda, o Apelante invocando a excepção de incumprimento por parte da Exequente, Comissão de Administração da AUGI de P… R….
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O saneador-sentença elencou os factos assentes, dando como assente (nº 9 da sentença) um facto que não é verdadeiro e não corresponde ao presente processo: “Em face da fórmula de cálculo aprovada e do plano de loteamento definido pela Câmara Municipal de Palmela, a exequente efectuou os cálculos relativos aos lotes a atribuir aos embargantes, que terá o número …, com a área de 722,00 m2, e com uma STPL de 298,80 pela aplicação da fórmula e valores aprovados na assembleia geral de 27.03.2004, considerando a licença de loteamento aprovada, a que se refere o edital nº 03/DAU-GRAGI/2010 de 30.07.2010, da Câmara Municipal de Palmela.
” 4. Na verdade, o Executado tem prevista a atribuição de cinco lotes (e não de apenas um) com os números …3, …4, …5, …6 e …7 (e não o número …) e uma área total de 4.762,00 (e não 744,00) — tudo ao contrário do que se lê no ponto 9 do saneador-sentença.
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O Apelante requereu na sua oposição diligências e prova documental a carrear para os autos, requerimento que não foi alvo de qualquer decisão, em clara omissão de pronúncia, o que impediu uma decisão justa sobre o mérito da oposição.
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Os meios de prova requeridos e ignorados incluíam: a) que fosse oficiada a Câmara Municipal de Palmela para que viesse aos autos declarar qual o valor das taxas municipais aplicáveis aos futuros lotes — requerimento que o Meritíssimo Juiz a quo pura e simplesmente ignorou e que o saneador-sentença nem sequer menciona; b) que a Exequente juntasse os relatórios de administração e as respectivas contas anuais, bem como as certificações relativas aos anos de 2004 a 2015.
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Não tendo existido qualquer decisão sobre esses requerimentos, verifica-se nulidade da sentença, nos termos da al. d) do nº 1 do art. 615º CPC.
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O saneador-sentença ignorou também a existência nos autos de factos invocados pelo Opoente, que necessitavam de ser analisados e seriam objecto de prova em audiência de discussão e julgamento e que poderiam determinar uma diversa decisão do mérito da causa.
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Tais factos prendem-se maioritariamente com a invocada excepção de não cumprimento pela comissão de administração da AUGI de P… R….
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São os seguintes os factos trazidos ao processo na oposição do Apelante e ignorados na decisão recorrida: a) a comissão de administração da AUGI do P… R… “não fez esgotos, arruamentos nem terraplanagens” (v. art. 46º da oposição); b) Vinte anos depois de comprar os prédios rústicos, o opoente vê os seus terrenos “EXACTAMENTE NAS MESMAS CONDIÇÕES EM QUE SE ENCONTRAVAM EM 1996” (v. art. 48º da oposição); c) “Os prédios do Executado continuam a não ter arruamentos, nem água, nem esgotos, nem electricidade... Nem alvará de loteamento!” (art. 49º da mesma oposição); d) O Executado gastou 92.233,52 EUR e as suas propriedades não se encontram loteadas, não existe qualquer licença de construção para cada um dos lotes, e não só não se valorizaram fruto de uma suposta reconversão urbanística como valem hoje uma ínfima parte do que por elas pagou” (v. art. 50º da oposição); e) O suposto título executivo refere expressamente que os Executados “têm previstas a atribuição de 5 lotes” (...). Ora, uma previsão não é uma reconversão. E só existe obrigação de pagar os custos de reconversão quando há já, efectivamente, um alvará e uma efectiva reconversão; f) Esta “previsão” de reconversão já dura há 16 anos (agora 18) – cfr. art. 59º da oposição; g) Desde a assembleia de 27 de Março de 2004, cuja acta serve de título à execução subjacente ao presente recurso, apenas se realizou uma outra assembleia de comproprietários, em Junho de 2006 (v. art. 61º da Oposição); h) A Exequente não prestou quaisquer informações sobre a não emissão do alvará de loteamento, nem sobre as diversas alterações ao desenho urbano, nem sobre a falta de realização de quaisquer obras de urbanização (v. arts. 62º e 63º da Oposição); i) Por carta de Janeiro de 2009 (junta pelo Opoente como Doc. nº 2), a Exequente comunicava nova alteração ao projecto de loteamento, que alterava as áreas dos lotes e previa que o respectivo alvará seria emitido em Junho de 2009 (v. arts. 64º a 67º da oposição) reconhecendo, assim, duas coisas: que não havia alvará e que a acta de 2004, que serviu de título executivo, era anterior às alterações de áreas dos lotes — ao contrário do que afirma o saneador-sentença; j) O Apelante juntou também à sua oposição uma carta da comissão de administração da AUGI de P… R… (Doc. nº 3) contendo um plano de acção a desenvolver até 2013, que incluía fazer a divisão de coisa comum, transformando os avos em lotes, ligar a energia eléctrica, concluir as obras de infra-estruturas até 2011. Nada disso foi concretizado, como o Opoente alegou e tinha o direito de provar no processo de embargos (v. arts. 68º a 70º da oposição); k) Os comproprietários não conseguem falar com os membros da comissão de administração da AUGI, cujos telefones se encontram um desactivado e o outro desligado (art. 83º e 84º da oposição); l) A Câmara Municipal de Palmela informou o Apelante, por escrito, que “continua a aguardar que a Comissão de Administração da AUGI tome a iniciativa de retomar o processo de conversão” ou seja, que este se encontra parado (v. art. 86º); m) A maioria das chamadas despesas de reconversão correspondem a obras de infraestruturas que não foram realizadas: terraplanagens, empreitadas de construção de estradas, rotundas e demais arruamentos e passeios, rede de esgotos domésticos e pluviais, rede de águas, rede eléctrica de distribuição e de iluminação pública, rede de telecomunicações (v. art. 90º a 92º da oposição).
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Os factos acima elencados são controvertidos e devem ser sujeitos a julgamento, pelo que deve ser anulada a decisão recorrida que ignorou os mesmos factos, devendo o processo baixar à primeira instância para ser proferido despacho saneador, prosseguindo os autos para julgamento.
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Quanto ao Direito aplicável, considerou a decisão recorrida que a questão essencial a decidir consistia em determinar a validade da acta da assembleia de comproprietários da AUGI como título executivo.
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A decisão considerou não resultar dos autos que a aprovação da operação de loteamento tenha ficado sujeita a qualquer condicionamento, nomeadamente a alterações ao projecto apresentado no ano 2000. Isto porque a operação de loteamento fora aprovada e sujeita a duas alterações e só depois da última delas teria sido efectuado o cálculo dos custos de reconversão.
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Ainda que isso seja verdade, o que não é certo nem foi especificamente alegado pela Exequente, esse facto não é decisivo para apreciar a exequibilidade da acta enquanto título executivo.
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O que resulta inequivocamente da Lei é que só com a emissão do Alvará de loteamento existe a obrigação de comparticipar nas despesas de...
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