Acórdão nº 564/13.9TBSLV-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução12 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 564/13.9TBSLV-C.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I – RELATÓRIO 1.

BB, Ld.ª, foi declarada insolvente por sentença proferida em 31.05.2013, transitada em julgado, na qual foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno.

Foi realizada assembleia de apreciação do relatório e, tendo sido requerida a qualificação da insolvência como culposa, o Sr. Administrador da Insolvência veio apresentar o seu parecer propondo que seja por esta qualificação afectado o sócio-gerente CC, tendo o Ministério Público emitido parecer no mesmo sentido.

  1. Ordenada a notificação da Insolvente e a citação do indicado sócio-gerente, por este foi deduzida oposição, invocando a extemporaneidade do parecer do Sr. Administrador da Insolvência e da conexa promoção do Ministério Público e, em suma, aduzindo que a sociedade insolvente não foi sujeita a qualquer inspecção tributária, não podendo o Administrador de Insolvência com base apenas no relatório de inspecção às contas da sociedade “DD Lda.”, de que o oponente é também gerente, concluir que estamos perante situações idênticas, sem indicar qualquer fundamento factual, relativo à sociedade insolvente que permitisse aferir dessa similitude.

  2. A credora reclamante EE, CRL, apresentou resposta à oposição, aduzindo, em síntese, que houve uma actuação dolosa por parte da administração da insolvente ao criar um passivo que ultrapassa largamente o activo real e ao dispor dos bens e dos activos, nomeadamente a capacidade de crédito da devedora em proveito de terceiros (L…, Lda), causando prejuízos aos seus credores, e concluindo que deverá a insolvência ser declarada culposa, devendo ser afectado pela qualificação o oponente CC, conforme propôs o Sr. Administrador da Insolvência.

  3. Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador e julgada improcedente a excepção deduzida por CC a respeito da extemporaneidade dos pareceres, tendo sido fixado o objecto do litígio e elencados os temas de prova.

  4. Realizada audiência de discussão e julgamento, em 22 de Fevereiro de 2019 foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 189º, n.ºs 1, 2 e 4, do CIRE, o tribunal qualifica como culposa a insolvência de BB, Lda., pessoa colectiva n.º …, com sede no Parque industrial …, Pavilhão …, Alcantarilha, 8365-… Silves, e, em consequência: a) Declara afectado pela qualificação CC; b) Declara CC inibido, pelo período de 3 (três) anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; c) Determina a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por CC; d) Condena CC a indemnizar os credores da sociedade BB, Lda no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património, a efectuar em liquidação de sentença».

  5. Inconformado, o Requerido interpôs “recurso de revista”, finalizando a sua minuta recursória com as seguintes conclusões: «01 - O Tribunal recorrido andou mal ao ter qualificado a insolvência de que este incidente é apenso como culposa porquanto os factos dados como provados não consentem que se tenham por preenchidos os requisitos previstos no CIRE (mormente o n.º 1 do artigo 186.º do CIRE e alíneas b), d) e) e h) no n.º 2 do mesmo artigo que a Sentença recorrida convocou).

    02 - Divisam-se quatro requisitos cumulativos que, conquanto haja respaldo nos factos provados, determinam a qualificação da insolvência como culposa: 1) conduta do devedor ou dos seus administradores, de facto ou de direito; 2) que essa conduta tenha criado ou agravado a situação de insolvência; 3) que essa conduta tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo que conduziu à insolvência; 4) e que essa mesma conduta seja dolosa ou praticada com culpa grave.

    03 - Relativamente ao requisito cronológico (constante do n.º 1 do artigo 186º do CIRE) resulta do facto n.º 2 do probatório que a Insolvente apresentou o respectivo pedido em 10/05/2013 – pelo que para efeitos de qualificação da insolvência importam os factos jurídicos culposos que conduziram ou agravaram a situação de insolvência que hajam sido praticados entre 10/05/2010 e 10/05/2013.

    04 - No caso dos autos não resultou provada qualquer actuação potenciadora da insolvência e praticada pelo Recorrente durante tal período temporal (eventualmente apenas, mas sem conceder, quanto à alínea h) do nº 2 do art 186º, a que adiante nos referiremos). Vejamos: 05 - Relativamente ao facto 8 não se sabe quando é que as chapas de identificação foram alteradas (apenas se sabe que tal suposta adulteração foi detectada na diligência de apreensão, ocorrida em 24/09/2013, cf. doc. 1 do Parecer do Administrador de Insolvência e respectivos art.ºs 3º e 19º, i.e., após o período relevante para o objecto dos autos).

    06 - No que contende com o facto 9 e 12 (e salientando-se que a insolvente aí referida não é a BB, mas a DD, tal como resulta do parecer do Administrador de Insolvência) não se afirma quando é que a Autoridade Tributária considera que essa DD perpetrou o “mecanismo” lá descrito.

