Acórdão nº 3465/16.5T8ENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | FRANCISCO XAVIER |
Data da Resolução | 10 de Outubro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1.
BB intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 28.751,45, a título de indemnização por danos patrimoniais e morais sofridos danos sofridos pelo A.
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Para tanto, alegou, em síntese, que: - No dia 15/11/2015 conduzia o seu veículo de matrícula …-…-MV na EN 243, na retaguarda de um outro veículo; - Ao km 45.70 daquela via o veículo que seguia na sua frente encetou manobra de ultrapassagem de uma terceira viatura, o que o A. também fez; - Nesse momento o veículo que seguia na sua frente fez uma travagem brusca, em virtude de o R. se encontrar deitado na faixa de rodagem em que circulavam; - Nessa sequência, o A. fez também uma travagem e procurou desviar a sua viatura, mas não conseguiu evitar o embate no R.; - O acidente causou ao A. enorme stress, sentiu-se mal e sofreu enfarte agudo do miocárdio, tendo necessitado de internamento e tratamento hospitalar, pelo que lhe foram apresentados para pagamentos o valor global de € 3.283,22; - Na sequência do enfarte sofrido o A. permaneceu sem trabalhar, vendo o seu rendimento diminuído; - Passou a viver medicado e está debilitado na sua saúde; - Após o embate o A. sofreu medo e angústia, sentindo que ia morrer e, após, o diagnóstico permanece com receio permanente de recidiva.
Peticiona, além dos valores cujo pagamento lhe foi exigido, bem como o que deixou de receber, uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 25.000,00.
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Citado o R., apresentou contestação, impugnando a conduta que lhe vem imputada pelo A. na petição inicial, bem como os danos invocados e, ainda, o nexo de causalidade entre qualquer conduta do R. e eventuais danos.
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Foi realizada audiência prévia, conforme consta da respectiva acta a fls. 63 e ss., em que se proferiu despacho saneador, fixou valor à causa, delimitou-se o objecto do litígio e fixaram-se os temas da prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, que decorreu com observância do formalismo legal, veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência condenar o R. CC, a pagar ao A. as seguintes quantias: a) O valor de € 3.283,22 (três mil duzentos e oitenta e três euros e vinte e dois cêntimos); b) O valor que vier a apurar-se em sede de execução de sentença, com o limite de € 468,23 (quatrocentos e sessenta e oito euros e vinte e três cêntimos), pelo vencimento que deixou de auferir no período compreendido entre 15/11/2015 e 31/12/2015; c) O valor de € 10.000,00 (dez mil euros a título de danos não patrimoniais); absolvendo-se o R. do demais peticionado.
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Inconformado recorreu o R. pedindo a revogação da sentença e a sua absolvição do pedido, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]: 1.ª Vem o presente Recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial do Entroncamento, em 7 de Junho de 2018, a qual decidiu julgar acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar o Réu (ora Recorrente) a pagar ao Autor as seguintes quantias: a) o valor de € 3.283,22 (três mil duzentos e oitenta e três euros e vinte e dois cêntimos) a título de danos patrimoniais; b) o valor que vier a apurar-se em sede de execução de sentença, com o limite de € 468,23 (quatrocentos e sessenta e oito euros e vinte e três cêntimos), pelo vencimento que deixou de auferir no período compreendido entre 15/11/2015 e 31/12/2015; c) o valor de € 10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais.
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Atento o quadro traçado pela douta sentença não se pretende nesta sede colocar em causa que estão verificados grosso modo os requisitos da responsabilidade civil.
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De facto, estamos cientes da prática de um facto voluntário pelo aqui Recorrente, da sua ilicitude e da sua imputação a título de culpa, sendo de afastar uma actuação dolosa, mas apenas negligente por ter violado deveres gerais de cuidado.
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Ainda assim, para completar o elenco dos pressupostos da responsabilidade civil é necessária a demonstração do nexo causal entre a culpa e o dano, isto é, que a violação de determinado normativo constituiu causa do dano.
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E o mesmo inexiste no caso em apreço.
