Acórdão nº 1397/18.1T8LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | CRISTINA DÁ MESQUITA |
Data da Resolução | 12 de Setembro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1.
BB Unipessoal, Lda.
, ré na ação que lhe foi movida por CC, interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Loulé, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual: 1) Declarou resolvido o contrato de compra e venda do veículo automóvel marca BMW, modelo 535 Touring, com a matrícula …-EC-…, celebrado entre o autor CC e a ré BB Unipessoal, Lda.; 2) Condenou a ré a restituir ao autor o montante de 15.000,00 € e condenou o autor a entregar à ré o veículo automóvel supra descrito; 3) Absolveu a ré do demais peticionado.
A presente ação foi movida por CC o qual peticionou que fosse decretada a anulação do contrato de compra e venda celebrado no dia 12 de setembro de 2016 entre si e a ré BB Unipessoal, Lda., por incumprimento contratual desta, e, consequentemente, que a ré fosse condenada a restituir-lhe a quantia de 19.000,00 € entregue a título de preço e, ainda, a pagar-lhe a quantia de 3.000,00 € a título de danos não patrimoniais.
Para tanto alegou que comprou um veículo à ré no dia 12.09.2016 e que, decorrido um mês após a aquisição, o mesmo começou a pingar óleo da caixa de velocidades, a fazer um ruído na parte frontal bem como erros na caixa e disco de embraiagem. E que, não obstante a ré sempre ter recebido o veículo para reparação após as reclamações, os problemas de que o veículo padecia persistiam. Pelo que face aos problemas que o veículo sucessivamente apresentou e continua a apresentar e que afetam o seu funcionamento e ainda por não ser possível a sua substituição, pretende que seja declarada a resolução do contrato e, ainda, ser indemnizado pelos incómodos sofridos com a situação dado que se viu impedido de usufruir plenamente a viatura.
Citada, a ré contestou, por impugnação, sustentando que o autor sabia que a viatura era usada e com desgaste e que antes de ser vendida a viatura tinha sido objeto de uma revisão completa. Mais alegou que sempre procedeu às reparações dos problemas que iam surgindo e que após a última reparação, os defeitos entretanto denunciados, a existirem, resultaram do desgaste normal e não impedem a circulação da viatura.
A ré defendeu, ainda, que se o autor utiliza o veículo e a ré se predispôs a repará-lo, apenas de má-fé e em abuso de direito poderá pedir a anulação do negócio e a devolução do valor despendido com a aquisição.
Finalmente, a ré sustentou que, caso o autor tenha direito à resolução do contrato, no valor a restituir deve ser considerada a desvalorização sofrida pelo veículo até à entrega do mesmo, a calcular em liquidação de sentença.
Foi realizada audiência prévia, proferido despacho a fixar o valor da causa, despacho-saneador e despacho a fixar o objeto do litígio e os temas de prova.
Realizou-se a audiência final, finda a qual foi proferida a sentença objeto do presente recurso.
I.2.
O recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões: «
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O facto dado como provado sob o n.º 32: "Após a reparação referida em 22., e com vista a experimentar o veículo, o legal representante da Ré circulou cerca de 500 quilómetros com o mesmo " foi levado em consideração e considerado essencial no fundamento da decisão proferida.
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Este é um facto essencial, que não foi alegado pelas partes, mas que a decisão proferida considerou essencial, designadamente, para calcular o valor a pagar pela R. ao A.
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Um facto essencial que não foi alegado por qualquer das partes não pode ser levado em consideração na decisão final nos termos do artigo 5.º, do CPC.
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Resulta de forma inequívoca dos elementos probatórios que o A. continuou a circular com o veículo, deixando-o de o fazer apenas após a entrada da ação em tribunal.
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Dos documentos juntos e por mero raciocínio aritmético podemos concluir que o veículo de 3 de outubro de 2017 até 18 de Outubro de 2018 andou cerca de 4.300 quilómetros.
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Do depoimento do A. resulta expressamente que estes quilómetros foram feitos de Outubro a Dezembro de 2017 (minutos 42.44 a 44.48).
