Acórdão nº 1769/17.9T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO SOUSA E FARO
Data da Resolução28 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACÓRDÃO I- RELATÓRIO 1. BB, A. nos autos à margem identificados, nos quais figura como R.

CC, incapaz e aqui representada pela sua curadora, veio, inconformado com a decisão que decretou a absolvição da instância mercê da ocorrência de uma excepção dilatória inominada, dela recorrer, formulando, na sua apelação, as seguintes conclusões: 1. Por sentença proferida pelo Tribunal a quo, foi julgada procedente a excepção dilatória inominada de inadmissibilidade da acção, e em consequência foi a R. absolvida da instância.

  1. Considerou o Tribunal a quo que, através da presente acção pretendia o A., única a exclusivamente, a rectificação de registos – efeito esse, que inclusive, aproveitaria à R., e que ao não haver interesse da R. em contradizer, deveria o A. recorrer ao processo de rectificação previsto nos artigos 120 e ss. do C.R. Predial.

  2. Salvo o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com o Mmo. Juiz.

  3. Em primeiro lugar, o Recorrente foi notificado para se pronunciar acerca da eventual excepção de incompetência do Tribunal, tendo afinal, o Tribunal a quo julgado verificada a excepção inominada de inadmissibilidade da acção.

  4. Sobre o fundamento da decisão aqui em crise, rectius a excepção de inadmissibilidade da acção não foi o Recorrente notificado para se pronunciar nem sobre a mesma teve oportunidade de exercer o contraditório, em violação do princípio da proibição das decisões surpresa consagrado no art.º 3.º n.º3 do C.P.C.

  5. Pelo que a decisão é nula, nos termos do n.º1 do art.º 195.º do CPC, uma vez que o não cumprimento do contraditório, enquanto omissão da formalidade legalmente imposta de audição da parte, é naturalmente, por si só, susceptível de influir no exame ou decisão da causa.

  6. Vem o Tribunal a quo considerar ainda, apesar de não ter sido esse o fundamento para a decisão que, em todo o caso, deveriam ter sido demandados o credor hipotecário e a Fazenda Nacional, sem cuja demanda ou intervenção, não poderia ser julgado procedente o “cancelamento” das inscrições.

  7. Julgamos, sempre s.m.o., e sem considerações de maior, que para efeitos de obter a declaração de nulidade do registo sob a apresentação 432 não seria necessária a intervenção nem do credor hipotecário nem da Fazenda Nacional, porquanto não são sujeitos na relação material controvertida trazida aos autos.

  8. MAS, Ainda que fosse julgado imprescindível, tal como foi aflorado pelo Tribunal a quo, demandar o credor hipotecário e a Fazenda Nacional, em litisconsórcio, para se obter a declaração de nulidade do registo sob a apresentação 432, deveria o Recorrente ter sido notificado para sanar a falta de tal pressuposto processual, mediante intervenção principal provocada, em cumprimento do preceituado no n.º2 do art.º6 e do art.º 590.º n.º2 al. a), ambos do CPC - o que não sucedeu.

    Adiante, 10. Começa o Tribunal a quo por afirmar que o A. “pretende a correcção do registo predial com fundamento no facto de haver duplicação parcial das descrições o que implica uma situação de incompatibilidade de situações tabulares” 11. Salvo o devido respeito, que é muito, o ora Recorrente não pretende apenas a rectificação ou o cancelamento dos registos, não cabendo ao Tribunal a quo a alteração ou a correcção do que efectivamente se peticionou! 12. Ora, nos termos do art.º 16.º als. b) e e) do Cód. de Registo Predial (doravante CRPr.), são nulos os registos que tiverem sido lavrados com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado e que tiverem sido lavrados sem apresentação prévia ou com violação do trato sucessivo, respectivamente.

  9. Determina o Cod. Registo Predial que os registos inexactos (que enfermam de vícios menos graves que a nulidade) ou os registos indevidamente lavrados devem ser rectificados pelo Conservador, assim que as irregularidades cheguem ao seu conhecimento ou a pedido de qualquer interessado, ao passo que, os registos indevidamente lavrados que sejam nulos nos termos da al. b) do art.º 16, isto é, que tenham sido lavrados com base em títulos insuficientes, podem ser cancelados no processo especial de rectificação, consagrado no art.º 120.º do CRPr., a pedido de qualquer interessado.

