Acórdão nº 94/14.1T8VRS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 02 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelTOMÉ RAMIÃO
Data da Resolução02 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora I. Relatório.

BB intentou a presente ação declarativa comum contra CC, ambos com os demais sinais constantes dos autos, pedindo que se declare que a situação de união de facto estabelecida entre autora e réu e iniciada em 1980 cessou a partir de 2009 e se declare que todo o património adquirido durante a vigência dessa união de facto (composto pelo prédio urbano sito na Rua …, em Castro Marim, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …/…) foi feito com economias de ambos os membros da união de facto e que qualquer deles tem direito a metade, condenando-se o réu a entregar à autora metade do valor de tal património.

Alegou, em síntese, que viveu em união de facto com o réu entre 1982 e 2009, a qual cessou por vontade deste, e o mencionado prédio foi adquirido com economias de ambos na constância dessa união.

O réu contestou, alegando, em suma, que o prédio urbano foi apenas adquirido por si com meios próprios e deduziu pedido reconvencional, no qual peticiona que se reconheça o direito de propriedade em exclusivo sobre o prédio urbano, que se condene a autora a entregar a importância de €68.400,00 relativa à utilização do imóvel que vem fazendo desde Março de 2008 e o valor de €600,00 por cada mês de utilização que do mesmo fizer, abstendo-se de praticar atos sobre o prédio sem autorização, nomeadamente não alterando a estrutura do mesmo e mantendo-o na sua forma original A autora apresentou réplica, na qual impugnou os factos, concluindo pela improcedência do pedido reconvencional, e pediu a condenação do réu como litigante de má-fé em multa e indemnização e que se reconheça direito de retenção sobre o prédio urbano para pagamento da quantia correspondente a metade do valor do imóvel.

Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi indeferida a ampliação do pedido e proferido despacho saneador, após o que foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, sem que tenha sido apresentada reclamação.

Realizado o julgamento foi proferida a competente sentença, cujo dispositivo se transcreve.

“A) - julgar a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência: - declaro que autora e réu viveram em situação de união de facto no período compreendido entre 1982 e 2009, situação que cessou nessa data; - declaro que o património adquirido durante a vigência dessa união de facto, correspondente ao prédio urbano, sito na Rua …, nº…, em Castro Marim, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castro Marim sob o nº …/… e inscrito na matriz predial urbana sob o artº … daquela freguesia, foi feito com as economias de ambos os membros da união de facto; - declaro que a autora tem direito a metade do valor desse prédio urbano, na quantia de €130.000,00 (cento e trinta mil euros), deduzida a quantia de Esc. 270.000 (duzentos e setenta mil escudos) atualizada de acordo com os índices de inflação à data do trânsito em julgado da sentença; - condeno o réu a entregar à autora a referida quantia; B) - julgar a reconvenção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência: - declaro que o réu é proprietário do prédio urbano sito na Rua …, nº…, em Castro Marim, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castro Marim sob o nº …/… e inscrito na matriz predial urbana sob o artº… da freguesia de Castro Marim; C)- absolvo autora e réu do demais peticionado na ação e na reconvenção; D)- julgo improcedente, por não provado, o pedido de condenação do réu como litigante de má-fé e, em consequência, absolvo-o deste pedido”.

***Inconformado veio o Réu interpor o presente recurso, concluindo, após alegações, nos seguintes termos:

  1. O presente recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada e da prova documental junta aos autos.

  2. Subsidiariamente e para o caso de não proceder o pedido de recurso relativamente à reapreciação da prova gravada e documental junta aos autos, tem ainda o presente recurso por objeto o pedido de reapreciação da decisão tomada pela Mma Juiz a quo relativamente à matéria de direito, que se impugna, isto é: 1. Que a união de facto constituiu a causa jurídica da contribuição monetária realizada pela Autora.

  1. Que o Réu se encontra obrigado a restituir à Autora o valor com que injustamente se locupletou, de forma a compensá-la do contributo monetário que deu para a reconstrução e ampliação do prédio urbano que ficou a pertencer-lhe.

  2. Que a Autora tem direito a metade do valor do bem imóvel, deduzido o montante pago a título de sinal pelo R, com montante doado pelo pai.

    A.1 Reapreciação da prova gravada e da prova documental junta aos autos: - O Ora Recorrente não se conforma com as respostas dadas aos temas da prova (questões a resolver) n.ºs 3, 5, 7, 13, 20, 2, 23 e 30 dos factos provados e alínea f) dos não provados.

    - As quais aqui se impugnam para todos os efeitos legais, em face da prova testemunhal produzida e gravada e da prova documental junta aos autos cuja reapreciação se requer; - Ao facto provado n.º 3 – Este facto deverá ser considerado não provado.

