Acórdão nº 1113/18.8T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCRISTINA DÁ MESQUITA
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1.

O Ministério Público interpôs recurso ordinário da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Local Cível de Setúbal- Juiz I na ação instaurada por aquele contra BB e CC.

A sentença sob recurso julgou improcedente o pedido de declaração de anulabilidade do negócio consubstanciado na escritura pública de justificação de posse outorgada no dia 13 de fevereiro de 2015, no Cartório Notarial de Maria Teresa Morais Carvalho de Oliveira, em Setúbal.

Na sua petição inicial, o Ministério Público alegou que através da justificação de posse realizada mediante a escritura pública supra mencionada a parcela de terreno relativamente à qual os Réus justificaram a respetiva posse foi desanexada de um primitivo prédio inscrito na respetiva matriz sob o art. …, da Secção H, constituído maioritariamente por cultura arvense, localizado a sul do Tejo, concretamente no distrito de Setúbal, onde, nos termos do art. 1.º da Portaria n.º 202/70, de 21/4, a unidade mínima de cultura está fixada em 7,5ha para terrenos de sequeiro e que a desanexação pretendida implica a criação de dois prédios rústicos distintos: um com 2,0700ha referente ao prédio a constituir e outro com 1,0550 ha referente à área remanescente, ou seja, áreas inferiores às estipuladas como unidade mínima na supra referida Portaria. Pelo que a divisão do prédio original, operada pelo negócio jurídico em causa é proibida e anulável, nos termos do disposto no art. 1376.º, n.º 1, do Código Civil.

Os Réus contestaram, alegando, em síntese, que: a) Adquiriram o prédio em causa por sucessão hereditária de seu pai, o qual, por sua vez, o havia adquirido em 1965 por compra verbal; b) Após a aquisição, o seu pai entrou na posse e fruição da referida parcela de terreno, agindo sempre de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, nomeadamente, anexando a referida parcela ao seu prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o número seis mil oitocentos e cinquenta e três, da freguesia de Pinhal Novo, inscrito a parte rústica sob parte do art. … da secção H e a parte urbana sob o ar. 502 da freguesia de Pinhal Novo, usufruindo como tal do referido prédio e suportando os respetivos encargos.

c) Os Réus, e antes o seu pai, têm vindo a exercer a posse efetiva do indicado prédio há mais de 20 anos, de forma pacífica, à vista de todos e sem oposição de quem quer que seja, atuando na convicção de que eram proprietários do mesmo.

d) Os efeitos da usucapião retrotraem à data do início da posse, sendo que o condicionalismo legal da desanexação a que se deve atender é o existente no momento em que se iniciou a posse e à data do início desta última ainda não vigorava a Portaria n.º 202/70, de 21 de abril.

e) A divisão do prédio original de que resultou o prédio justificado operou-se em 1965 não tendo, por isso, violado qualquer dispositivo legal.

f) A usucapião, como forma originária de aquisição, opera mesmo relativamente a parcelas de um prédio ainda que na sua génese tenha estado um fracionamento legal.

Na sentença sob recurso foi declarado que os Réus têm a posse sobre a parcela de terreno que pretendem justificar há mais de 30 anos, tempo suficiente para poderem usucapir o referido bem imóvel; que à data da divisão do terreno ainda não estava em vigor a Portaria n.º 202/70, mas sim a Lei n.º 2116, de 14.08.1962 que embora já proibisse o fracionamento não existia Portaria a fixar a unidade mínima de cultura para o distrito de Setúbal, pelo que o fracionamento sempre seria possível, à data em que o mesmo ocorreu; que, pese embora, em face da dimensão do prédio usucapiado, da sua desanexação resulte um fracionamento proibido pelo art. 1376.º, do CC, a usucapião deverá prevalecer sobre as regras de ordenamento do território.

I.2.

O recorrente formulou alegações que culminam com as seguintes conclusões: «A – O Ministério Público veio pedir a juízo a anulabilidade do ato declarativo titulado na escritura de justificação outorgada pelos Réus no dia 13 de fevereiro de 2015, no Cartório Notarial de Maria Teresa Morais Carvalho de Oliveira, por violação do disposto no artg. 1376º, nº 1 do Código Civil.

B - O julgador concluiu pela validade da escritura de justificação notarial, entendendo que o fracionamento não ocorreu com a celebração da escritura, mas no momento do início da posse, data em que inexistia portaria a fixar a unidade mínima de cultura para o distrito de Setúbal, pese embora vigorasse a Lei nº 2116, de 14.08.1962, que mandava fixar a unidade mínima de cultura.

C - Na hipótese de aplicação da Portaria 202/70, o tribunal recorrido concluiu pela prevalência da usucapião sobre as regras relativas ao fracionamento dos prédios rústicos aptos para a cultura.

D - O Autor discorda de tais posições, porquanto, e desde logo, o fracionamento ocorreu com a escritura notarial de justificação, e não antes, pelo que é aplicável a Portaria nº 202/70, de 21 de abril.

E - A matéria descrita nos Factos não provados é irrelevante, porque conclusiva ou de direito.

F - É no momento em que é outorgada a escritura de justificação que a usucapião se torna conhecida e, por isso, só a partir dessa data é que eventuais prejudicados com o ato de fracionamento violador das regras existentes, e o próprio Estado, podem reagir do mesmo, por terem, a partir de então, acesso a um documento que titula a ilegalidade.

G – Não se divisa a que outro ato, para além do ato da escritura, se refere o artg. 1379º, nº 3 do Código Civil.

H - Antes da escritura não temos um ato celebrado, mas uma divisão material.

I - O prédio …, Secção H sobre o qual a desanexação incide é constituído maioritariamente por cultura arvense, ou seja cultura em regime de sequeiro.

J - Está localizado a sul do Tejo, concretamente no distrito de Setúbal onde, nos termos do artigo 1º da Portaria nº 202/70, de 21 de abril, a unidade mínima de cultura está fixada em 7,5 ha para terrenos de sequeiro.

L – A desanexação pretendida implica a criação de dois prédios rústicos distintos: um com 2,0700 ha, referente ao prédio a constituir pretendido; e outro com 1.0550 ha, referente à área remanescente, ou seja, áreas inferiores às estipuladas como unidade mínima na supra referida portaria.

M – A prolatada sentença reconheceu que o fracionamento/destacamento é proibido nos termos do citado artigo. No entanto, remetendo para a jurisprudência, concluiu pela prevalência da usucapião sobre as regras atinentes ao fracionamento de prédios rústicos aptos para a cultura.

N – Não acompanhamos tal entendimento, desde logo, porque a proibição da divisão de terrenos aptos para a cultura em unidades cuja área seja inferior à unidade de cultura mínima, imposta pelo artg. 1376º do Código Civil, assenta em interesses de natureza pública, na defesa do aproveitamento e viabilidade económica das explorações agrícolas, que afetam toda uma comunidade.

O - No confronto entre interesses, seja a estabilidade e certeza nas relações jurídicas, que subjaz à usucapião, seja o interesse no aproveitamento e viabilidade das explorações agrícolas, deve prevalecer este último, por ser de grau superior, conforme resulta do disposto no artg. 335º, nº 2 do Código Civil, pois envolve e afeta toda a comunidade nacional e não apenas os próprios interessados.

P – O novo regime, resultante da nova redação do artg. 1379º do Código Civil, cominando com a nulidade os atos de fracionamento que não respeitem a unidade mínima de cultura, reflete a visão do legislador no sentido de reforçar a imperatividade da referida norma, na defesa do interesse público.

Q – Proibindo a lei um resultado...

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