  10. Das disposições conjugadas dos artigos 121 n.ºs 1 e 2 podemos tirar algumas ilações: i. Primeira – No processo de rectificação, há lugar ao mero cancelamento de registos. Pois, nos termos do art.º 17.º n.º1 do Cod. Registo Predial, só os Tribunais podem declarar a nulidade do registo, e “A nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado.” ii. Que os registos inexactos ou os registos indevidamente lavrados devem ser rectificados pelo Conservador, iii. Que, os registos que padeçam, especificamente, da nulidade da al.b) do artº 16.º, PODEM ser cancelados pela Conservatória, a pedido de qualquer interessado, consagrando a lei (art.º 17.º) a possibilidade da declaração de nulidade desses registos – a qual só pode ser feita por decisão judicial.

  11. Ou seja, atribui-se aos interessados a faculdade de recorrer ao processo especial de rectificação, não se impondo o recurso a esse mecanismo, pelo que nada obsta que lancem mão da acção judicial de declaração de nulidade do registo a que alude no art.º 17 (nesse sentido, vide Acórdão da Relação de Évora, de 22/03/2018, relator Tomé Ramião).

  12. Ora, na presente acção, o Recorrente peticiona a condenação da Recorrida no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio identificado na petição inicial; que o Tribunal declare que existe uma duplicação parcial de registos sobre o mesmo prédio e que declare a nulidade dos registos efectuados na Conservatória sob as apresentações 432 e 2798.

  13. Se o efeito no processo de rectificação é o cancelamento do registo, in casu, o Recorrente não peticiona o cancelamento dos registos, mas sim a declaração de nulidade – a qual só pode ser declarada por um Tribunal, no processo judicial de declaração de nulidade a que alude o art.º 17.º do C.R.Pr., 18. Para além da declaração de nulidade dos registos, o Recorrente pretende que a Recorrida seja condenada a reconhecer o seu direito de propriedade e esse desiderato não pode ser alcançado, com todo o respeito, na Conservatória.

  14. Também pretende o Recorrente pedir, posteriormente junto das finanças, a anulação do destacamento/desanexação da parcela de terreno e só pode obter esse efeito, mediante uma decisão judicial transitada em julgado, onde se reconheça a sua propriedade sobre esse prédio e a duplicação dos registos e consequente declaração de nulidade.

  15. Em face do exposto, tendo em conta o pedido e a causa de pedir na acção, tal como foi configurada pelo A., ora Recorrente, não estamos perante um mero pedido de rectificação/cancelamento de um registo, estamos, sim, perante um verdadeiro litigio entre A. e R., em que se discutem questões complexas, nomeadamente, o direito de propriedade sobre um prédio e se parte desse prédio foi desanexado e duplicado no registo predial e nas finanças pela R. e se essa parcela corresponde ao bem de que o A. se arroga proprietário, e que a R. registou como seu, onerando-o com garantias a favor de terceiros e, só depois, se peticiona a declaração de nulidade dos registos - o que ultrapassa em muito, a simplicidade de uma questão atinente a um mero vício formal de registo.

  16. Não se trata, portanto, de uma mera irregularidade ou vício de registo que possa ser resolvida através de um processo de rectificação, mediante a análise do título que serviu de base ao registo.

  17. Não pode o Recorrente alcançar, com plenitude, as suas pretensões e os efeitos jurídicos pretendidos, com o mero cancelamento de um registo pela Conservatória, pelo que só através de uma acção judicial pode o Recorrente fazer valer os seus direitos e pretensões.

  18. Nesse sentido, Acórdão da Relação de Évora, de 22/03/2018, relator Tomé Ramião, “1. A competência do Tribunal em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica material ou subjacente tal como é apresentada na petição inicial, isto é, no confronto entre o pedido e a causa de pedir. 2. Decorre da petição inicial que os Autores pedem a declaração de nulidade do registo pedido pelos réus e lavrado na C. R. Predial, por insuficiência de titulo para prova da aquisição, nos termos da alínea b) do art.º 16.º do C. R. Predial, e a condenação destes a entregar-lhes ½ dos prédios referenciados, livres de ónus ou encargos.3. Tendo em conta a causa de pedir e o pedido formulado, trata-se de uma acção...

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