    - Ao facto provado n.º 5 – Este facto deverá ser considerado não provado.

    - Ao facto provado n.º 7 – Apenas deverá ser considerado provado que viveram em união de facto até 1996.

    - Ao facto provado n.º 13 – Deverá ser considerado provado “apresentando em conjunto algumas declarações de rendimentos nomeadamente as referentes aos anos de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003”.

    - Ao facto provado n.º 20 – Deverá ser considerado provado que a A. não pagou nenhuma prestação dos empréstimos referidos em 18 e 19.

    - Ao facto provado n.º 21 – Este facto deverá ser considerado não provado.

    - Ao facto provado n.º 23 – Este facto deverá ser considerado não provado.

    - Ao facto provado n.º 30 – Deverá ser dado como provado apenas que “os pagamentos bancários contraídos pelo Réu foram efetuados da conta bancária de que este era único titular, domiciliada na Caixa Geral de Depósitos com o n.º …”.

    - Ao facto não provado f) – Este facto deverá ser considerado provado.

    A.2 - Finalmente e subsidiariamente, para o caso de assim não ser entendido, face ao que foi considerado provado em 3 – 5 – 11 – 15 – 16 – 17 – 18 – 19 – 20 – 21 – 23 – 28 e não provados f), isto é, que a A e R viveram em comunhão de mesa, leito e habitação como se de marido e mulher se tratassem, no período entre 1982 e 2009, por último habitando o prédio urbano sito na Rua … em Castro Marim, que durante o período em que a Autora e Réu viveram juntos ambos contribuíram com os rendimentos do seu trabalho para as despesas da vida conjunta, nomeadamente de alimentação, vestuário, médicas e medicamentosas e de habitação.

    A.3. A concluir-se, como o tribunal a quo concluiu, que houve união de facto entre A e R e que ambos contribuíram com os seus rendimentos para a construção e ampliação do imóvel, então, ainda assim deverá a sentença ser alterada, por violação do disposto no artigo 473º do Código Civil (enriquecimento sem causa) entendido este como o direito a ser ressarcido do “quantum” efetivamente disponibilizado pela A. para a construção e ampliação do imóvel), reduzindo-se o montante que o R lhe deverá entregar a título de compensação de enriquecimento sem causa aos montantes que a A. efetivamente comprovou – se não o fez cabia-lhe o ónus de o fazer – em consequência e em conformidade com o supra exposto.

    O DECIDIDO CONTRARIA O DISPOSTO NO ARTIGO 473º DO CÓDIGO CIVIL.

    Reapreciada a prova em conformidade com o exposto e ainda com o douto suprimento de V. Exa., deverá decidir-se julgando provados ou não provados os respetivos factos, conforme supra se enuncia, com a consequente alteração da sentença em conformidade, nomeadamente: - Decidindo-se que A e R não viveram em união de facto após 1996; - Que a vivência que entre ambos existiu não poderá gerar direito a repartição de património, pois que a A. para tal não contribuiu ou contribuiu de forma irrelevante, não consentânea com a decisão de entrega por parte do R. à A. de 50% do valor do imóvel - conf. entre outros Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça nº 372/15.0T8GDM.P1.S1.

    - Que a ter-se gerado direito a repartição de património tal repartição deverá ser reduzida ao valor do quantum efetivamente utilizado pela A. no prédio em questão. ***A Autora contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso e manutenção da sentença.

    O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    ***II. Âmbito do Recurso.

    Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor -, constata-se que as questões essenciais a decidir são as seguintes:

    1. Alteração da matéria de facto no sentido pretendido pelo recorrente.

    2. Direito da autora a metade do valor do imóvel.

    *** III. Fundamentação fáctico-jurídica.

  3. Factos Provados.

    Na decisão recorrida foi considerada a seguinte factualidade.

    1- A autora é divorciada.

    2- O réu é solteiro.

    3- Autora e réu viveram em comunhão de mesa, leito e habitação, como se marido e mulher se tratassem, no período entre 1982 e 2009.

    4- Primeiro habitando em Faro, depois em Vila Real de Santo António, no Bairro do Fundo Fomento de Habitação, em casa arrendada pela autora, local onde esta vive actualmente.

    5- Por último, habitando o prédio urbano, sito na Rua …, em Castro Marim, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castro Marim, sob o nº…/…, inscrito na matriz predial urbana de Castro Marim, sob o artº….

    6- Dessa vivência em comum nasceram dois filhos, José … , nascido em 24.01.1982 e Susana …, nascida em 12.02.1985.

    7- Durante o período referido em 3. autora e réu estiveram separados, por período não concretamente apurado, entre os anos de 1997 e 1999.

    8- Altura em que o réu viveu em Faro, com Maria...

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