Acórdão nº 282/16.6T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelEMÍLIA RAMOS COSTA
Data da Resolução12 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório A… (A.) veio, nos termos dos arts. 99.º, n.º 1 e 101.º, ambos do Código de Processo do Trabalho, participar acidente de trabalho contra a seguradora Companhia de Seguros ….

(R.), solicitando que o acidente que sofreu seja declarado como acidente de trabalho, que seja encontrado o grau de incapacidade e indemnizado de todos os danos sofridos.

Para o efeito alegou, em síntese, ter sofrido acidente de viação, quando conduzia a sua viatura automóvel, no dia 13-08-2013, cercas das 18h00, na EN. 270 ao Km 36.5, no Sítio de Apra, Concelho de Loulé, quando se deslocava do trabalho para a sua residência, sendo que o local onde ocorreu o sinistro fica no trajecto que se situa entre o local de trabalho e a sua residência.

Mais alegou que, à data, a sua entidade patronal era a Transportadora … e que o sinistrado exercia a profissão de motorista de pesados, sendo que a sua entidade patronal tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a Companhia de Seguros ...

Alegou, por fim, que sofreu lesões graves e que o acidente foi participado pela entidade empregadora à seguradora, apesar de esta nunca ter participado o sinistro ao tribunal respectivo e nunca lhe ter pago qualquer prestação, uma vez que não aceitou a caracterização do acidente como de trabalho ou o nexo causal entre o acidente e as lesões.

…Em 16-12-2016, foi realizado exame médico ao A., no Gabinete Médico-Legal de Faro, tendo-lhe sido atribuída uma ITA entre 13-08-2013 e 31-12-2013 e, após a alta, uma IPP de 2%.

…Realizada a tentativa de conciliação, não foi possível conciliar as partes, não concordando o A. nem com a ITA, nem com a IPP que lhe foi atribuída, e não reconhecendo a R. a existência e caracterização do acidente como de trabalho, não aceitando a responsabilidade emergente do sinistro, nem o resultado da perícia médica, por não aceitar o acidente como sendo de trabalho.

…Na PI que apesentou, o A. alegou o que já havia alegado, acrescentando ainda, em síntese, que o local onde ocorreu o despiste fica situado no trajecto normalmente utilizado pelo A. no seu regresso a casa após o período de trabalho, sendo que no dia do acidente saiu do local de trabalho por volta das 17h40, tendo terminado a sua jornada de trabalho às 17h30.

Alegou ainda que a R. não lhe pagou as despesas que efectuou para realização de consultas e exames de diagnóstico clínico em consequência do acidente.

Terminou pedindo que fosse declarado que o acidente dos autos é um acidente de trabalho e que, em consequência, fosse a R. condenada a pagar ao A.: - a pensão anual e vitalícia remível que lhe for devida a partir de 31-12-2013; - o montante de €5.682,05 a título de ITA desde 13-08-2013 a 30-09-2014; - o montante de €312,80 relativo a despesas com deslocações para exames e diagnósticos clínicos e idas a tribunais obrigatórias; - juros de mora, vencidos e vincendos sobre a quantia em dívida, à taxa legal, e até integral pagamento; - custas e procuradoria condigna e demais encargos até final.

…A R. apresentou contestação, pedindo, a final, que a acção fosse julgada improcedente, devendo ser absolvida do pedido, com as consequências legais.

Em síntese, alegou que não aceita qualquer responsabilidade pela reparação das consequências do acidente, em virtude de este não poder ser caracterizado como acidente de trabalho, visto que, no dia em questão, o A. terminou o seu período de trabalho pelas 17h00 e saiu das instalações da empresa cerca das 17h15, tendo, nessa altura, se dirigido a Loulé, às instalações da empresa M…, Lda, sitas na …, para falar com um amigo que aí trabalhava, onde permaneceu cerca de 20 minutos, altura em que iniciou a deslocação, conduzindo o seu veículo automóvel, para São Brás de Alportel, onde pretendia depositar dinheiro numa caixa automática de uma dependência bancária nessa localidade, e foi nessa deslocação que o referido veículo se despistou, cerca das 18h00, invadindo a berma direita da faixa de rodagem e embatendo numa ponte aí existente, resultando, desse embate, as lesões sofridas pelo A..

Alegou, por fim, que atendendo à hora a que ocorreu o acidente de viação, à actividade desenvolvida pelo sinistrado na hora que o antecedeu e ao propósito da sua deslocação, não pode esse acidente ser caracterizado como acidente de trabalho, quer por não ter ocorrido no tempo e lugar do trabalho, quer por não ter ocorrido no trajecto entre o seu local de trabalho e a sua residência, quer porque o sinistrado nem sequer se dirigia para a sua residência e nem provinha do seu local de trabalho.

