Acórdão nº 747/18.5T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Março de 2019
Magistrado Responsável | PAULA DO PAÇO |
Data da Resolução | 28 de Março de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório M...
(autor/apelado) veio intentar ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra “R...” (ré/apelante).
O tribunal de 1.ª instância julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, declarou ilícito o despedimento, condenando a ré a pagar ao autor a quantia bruta de €5.744,00 (cinco mil, setecentos e quarenta e quatro euros) e a quantia líquida de €1.923,08 (mil, novecentos e vinte e três euros e oito cêntimos), a que acresce o montante cuja fixação foi relegada para incidente de liquidação, onde se apurarão as perdas que o autor suportou com o despedimento e ligadas à data em que encontrou novo emprego remunerado, tudo com o limite máximo de €40.910,68.
Foi fixado o valor da causa em €7.667,08.
Não se conformando com o decidido, veio a ré interpor recurso, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões: «
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Vem o presente Recurso interposto contra a Sentença de fls., que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a R., ora Recorrente, a pagar ao A., “a quantia bruta de € 5.744,00 (cinco mil, setecentos e quarenta e quatro euros) e a quantia líquida de € 1.923,08 (mil, novecentos e vinte e três euros e oito cêntimos), a que acresce o montante cuja fixação se relega para incidente de liquidação, onde se apurarão as perdas que o autor suportou com o despedimento e ligadas à data em que encontrou novo emprego remunerado, tudo com o limite máximo de € 40.910,68”.
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A procedência parcial da ação assenta exclusivamente na fundamentação de Direito explanada na Sentença (capítulo C da mesma), a qual conclui, em resumo, que o conteúdo das mensagens publicadas pelo Recorrido, num grupo da rede social WhatsApp, denominado “Trocas de CMDT FAO”, composto por Comandantes e Pilotos da Recorrente, que operam de e para o Aeroporto de Faro, “não pode servir como meio de prova nestes autos”, sendo que o “direito à prova não é um direito absoluto e o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva na vertente do direito à produção de prova não pode sobrepor-se ao direito à privacidade e reserva da intimidade dos cidadãos”.
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Concluindo a Sentença que: “Não se provando, por isso, qual o teor das mensagens (porque o Tribunal não poderia – sem violar o direito do autor – perpetuar essa violação expondo mais uma vez as mesmas), perde qualquer relevância saber se elas têm a conotação que a ré alega”.
“Por outras palavras, não vai o Tribunal pronunciar-se sobre a questão de saber se o teor das mensagens constitui um motivo substancial para justificar um despedimento”.
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Entende, porém, a ora Recorrente que o Tribunal a quo errou na aplicação do Direito e, nestes termos, deverá a Sentença ser parcialmente revogada e substituída por decisão que, aceitando o teor das mensagens publicadas pelo ora Recorrido, como um dos meios de prova, confirme a justa causa do despedimento, ou melhor, o “fair dismissal” do Recorrido, devido a “gross misconduct”, absolvendo inteiramente a Recorrente de todos os pedidos.
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A Recorrente provou os factos que fundamentaram o despedimento do Recorrido, factos esses, de que teve conhecimento sem violação dos direitos daquele, mas o Tribunal a quo, erradamente, nem sequer apreciou a gravidade da conduta do Recorrido, nem o seu impacto e consequências, designadamente em termos da manutenção da relação laboral.
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O artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 7º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, invocados pela Sentença Recorrida, para sustentarem a sua decisão, não têm cabimento no caso dos autos, sendo certo que a Recorrente não violou tais disposições, nem o mesmo resulta da factualidade provada.
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Não está em causa nos presentes autos o direito de reserva da intimidade da vida privada do Recorrido, que não foi violado, nem o respeito pela sua vida privada e familiar, que não foi beliscado, nem, tão pouco, do seu domicilio ou correspondência. A Recorrente não teve ingerência em quaisquer destes direitos – inquestionáveis – do Recorrido, como resulta da factualidade provada.
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A Recorrente não praticou qualquer ato que consubstancie ingerência na correspondência e comunicações do Recorrido ou violação do respeito devido pela sua privacidade, pelo que não foram beliscadas as disposições constitucionais Irlandesas referidas na Sentença recorrida (nem as Portuguesas, diga-se), que versam sobre esta matéria.
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É preciso distinguir entre o acesso a informações pessoais dos trabalhadores, o que pressupõe uma postura ativa do empregador de ter acesso a informação da qual não é destinatário – o que não aconteceu no caso dos autos – das situações, como se verificam nas redes sociais online, em que as informações estão disponíveis e acessíveis a qualquer interessado e a qualquer pessoa que possa ter acesso às mesmas.
