Acórdão nº 433/17.3T8EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelFRANCISCO XAVIER
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1.

BB, CC e DD, intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra EE - Sucursal em Portugal, pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia de € 6.373,18 aos AA. acrescida do valor correspondente às prestações mensais vincendas a partir de Fevereiro de 2017, bem como no pagamento ao Banco FF do montante referente ao capital ainda em dívida para liquidação total do contrato de mútuo celebrado, em 13/05/2014, entre GG e o Banco FF.

  1. Para tanto, alegaram, em síntese, que são viúva e filhos de GG, o qual celebrou com o “Banco FF” um contrato de mútuo para aquisição de veículo automóvel e, concomitantemente, associado a tal contrato de mútuo, um contrato de seguro de vida com a R.. Acrescenta que GG faleceu, mas a R. recusa-se a pagar a quantia mutuada.

    Diz ainda que aquando da subscrição do seguro GG declarou estar de boa saúde e não se encontrar sob vigilância médica, o que era verdade, e que a R. não esclareceu o segurado sobre o dever previsto no artigo 24º, n.º 1, do RJCS.

  2. Regularmente citada, a R. apresentou contestação, arguindo a anulabilidade do contrato por prestação de falsas declarações por parte do respectivo tomador, e requereu a intervenção principal provocada do Banco FF, SA. (cf. fls. 47 e ss. dos autos).

    Por despacho exarado a fls. 113 e ss. dos autos foi julgado procedente o incidente de intervenção principal deduzido pela R. e, em consequência, “Banco FF, SA” foi admitido a intervir na causa como associado da R., o qual, citado, deduziu contestação (cfr. fls.121 e ss. dos autos).

  3. Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador e designada data para realização da audiência de julgamento.

    Efectuado o julgamento veio a ser proferida sentença (cf. fls. 208 e segs.), na qual se decidiu julgar a acção procedente, por provada e, em consequência, condenar a R. EE - Sucursal em Portugal, no pagamento, até ao limite de €50.000: 1. Aos autores da quantia de €8.115,78, referente às prestações pelos mesmos liquidadas entre a data do decesso de GG em 08.09.2017, bem como o valor correspondente as prestações que se venceram após tal data cujo pagamento tenha sido efectuado pelos autores; 2. Ao chamado “Banco FF, SA” o valor que, após os pagamentos realizados pelos autores, permanecer em dívida referente ao contrato de mútuo referido em 1. dos factos provados.

  4. Inconformada, interpôs recurso a R.

    , o qual conclui pedindo a revogação da sentença e a sua absolvição do pedido, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]: 1.ª O Tribunal a quo julgou não provado que, “ao subscrever o contrato de seguro GG deliberadamente omitiu que era militar em situação de reserva, que em 2000 teve um enfarte do miocárdio tendo realizado cirurgia de revascularização coronária cardíaca, mantendo medicação adequada” – facto nº 2 da matéria de facto não provada.

    1. No referido facto – entende a apelante – estão em causa dois factos distintos: o primeiro, o facto de, ao subscrever o contrato de seguro em causa nos autos, GG ter omitido, deliberadamente, que era militar em situação de reserva, o segundo, o facto de o mesmo GG ter omitido, deliberadamente, que no ano de 2000 teve um enfarte do miocárdio na sequência do qual foi submetido a uma cirurgia de revascularização coronária cardíaca e que mantinha, à data da subscrição do contrato de seguro, a medicação adequada.

    2. Relativamente à omissão de GG de que à data da subscrição do contrato de seguro se encontrava em situação militar de reserva, do depoimento de Ana M… - Depoimento registado no sistema de gravação digital disponível no Tribunal a quo, com a duração total de 00.00.01 – 00:08.34 – resultou que esta testemunha, médica dentista e também ela militar, entendia que o segurado reformou-se em 2010/2011.

    3. Aliás, a referida testemunha acrescentou mesmo que o segurado “atingiu a carreira e foi para casa”, isto por volta de 2010/2011, altura em que deixou de fazer as provas físicas a que estava obrigado no exército.

    4. Também a testemunha Rui A…, militar - Depoimento registado no sistema de gravação digital disponível no Tribunal a quo, com a duração total de 00.00.01 - 00:04:55 – afirmou que trabalhou com o segurado até à altura em que este se reformou, em 2010/2011.

    5. O mesmo sucedendo relativamente à testemunha Henrique E…, também militar - Depoimento registado no sistema de gravação digital disponível no Tribunal a quo, com a duração total de 00.00.01 – 00:07:13 – afirmou que trabalhou com o segurado “(…) para aí até 2010 ou 2011, que acho que foi nessa altura que ele foi reformado ou pré-reforma”.

    6. Ou seja, dos depoimentos das testemunhas acima citadas, e em particular do depoimento da testemunha Ana M…, resulta que à data da subscrição do contrato de seguro GG já tinha atingido a carreira militar e que ”foi para casa”.

    7. Resulta igualmente que estas testemunhas, todas elas militares de carreira, compreendiam que a situação em que GG se encontrava era, para todos os efeitos, pelo menos, uma pré-reforma.