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Pelo que, a distonia que o Recorrente pretende demonstrar relativamente à sentença em análise prende-se com assunção que foi feita pelo douto Tribunal quanto ao preenchimento de um dos pressupostos da responsabilidade civil – o nexo de causalidade.
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Entendeu o douto Tribunal que “pela tese da causalidade adequada na sua formulação negativa é, ainda, possível imputar os danos que se deram como demonstrados ao embate e stress sofrido pelo A. na sequência desse embate.” 8.ª Todavia, o aqui Recorrente tem que perfilhar entendimento contrário ao sufragado pela douta decisão judicial, considerando não existir qualquer nexo de causalidade entre o acidente e viação e o enfarte agudo de miocárdio sofrido pelo Autor, uma vez que o estado de saúde e hábitos de vida adoptados pelo Autor foram determinantes para a produção de tal resultado.
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É de notar que no Relatório do Exame médico-legal realizado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal – Delegação do Sul se menciona claramente que o enfarte agudo de miocárdio pode ter origem em diversos factores e que o Autor reúne alguns desses factores.
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Ademais, à pergunta se o autor sofria de alguma condição susceptível de provocar um enfarte do miocárdio, o Instituto de Medicina Legal foi peremptório na resposta.
“Sim, tal como já referido: hábitos tabágicos, hipertensão arterial, obesidade e sedentarismo.” 11.ª Por isso, não obstante a informação de que o enfarte do miocárdio sofrido pelo Autor foi após o embate, o referido Relatório pericial não logrou estabelecer um nexo de causalidade entre o stress e tal acidente cardiovascular, antes fez a ressalva de que foi um contributivo entre os demais, o que não dia ter sido ignorado pelo douto Tribunal.
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Ora, quando se juntam dois ou mais factores de risco, a probabilidade de vir a sofrer de um enfarte agudo do miocárdio aumenta exponencialmente. Portanto, não fosse a predisposição do aqui Autor ao sofrimento de tal acidente cardiovascular que, poderíamos afirmar como elevado grau de certeza, nada teria sucedido.
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Pelo que, tendo em consideração o historial clinico e estado físico do Autor revelado pelo Relatório Médico Pericial não podemos afirmar com certeza que existe nexo de causalidade entre o acidente de viação e o enfarte de miocárdio sofrido pelo Autor.
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É óbvia a conclusão que um acidente de viação envolve uma situação de stress, de susto, de desconforto, mas é algo que é inerente ao próprio exercício da condução, que é uma actividade de risco.
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Assim sendo, falece em absoluto o entendimento perfilhado de que o Autor apenas teve o enfarte agudo do miocárdio devido ao acidente com o Réu, uma vez que um acidente automóvel – sobretudo com aquelas dimensões, que se poderão considerar reduzidas, face às lesões sofridas pelos intervenientes - não constitui uma causa adequada para provocar o enfarte agudo do miocárdio em nenhum dos seus intervenientes.
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E para tal, basta analisar o número de acidentes de viação em Portugal e perceber, claramente, que na esmagadora maioria deles – mesmo nos mais aparatosos -, não existem quaisquer patologias pós-acidente referentes a acidentes cardiovasculares.
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Assim sendo, por mais que se reconheça que o embate num peão cause um pico de stress, tal não é condição adequada, apta e idónea para provocar o enfarte agudo do miocárdio, pelo que se mostra prejudicado no caso em apreço a verificação do nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos.
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E, em consequência, é de afastar a obrigação de indemnização imputada ao aqui Recorrente, pela inexistência do nexo causalidade entre o acidente de viação e o enfarte agudo do miocárdio.
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Assim sendo, deverá ser revogado o segmento decisório proferido pelo Tribunal a quo, devendo o Recorrente ser absolvido do pedido formulado pelo Autor.
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Sem prescindir, caso tal esforço recursivo não proceda – o que apenas por mera hipótese de patrocínio se concede – caberá tecer algumas considerações acerca da quantificação dos danos não patrimoniais.
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Ora, a douta sentença condenou o aqui Recorrente a pagar ao Autor a quantia de EUR 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais.
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De todo modo, no modesto entendimento do aqui Recorrente a douta sentença pecou por excesso e o montante apurado revela-se desproporcional não tendo o Tribunal a quo...
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