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A Recorrente não teve qualquer papel ativo para ter acesso às mensagens que o Recorrido publicou num grupo da rede social WhatsApp, denominado “Trocas de CMDT FAO”, do qual faziam parte Comandantes e Pilotos da Recorrente, baseados no Aeroporto de Faro, como decorre do ponto 4. da Fundamentação de Facto da Sentença recorrida: “em 17 de Novembro de 2017 chegou ao conhecimento da ré um conjunto de mensagens enviadas num grupo fechado e privado de WhatsApp de que faziam parte comandantes e pilotos trabalhadores da ré que operam de e para o Aeroporto de Faro” K) O mesmo resulta do documento (não impugnado) constante a fls. 12 do Procedimento Disciplinar, que constitui o Doc. nº 1 anexo ao Articulado Motivador do Despedimento, junto aos autos a fls, cuja tradução certificada Portuguesa foi, igualmente, junta aos autos, por requerimento com a ref. 29111614, de 11 de Maio de 2018 (também a fls. 12 dessa tradução).
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Foi o Comandante de Base, B... (CB FAO) – que fazia parte do referido Grupo do WhatsApp, “Trocas de CMDT FAO”, sendo, portanto, um dos destinatários das mensagens do Recorrido – que, tendo ficado preocupado com o conteúdo intimidatório e ameaçador das mensagens em causa, e com o impacto das mesmas no colega co-Piloto visado, as deu a conhecer à sua hierarquia na Recorrente.
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Consciente das suas especiais responsabilidades, enquanto Comandante da Base de Faro, foi este que entendeu que devia dar a conhecer à Recorrente o teor das mensagens postadas pelo Recorrido no grupo do WhatsApp, considerando o respetivo teor, a sua gravidade e efeitos, no bom nome e na carreira do colega de trabalho visado e em toda a organização da Empresa.
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Tal circunstância encontra-se provada pelo documento (aliás, não impugnado), constante a fls. 18 do Procedimento Disciplinar instaurado ao ora Recorrido, que constitui o Doc. nº 1 junto ao Articulado Motivador do Despedimento, junto aos autos a fls, cuja tradução certificada Portuguesa foi, igualmente, junta aos autos, por requerimento com a ref. 29111614, de 11 de Maio de 2018 (também a fls. 18).
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Não houve, pois, intromissão da Recorrente em mensagens de natureza pessoal do Recorrido, como sustenta, com o devido respeito, errada e precipitadamente, a Sentença.
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A Recorrente não teve acesso ao Smartphone ou ao Ipad (ou similar) utilizado pelo Recorrido para o envio das mensagens em apreço, não violou a sua correspondência, nem a sua conta de e-mail, nem leu os seus sms.
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A Recorrente apenas tomou conhecimento das mensagens do Recorrido, porque um dos destinatários das mesmas, B..., atentas as suas especiais responsabilidades de Comandante de Base, entendeu que devia dar conhecimento daquelas à Recorrente, considerando que as mesmas tinham caracter grave, constituindo assédio moral censurável e eram vexatórias e atentatórias da dignidade de com colega de trabalho mais júnior, podendo até comprometer a carreira deste.
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A intervenção de um terceiro – da forma como, no caso, se verificou – torna licito o conhecimento pela Recorrente do teor das mensagens publicadas pelo Recorrido.
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A Recorrente não podia ignorar as mensagens do Recorrido, pelo seu teor e da forma em que foram publicadas, pois tem um dever, como Empregadora, de, por um lado, proteger os seus trabalhadores vitimas de assédio e intimidação e, por outro, assegurar um ambiente de trabalho saudável, onde impere o respeito e a urbanidade entre todos os colaboradores.
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Acresce que a Recorrente é uma companhia de aviação, pelo que a segurança é um tema prioritário e tudo o que possa colocar minimamente em causa a segurança tem de ser devidamente acautelado e objeto de ações concretas.
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A defesa do direito à reserva da vida privada do trabalhador não pode pôr em causa outros direitos do empregador, também eles constitucional e legalmente protegidos, forçando-o a ignorar factos que não tinha como desconhecer, como aconteceu no caso.
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Veja-se que, atualmente, as entidades empregadoras são mesmo obrigadas a instaurar um procedimento disciplinar sempre que recebam uma denúncia de assédio sobre um trabalhador. Foi o que a Recorrente, licitamente, fez! W) Como bem evidencia o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (TRP), de 9 de Agosto de 2014 (Processo nº 101/13.5TTMTS.P1, Juiz Relator Maria José Costa Pinto, in www.dgsi.pt), não é “aceitável que o empregador fique impedido de tomar em consideração os posts publicados num grupo com estas características que cheguem ao seu conhecimento e que revistam – ou possam traduzir – a violação de deveres laborais por parte dos utilizadores relativamente a questões conexas com a prestação de trabalho, sob pena de poder ficar gravemente comprometido o normal funcionamento da empresa, bem como a sua reputação ou a de colaboradores seus”.
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Cumpre sublinhar, ainda, que as mensagens em causa não foram publicadas num grupo de amigos e/ou familiares, onde se trocam mensagens de natureza privada, mas, antes, de num grupo composto exclusivamente por profissionais da Recorrente (Comandantes e Pilotos) e para tratar de assuntos também profissionais (trocas de escalas...
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