Acórdão nº 2603/17.5T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 2603/17.5T8STB.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal Juízo Local Cível de Setúbal - Juiz 2 I. Relatório (…), residente na Praceta (…), n.º 7, (…), intentou a presente ação declarativa, a seguir a forma única do processo comum, contra (…), residente na Rua Dr. (…), n.º 15, Bairro dos Pinheirinhos, Nova Sintra, (…), pedindo fosse reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio sito na Rua Dr. (…), n.º 15, em (…), e o réu condenado a restituí-lo. Alegou para tanto ser o dono do imóvel, por tê-lo adquirido por compra a (…) – (…), Construções e Investimentos, Lda. que, por seu turno, o havia comprado a (…), filho do demandado. Mais alegou que o réu ocupa o imóvel sem qualquer título que o legitime, recusando-se a proceder à respectiva entrega apesar de para tanto ter sido interpelado, o que justifica a presente demanda. * Citado, o R. ofereceu contestação e, defendendo-se por excepção, invocou a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a (…), Lda. e o (…), uma vez que tal negócio visava apenas garantir o reembolso de um empréstimo que em Outubro de 2009 aquela sociedade havia concedido ao contestante, por intercessão do pai dos sócios, à data seu empregador. E quando inesperadamente lhe foi, após o falecimento deste, exigido pelos filhos do falecido a restituição do montante ainda em dívida, recorreu desesperado a empréstimo de terceiros, no âmbito do qual foi celebrado contrato promessa de compra e venda com o autor, enquanto promitente vendedor. O negócio celebrado com a (…) é nulo, nulidade oponível ao adquirente e aqui autor nos termos do art.º 291.º do CC, uma vez que aquela sociedade não poderia ter feito sua a coisa dada em garantia, por a tal obstar o disposto no art.º 694.º do mesmo diploma legal. Mais invocou a excepção do abuso de direito, impeditiva do reconhecimento do direito do autor, a quem acusou de se ter aproveitado da situação precária e de grande necessidade do contestante, requerendo finalmente a condenação daquele como litigante de má-fé por ter omitido de forma deliberada factos relevantes para a decisão, alegando outros cuja falsidade bem conhecia. Convidado a responder às exceções, veio o autor impugnar a factualidade alegada pelo réu em suporte das mesmas, tendo ainda invocado a inoponibilidade em relação a si, atenta a sua qualidade de terceiro de boa-fé, de eventuais vícios que afectassem o negócio celebrado entre a sociedade vendedora e o anterior proprietário. * Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, prosseguindo os autos com delimitação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova[1].

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, na procedência da acção, decretou como segue: - reconheceu o autor como dono e legítimo proprietário do prédio urbano sito na Rua Dr. (…), n.º 15, da freguesia de S. Sebastião, concelho de (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de (…) sob o número (…); - condenou o réu a restituir de imediato o imóvel referido em a), ao autor.

- condenou o autor como litigante de má-fé no pagamento de multa que fixou em 6 unidades de conta.

* Inconformado, apelou o réu e, tendo desenvolvido nas alegações as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: 1.ª. A Sentença perfilha o entendimento de que, tendo o Recorrente invocado a excepção peremptória de nulidade do Contrato de Compra e Venda, devia ter demandado o comprador e o vendedor para que a acção pudesse produzir os seus efeitos quanto a todas as partes. 2.ª Tendo como base o exposto devia o Tribunal “a quo”, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do CPC e de acordo com o ali consagrado princípio da gestão processual, ter convidado o Recorrente a chamar à lide quem nela também devia estar, procedendo à regularização da instância e sanando-se assim a falta do indicado pressuposto processual. 3.ª O não cumprimento daquele dever por parte do Tribunal “a quo”, que se traduz na omissão do acto acima indicado, ou seja, a prolação de um despacho que levasse à regularização da instância, tem como consequência uma nulidade processual e desde logo a nulidade da sentença ora recorrida. 4.ª O Recorrente também não se conforma com o decidido na douta sentença quanto à excepção peremptória de nulidade alegada em sede de contestação pelo Recorrente. 5.ª É entendimento do aqui Recorrente que não só houve uma errada interpretação da aplicabilidade do instituto do pacto comissório e da proibição que o mesmo encerra, previsto no artigo 694.° do Código Civil, como ainda dos factos considerados como provados o Tribunal a quo não retirou as consequências jurídicas que se impunham. 6.ª Considera o Recorrente que no caso dos Autos existiu de facto violação do pacto comissório, pois a Sentença no ponto 7.

