Acórdão nº 537/10.3TBTVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 31 de Janeiro de 2019
Magistrado Responsável | ANA MARGARIDA LEITE |
Data da Resolução | 31 de Janeiro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1.
Relatório BB e mulher, CC, intentaram, em 06-07-2010, a presente ação de prestação de contas, com processo especial, contra DD, pedindo que seja citada para, em 30 dias, apresentar contas ou contestar a ação, sob pena de não poder deduzir oposição às contas que os autores apresentem.
A justificar o pedido, alegam, em síntese, que José …, pai do autor, faleceu a 02-01-2007 no estado de casado com a ré, deixando como herdeiros legítimos o autor, a ré e um filho menor, EE; acrescentam que a ré assumiu e tem exercido as funções de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do respetivo cônjuge, não tendo prestado contas da administração da herança aos demais interessados.
Citada, a ré contestou a obrigação de prestar contas, deduziu reconvenção contra o autor, pedindo a condenação do reconvindo no pagamento da quantia de € 120 278,41, e invocou a litigância de má fé por parte do autor.
Notificados da contestação, os autores apresentaram articulado no qual restringem a peticionada prestação de contas ao ano de 2008, se pronunciam no sentido da improcedência da reconvenção e invocam a litigância de má fé por parte da ré.
Por despacho de 29-01-2015, foram os autores convidados a suprir a falta de legitimidade ativa por preterição do litisconsórcio necessário – decorrente de terem requerido a prestação de contas desacompanhados do interessado EE, filho do falecido –, sob pena de ser a ré absolvida da instância.
Os autores requereram a intervenção principal provocada de EE.
Por despacho de 06-07-2016, foi rejeitada a reconvenção deduzida pela ré e admitida a requerida intervenção principal provocada, na sequência do que se procedeu à citação do interveniente.
Através de requerimento apresentado a 06-10-2016, a ré arguiu a ineptidão da petição inicial, com fundamento em contradição entre o pedido e a causa de pedir, e o erro na forma do processo, em consequência do que peticionou a respetiva absolvição da instância.
Por despacho de 21-06-2017, foi rejeitado liminarmente o requerido a 06-10-2016, nos termos seguintes: Veio a R. a fls. 278 arguir duas nulidades principais – erro na forma do processo e ineptidão da petição inicial a que se referem respectivamente os artigos 193.1 e 186 CPC – sendo certo que não o havia feito no âmbito da sua contestação a fls. 35.
Prescreve o art. 198.1 CPC que, as nulidades a que se referem o artigo 186º e o nº 1 do artigo 193º só podem ser arguidas até à contestação ou neste articulado. Ao tribunal está vedado conhecê-las oficiosamente se as mesmas se deverem considerar sanadas – art. 196 CPC.
Atenta a natureza especial da forma de processo da prestação de contas, o legislador entende que a apreciação pós-contestação das invocadas nulidades acarreta dificuldades no fluxo da lide que se entende serem compensadas pela prossecução dos termos processuais no estado em que se encontrem com vista a uma decisão final que se avizinha, independentemente de qual venha a ser o sentido da mesma.
Nessa conformidade rejeita-se liminarmente o requerido a fls. 278 pela R.
Custas do incidente anómalo pela R. as quais se fixam em 1 UC – art. 7.4 e tabela II-A do RCP.
Notifique.
No mesmo despacho, foi considerada controvertida a obrigação da ré prestar contas e, por se ter entendido tratar-se de questão não suscetível de decisão sumária, determinou-se que os autos seguissem os termos subsequentes do processo comum.
Realizou-se audiência prévia, na qual foram as partes convidadas ao suprimento de insuficiências e imprecisões na exposição da matéria de facto, na sequência do que apresentaram articulados destinados a completar tal exposição; foi proferido despacho saneador genérico ou tabelar, após o que se identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual se decidiu o seguinte: Em face de todo o exposto, decide-se: - Julgar existente a obrigação de a Ré DD prestar as contas da administração da referida herança, relativas ao ano de 2008; e - Determinar a notificação da Ré para as apresentar dentro de 20 (vinte) dias, após o trânsito em julgado desta decisão, sob pena de lhe não ser permitido contestar as que o Autor apresente - art. 942º, nºs 5 e 6, do NCPC.
Mais Custas a cargo da Ré – art. 527º, nºs 1 e 2, do NCPC.