…O A. foi inicialmente convidado a aperfeiçoar a sua PI, de forma a descrever qual o percurso habitual que fazia de casa para o trabalho e do trabalho para casa, bem como as razões do percurso que fez no dia do acidente, e ainda para concretizar os dias em que realizou consultas e exames de diagnóstico clínico, bem como o número de quilómetros de ida e volta e locais onde os realizou, tendo na primeira PI que apresentou narrado o segundo dos apectos solicitados, pelo que foi novamente convidado a descrever o primeiro dos aspectos, o que veio a fazer na segunda PI aperfeiçoada que apresentou. Nesta última PI. o A. alegou ainda ter feito um pequeno desvio ao trajecto normal por determinação da entidade patronal.

…A R. impugnou ambas as PI aperfeiçoadas, mais alegando que os factos apresentados na última PI, por serem factos inteiramente novos, não podiam ser admitidos.

…Proferido despacho saneador, foi rejeitada a admissão dos factos novos constantes da última PI apresentada, foi discriminada a factualidade assente, bem como a base instrutória controvertida, tendo sido determinado que o valor da causa seria fixado a final.

…Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi dada resposta em 23-11-2018 à matéria de facto e em 21-12-2018 foi proferida sentença, com a decisão seguinte: Nestes termos e por tudo o exposto, julga-se improcedente a presente acção e, em consequência, absolve-se a R.

Companhia de Seguros … de tudo o peticionado.

Fixa-se o valor da causa em € 5.000,01.

Sem custas.

…Não se conformando com a sentença, veio o A. interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem: A.

O douto Tribunal ad quo decidiu pela não qualificação do acidente ocorrido no dia 13 de Agosto de 2013, na Estrada Nacional N." 270, pelas 18:00h, ao Km 36,5, no Sítio de Apra, freguesia de S. Clemente, concelho de Loulé, sofrido pelo ora Recorrente, como acidente de trabalho in itinere, alegando, para tanto e em síntese, que, atendendo ao facto de o Recorrente haver interrompido o seu percurso por cerca de 20 minutos para conversar com um amigo, não poderia ser-lhe atribuída tal qualificação.

B.

Sucede que, ao decidir neste sentido, cometeu o tribunal de que ora se recorre, salvo o devido respeito e melhor opinião, um verdadeiro erro de julgamento, consubstanciado numa deficiente aplicação do Direito aos factos dados como provados.

C.

Violou, assim, o tribunal ad quo, o disposto no artigo 9° da Lei n° 98/2009, de 04 de Setembro, pela sua incorrecta interpretação e consequente não aplicação aos factos dados como provados, como, salvo melhor entendimento, se impunha.

D.

Na verdade, da análise da factualidade dada como assente, retira-se que o ora Recorrente era trabalhador da empresa Transportadora …, prestando serviços de motorista profissional de automóveis pesados de mercadorias, e que, na data e hora do acidente, se encontrava em deslocação para casa, vindo do local de trabalho, utilizando um trajecto habitual.

E.

Ficou, igualmente, provado, que o Recorrente, à data do acidente, havia saído mais cedo do local de trabalho (cerca das 17:15h) e que o acidente ocorreu cerca de 45 minutos depois, não se tendo esgotado, ainda, o período de tempo habitualmente gasto por si na viagem trabalho-casa/casa-trabalho (50/55 minutos).

F.

Por outro lado, deu o tribunal como assente que o Recorrente, antes da ocorrência do acidente em causa, havia interrompido o percurso que tomava até casa, durante 20 minutos, para conversar com um amigo.

G.

Ora, atendendo a tal interrupção no percurso, entendeu o mesmo tribunal que não se aplicaria, ao caso dos autos, a extensão do conceito de acidente de trabalho plasmada no artigo 9.° da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, por, em suma, ter considerado que a mesma não consubstanciava a satisfação de uma necessidade atendível do trabalhador ora Recorrente.

H.

Não concordando com tal veredicto, apresenta o Apelante o presente recurso, no qual apresenta as razões da sua discordância, que se poderão sintetizar como segue: I.

Estipula o artigo 9°, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do referido diploma que se consideram acidentes de trabalho in itinere aqueles que sucedam no percurso de ida para o local de trabalho ou no regresso deste e que se verifiquem nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador.

J.

Destarte, a lei prevê dois requisitos cumulativos para que um acidente de trabalho in itinere possa caracterizar-se como tal: o requisito do trajecto normalmente utilizado e o requisito do tempo habitualmente gasto.

K.

Prima facie, da factualidade dada como assente resulta, como bem conclui o douto tribunal ad quo, que o caminho percorrido pelo Recorrente na data do acidente, se afigura como um trajecto normal utilizado pelo mesmo, em alternativa a um outro, sendo que despendia, tanto num como noutro, aproximadamente o mesmo período temporal.

L.

Assim, o percurso que o Recorrente levava na data do acidente era, de acordo com a douta sentença, um dos dois percursos alternativos de que dispunha para se deslocar das instalações da empregadora até à sua casa e, bem assim, desta última àquelas primeiras.

M.

O douto tribunal recorrido entendeu, porém, que o facto de o trabalhador Recorrente ter parado para conversar com um amigo, durante 20 minutos (que acabaria, na sua...

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