dá como facto assente que “o negócio teve como condição que o réu juntamente com o seu agregado familiar, permanecesse a residir no imóvel e que no dia do pagamento total do valor recebido pelo réu o imóvel ficasse desonerado daquele encargo”. 7.ª Face ao exposto, a excepção peremptória invocada devia ter sido considerada procedente e ter sido aplicada a sanção de nulidade prevista no citado artigo, declarando-se nulo o negócio de compra e venda que transferiu a titularidade do prédio. 8.ª A douta sentença recorrida está inquinada de contradições insanáveis na sua fundamentação e entre ela e a decisão, porquanto, em sede de motivação, o Tribunal a quo considera que o aqui Recorrente “ teve de recorrer a empréstimos, além de que, atento o teor dos documentos, as regras da experiência evidenciam-nos claramente que o recurso a este tipo de negócio ocorre em situações em que as pessoas se encontram em dificuldades financeiras e já sem possibilidade de recurso a crédito de outras entidades”; ainda em sede de motivação “ ...o réu continuou a residir no imóvel, ainda que a título de arrendatário, ficando a suas expensas todos os encargos do imóvel (…)”, circunstância que revelava que o negócio firmado entre as partes era temporário e visava financiar o réu; a sentença continua na sua motivação “a convicção do Tribunal resultou da posição das partes vertida nos respectivos articulados e das regras da experiência, que nos permitem concluir que também o negócio celebrado com o autor, cuja similitude com o contrato celebrado entre o Réu e a (…), Lda é evidente, serviu para colmatar a incapacidade do réu cumprir os termos daquele primeiro acordo e recomprar àquela sociedade o prédio, tanto mais que o valor da compra claramente não corresponde ao valor do imóvel pois, por mais degradado que pudesse estar o prédio, dificilmente teria o valor de € 7.500,00”. As razões de facto acima expostas não podem servir de fundamento à decisão acolhida pela sentença recorrida, pois a mesma vai no sentido totalmente oposto aquelas. 9.ª O Tribunal a quo devia ter retirado as consequências jurídicas adequadas àquela motivação e que só poderia ser a procedência da excepção peremptória. 10.ª Quanto à questão da legitimidade da posse pelo Recorrente, o Tribunal considerou que o Réu não é legítimo detentor do prédio, e chegou a esta conclusão depois de considerar que “no caso dos autos, resultou provado que o Réu sempre pagou as despesas de água, luz, gás e todas as despesas inerentes ao prédio exercendo sobre o mesmo os poderes inerentes ao proprietário”. 11.ª Ora, ao contrário, para o Recorrente, ficou assente que ao praticar todos aqueles actos reiteradamente ao longo dos anos e sem ter sofrido qualquer alteração apesar das supostas transferências de propriedade que existiram, o Recorrente não agia como mero detentor. O Recorrente teve sempre e ininterruptamente o poder de facto sobre o imóvel, com o animus de o exercer como titular de um direito real sobre o mesmo, pois nunca pretendeu que o negócio celebrado com a (…) envolvesse uma transferência da propriedade da sua casa de morada de família, mas sim que servisse de instrumento ao empréstimo como garantia. 12.ª O recorrente também não se conforma com o entendimento vertido na sentença sobre a questão apreciada quanto ao abuso de direito. 13.ª Considera o aqui Recorrente que fica demonstrado que o Autor, ao comprar o imóvel à (…) Lda. e, concomitantemente, ao ter celebrado o contrato promessa de compra e venda com o Recorrente, e admitindo o Tribunal “a quo” a similitude dos negócios, a necessidade de dinheiro por parte do Recorrente, o escopo do referido negócio, celebrado para satisfazer as necessidades de dinheiro do Recorrente, e o valor extremamente baixo do valor de venda do imóvel ao aqui Autor, € 7.500,00, fica mais que evidenciado que o negócio defraudou as expectativas do Recorrente, que pretendia apenas que o prédio urbano servisse de garantia ao negócio, e que o Autor se aproveitou das fragilidades do Réu, que pela quantia de € 7.500,00 se vê em risco de ficar privado da casa de morada de família, onde desde há muitos anos e até à presente data reside. Com os transcritos...

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