O valor da acção é, provisoriamente, o indicado por ambas as partes - € 42.362,19 (quarenta e dois mil trezentos e sessenta e dois euros, e dezanove cêntimos) – arts. 298º, nº 4, e 299º, nº 4, do NCPC.
Registe e notifique.
Inconformada, a ré interpôs recurso da sentença, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que a absolva da instância ou do pedido, recurso no qual impugnou igualmente o despacho de 21-06-2017, na parte em que rejeitou liminarmente o requerido a 06-10-2016, defendendo a respetiva revogação e substituição por decisão que a absolva da instância, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem: «i. Relativamente ao despacho com a refª106271581, conclui-se que a exceção de ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir, bem como o erro na forma do processo invocadas, são insanáveis, e são do conhecimento oficioso.
ii. O Tribunal a quo, ao entender de forma diferente, violou os art.os 186º nº2 al. b), nº3, 196º, 578 ex vi 577º al. b), todos do CPC.
iii. A petição inicial é inepta por contradição entre o pedido e a causa de pedir, porquanto o requerente alicerça o seu pedido de apuramento de um saldo num acordo em dividir lucros já apurados de um estabelecimento comercial do ano de 2008; valor esse já previamente determinado e aceite pelo requerente, o qual inclusive declarou para efeitos tributários na sua declaração de IRS.
iv. Ou seja, não é concebível pedir o apuramento de algo que o requerente não só teve conhecimento, como inclusive aceitou.
v. Violou assim o Tribunal recorrido art. 186º nº2 al. b) do CPC.
Por outro lado, vi. existe erro na forma do processo, porquanto o requerente invoca a existência de uma sociedade comercial por quotas, competindo-lhe, como herdeiro, o direito à prestação de contas.
vii. O meio próprio para o efeito é o inquérito social, previsto no art. 1048º do CPC.
viii. Donde, face à impossibilidade de aproveitar a petição inicial, deve ser anulado todo o processado e a requerida, absolvida da instância.
ix. Violou assim o Tribunal recorrido, o art. 193º do CPC.
Subsidiariamente, x. e relativamente à Sentença, a mesma não poderá permanecer na ordem jurídica na medida em que a ação especial de prestação de contas envolve necessária e forçosamente um duplo pedido; em primeiro lugar, um apuramento e aprovação das receitas e das despesas e, em segundo, condenação no pagamento do saldo que daí resultar; xi. A petição inicial não contempla este segundo pedido, donde deriva a sua ineptidão, xii. exceção de conhecimento oficioso xiii. ao não julgar dessa forma, o Tribunal a quo, violou o art. 186º nº2 al. a) do CPC xiv. quanto à substância da questão submetida a juízo, entende a recorrente que a fonte de prestar contas alicerçada pelo requerente, tem origem contratual (ver pontos 6º, 7º e 89º da resposta do recorrido) e cinge-se aos rendimentos do estabelecimento comercial do ano de 2008.
xv. Assim, jamais a ação poderia proceder, por inexistir dúvida fundada que fundamente o pedido.
xvi. tanto porque o requerente aceitou o valor que lhe foi apresentado (o que significa cumprimento desse dever), ao tê-lo declarado à Administração Tributária, quer porque ele é sujeito passivo desse dever de prestar contas, ao ter administrado o estabelecimento comercial.
xvii. Acresce que, o comportamento do requerente ao ter declarado o valor que lhe compete no apuramento contabilístico (1/3) à Administração Tributária é sinónimo, não só se aceitação, como inclusive de renuncia.
xviii. Mas mesma que assim, não se entenda, e se considere que a fonte da obrigação de prestação de contas é legal, atenta a cessão do quinhão hereditário efetuado pelo requerente à requerida previamente à propositura da presente ação, só lhe conferiria o direito à prestação de contas caso, tivesse sido alegado, o que não sucedeu, encargos da herança, pois esse constitui o fundamento para o acesso à informação, ou seja, a suscetibilidade do cedente incorrer em responsabilidade solidária.
xix. Admitir que a requerida tem o dever de prestar contas, para na fase subsequente e uma vez apurado o saldo, se concluir que o requerido nele não quinhoa, atenta a cessão do seu quinhão hereditário a favor da requerida, redundaria num ato inútil, violando-se assim o art. 130º do CPC.
xx. O Tribunal a quo interpretou deficitariamente assim os art.os 573º, 2124º e 2128 do CC e, bem assim, 941º do CPC.» Os autores apresentaram...
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