    07 - Do facto 12 ressalta ainda não se ter situado temporalmente quando é as máquinas não foram entregues à BB ou quando é que “posteriormente” terão sido transmitidas.

    08 - Dos “factos” (com aspas porque não se tratam e verdadeiros factos, mas meros juízos de valor ou conclusivos) 14 a 17 nada é referido sobre o momento em que terá o Recorrente viciado a contabilidade.

    09 - Por outro lado, a Decisão recorrida, ainda que timidamente, parece apontar para uma conduta – não provada – de que tenha resultado uma ocultação ou disposição dos bens quando afirma (p. 10 e 18 da Sentença) não saber o que aconteceu aos equipamentos. Ora, se não se sabe o que sucedeu, igualmente não se sabe quando é que tais actos putativos actos terão sido praticados, tanto mais quanto resulta do facto 12 in fine que a suposta falta de coincidência do equipamento foi detectada na diligência de apreensão de bens ocorrida em 24 de Setembro de 2013 – pelo que não se pode concluir que tenham ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo.

    10 - É ao interessado na qualificação da insolvência e na afectação que cabe o ónus da prova dos respectivos requisitos, nomeadamente no que contende com o período temporal relevante e com os factos-índice previstos naquela disposição legal (art.º 342º, nº 1, do Código Civil).

    11 - Observa-se pois um non liquet probatório relativamente à condição de punibilidade cronológica em presença, o que só pode significar que a Sentença a quo andou mal ao qualificar a insolvência como culposa, por incorrecta aplicação do n.º 1 do artigo 186.º do CIRE.

    12 - Como assim é, afastada esta condição primeira e essencial para o preenchimento do “tipo” da qualificação da culposa, dever-se-á concluir, sem necessidade de ulteriores indagações sobre o preenchimento dos demais requisitos, pelo erro de subsunção jurídica levada a cabo pela Sentença recorrida e que ora confiadamente se espera seja corrigido. SEM PRESCINDIR 13 - Os factos adquiridos para o processo não permitem preencher as hipóteses previstas nos “facto índice” tipificados na alínea b), d) e) e h) do n.º 2 do artigo 186º do CIRE.

    14 - A alínea b) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, comporta vários pressupostos (a celebração de negócios ruinosos que causem ou agravem artificialmente passivos ou prejuízos ou a redução de lucros e o benefício do gerente ou de pessoa com ele especialmente relacionada) que constituem cláusulas abertas, não densificados, que impõem que do circunstancialismo fáctico provado resulte que o negócio “ruinoso” seja a causa adequada da produção ou do agravamento da situação de insolvência.

    15 - Todavia, não resulta minimamente provado que os ditos leasings e o financiamento contraído se subsumam a negócio ruinoso dolosamente celebrado, desde logo porque não se demonstrou que a BB não tenha recebido em locação bens de valor consentâneo com tais créditos, até porque não se apurou se os bens existentes nas instalações da empresa na diligência de apreensão eram, ou não, os mesmos que tinham sido objecto de locação.

    16 - Para além dessa falta de prova, e tendo em conta os juízos de normalidade do acontecer e da experiência da vida comum, temos por certo que as entidades financiadoras não deixariam de avaliar bens que adquiriam por valores consideráveis – pelo que nada permite concluir (antes o seu contrário) que, à data da celebração dos contratos de locação financeira tal crédito tivesse sido ruinoso.

    17 - No limite, o que se extrai do probatório – o que não se aceita ser verdade, mas que resulta da interpretação que o Tribunal recorrido fez da prova – é que, aquando da diligência de 24/09/2013, tais bens não estariam nas instalações da Insolvente.

    18 - Inexiste, pois, qualquer fundamento que permita a conclusão jurisdicional de que a conduta narrada no probatório tenha sido prejudicial para a devedora. MAS MAIS 19 - Igualmente não se deu como provado que a devedora, na pessoa do seu gerente, praticou actos com vista a obter vantagens para o próprio ou para pessoas com ele especialmente relacionadas – com o que não se mostra preenchido o requisito (cumulativo) constante da parte final da convocada alínea b) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.

    20 - De todo o modo, mesmo que, por hipótese, tal benefício tivesse ocorrido em favor da vendedora dos equipamentos aos Bancos constata-se que o lastro factual respeitante à L… se circunscreve ao apuramento de que a mesma foi gerida por uma irmã do Recorrente e que a mesma foi TOC da insolvente – o que, por si só, não torna a dita sociedade comercial uma “pessoa especialmente relacionada como devedor” por não se subsumir a nenhuma das alíneas do artigo 49.º do CIRE.

    21 - Pelo que...

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