    8. Aliás, as regras da lógica e da experiência determinam que um cidadão medianamente informado, ainda que abrangido por um regime diferente do regime laboral comummente aplicável aos demais trabalhadores, sabe fazer o paralelismo entre um e outro.

    9. Ou seja, e no que ao caso vertente respeita, um militar que atinge o fim da carreira, sabe que a situação de reserva é equiparável à reforma ou à pré-reforma.

    10. Aliás, as três testemunhas acima referidas, todas elas militares, reitere-se, declararam sem qualquer hesitação que GG estava reformado desde 2010 ou 2011.

    11. Ora, estas três testemunhas são, no que à carreira militar respeita, o paradigma do homem médio.

    12. Da prova produzida, designadamente do depoimento de Ana M… resultou inequívoco que GG não estava em efectividade de serviço, pelo que nem se compreende por que razão o Tribunal a quo sequer suscitou tal dúvida.

    13. GG, perante a declaração que lhe foi apresentada e que subscreveu, tinha forçosamente que concluir – e concluiu certamente – que a situação de reserva em que se encontrava equivalia, à pré-reforma a que se refere o contrato de seguro.

    14. Ora, o facto de GG se encontrar em situação de reserva militar quando subscreveu o contrato de seguro em causa nos autos, significa que este não preenchia as respectivas condições de elegibilidade, o que implicaria que o contrato não fosse aceite pela ré seguradora, ora apelante.

    15. Facto que GG não tinha como desconhecer na medida em que resulta da declaração que subscreveu e que constitui o documento nº 1 da contestação.

    16. Aliás, da própria sentença recorrida resulta que “(…) o contrato de seguro em questão, e as suas condições gerais e particulares, mostram-se assinadas ou rubricadas pelo segurado o que atesta que o respectivo teor lhe foi comunicado”. (sublinhado nosso).

    17. Assim, ao omitir a sua real situação laboral/profissional, fê-lo com consciência de que se revelasse a verdade, o contrato de seguro não seria aceite pela ora apelante, o que determina, necessariamente, que a omissão foi intencional e dolosa.

    18. Face ao exposto, e perante a prova que foi efectivamente produzida sobre esta matéria, concretamente os depoimentos das testemunhas Ana M…, Rui A… e Henrique E…, o Tribunal a quo deveria ter julgado provado que ao subscrever o contrato de seguro GG omitiu deliberadamente que era militar em situação de reserva.

    19. Também no que se refere à omissão da patologia cardíaca, subsequente cirurgia de revascularização e da manutenção da medicação adequada sob vigilância médica, a prova produzida facto impunha decisão diversa.

    20. No entanto, e antes de mais, cumpre salientar que a apreciação deste facto impõe a análise de duas questões distintas, a saber: i) se houve ou não omissão e, ii) tendo havido omissão, se essa omissão foi dolosa ou negligente.

    21. Ora, das condições particulares da apólice – das quais o segurado foi informado e que lhe foram entregues e, inclusivamente, por ele rubricadas – resulta que são condições de elegibilidade para aderir a este contrato de seguro “não estar sujeito actualmente a controlo ou acompanhamento médico regular” e “declarar que está de boa saúde à data de adesão à protecção ao crédito não se encontrado sob vigilância médica de qualquer natureza”, 23.ª O mesmo resultando da declaração subscrita por GG que constitui o documento nº 1 da contestação.

    22. Sucede que, no âmbito da análise do processo de sinistro, a apelante veio a apurar que, afinal, quando o segurado aderiu à apólice de seguro, e contrariamente ao que então declarou, não estava de boa saúde e encontrava-se sob vigilância médica.

    23. O que, desde logo, resulta do relatório do Dr. Agostinho C… que constitui o documento nº 13 da petição inicial.

    24. Do sobredito relatório resulta inequívoco que o segurado, na sequência de uma patologia cardíaca grave, foi submetido a uma cirurgia no ano de 2000, e que desde essa data era seguido pelo citado médico mantendo, desde essa data, a medicação adequada.

    25. Ora, o segurado aderiu ao seguro em causa nos autos a 13 de Maio de 2014, 28.ª Pelo que, tendo em conta o supra exposto, é evidente que não podia declarar – como declarou – que estava de boa saúde e que não se encontrava sob vigilância médica quando aderiu ao contrato de seguro.

    26. Aliás, também a testemunha Ana M… afirmou que o segurado tomava uma aspirina diariamente.

    27. Perante o exposto, dúvidas não podem restar – e não restam – que, quando subscreveu o contrato de seguro em causa nos autos, GG omitiu da ré, ora apelante, a patologia cardíaca de que sofria e a cirurgia a que foi submetido subsequentemente, bem como que, naquela data mantinha a medicação adequada, e que o fazia sob vigilância médica.

    28. Ainda que se entenda, no que não se concede, que o documento nº 13 da petição inicial não é suficiente para provar estes factos, a verdade é que os mesmos resultam confessados dos artigos 35º e 36º...

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