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O A. não deixou de circular por defeito do veículo, porquanto, o A. referiu expressamente que já não via óleo no chão, mas porque a luz do óleo acendeu.
h) Não resultando que tenha deixado de andar com o veículo por alguma circunstância que haja ocorrido em dezembro de 2017 ou em Janeiro de 2018.
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Considerando que em 3 meses andou uma média de 1.433 quilómetros por mês, e que tem um carro de serviço dado pela empresa, deve ser dado como provado parcialmente o ponto G) dos factos não provados, na parte em que refere: "Os defeitos referidos em 25 não impedem, nem dificultam a circulação do mesmo." j) Resulta da carta enviada pelo A. à R. em 30 de Outubro de 2017 e do depoimento do A. (minuto 46 a 48.20), que o A e R. acordaram na reparação do veículo e, após a reparação, que o A. faria um check-up na BMW.
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Mais resulta do seu depoimento que, e em face do relatório da BMW, o arranjo seria de €2.000,00, que o R. aceitou entregar ao A.
I) Resulta assim do depoimento do A. dois factos complementares relevantes, que são: o preço de arranjo do veículo são de €2.000, e a R. ofereceu esse dinheiro para o A. arranjar o veículo na marca.
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Assim deve ser dado como provado: "O preço de arranjo dos defeitos identificados em 25 são no montante de €2.000,00 no concessionário da marca BMW, tendo a R. oferecido esse dinheiro ao A. para mandar arranjar o veículo." n) Resulta da factualidade provada que o Autor teria conhecimento, na data da sua aquisição, que se tratava de um veículo usado, com mais de 10 anos e com mais de 250.000Km.
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O veículo foi alvo de reparações, sendo que todas as reparações foram efetuadas a expensas da Ré e por acordo entre o A. e R.
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Todas as intervenções a que o automóvel foi sujeito no ano de 2016 e 2017 integram situações em que o A., identificando defeitos do automóvel, pretendeu que os mesmos fossem reparados.
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Cada colocação do automóvel, ao longo dos anos 2016 e 2017, no estabelecimento da ré constitui um facto concludente que permite deduzir a vontade do A. de exigir a reparação dos defeitos "sem encargos", faculdade que lhe é atribuída pelo art. 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, em alternativa à possibilidade de exigir a substituição do bem, ou a redução do preço, ou a resolução do contrato.
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O A. fez uso do regime especial de proteção do diploma legal sobre venda de bens de consumo, optando pelo direito à reparação do bem.
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O direito à anulação do contrato extinguiu-se por cumprimento das sucessivas exigências de reparação do bem, sem encargos, que foram sendo feitas pelo A.
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Após realizar a avaliação do veículo, em 4 de Outubro de 2017, no concessionário da marca BMW, o A. continuou a circular com o veículo.
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Quanto aos problemas referidos no relatório da BMW, à exceção da fuga de óleo e óleo na caixa de velocidades, e o mau funcionamento do rádio, todas as outras situações são absolutamente normais, designadamente, fuga no conversor de gases de escape, dois tubos de vácuo com desgaste e discos ovalizados.
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Quanto ao problema do óleo, esse era um alegado defeito que já vinha desde o inicio e sobre o qual o A. havia acordado a reparação.
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Sendo que, como decorre do seu depoimento, minuto 51.02 a 51.30, questionado se o veículo apresentava óleo no chão, referiu que não.
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A exigência de substituição do automóvel, além do mais constitui um abuso de direito do A.
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Ainda que se considerasse a possibilidade de existir a substituição do automóvel, a solicitação da mesma após as sucessivas reparações da R., ou perante defeitos que não afetam o uso normal do veículo são abusivas.
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Ao aceitar a reparação na oficina do R. e depois confirmar na marca se tudo estava em condições, o A. fez crer à R. que essa seria a solução e, por isso, a R. gastou verbas com as sucessivas reparações.
aa) A exigência da substituição, quando o valor da reparação na própria marca é de cerca de 10% do valor do veículo (o veículo custou 19.000€) e o A. fez crer que esta era a solução, é um abuso de direito nos termos do artigo n.º 334, n.º1 do Código Civil, cujo exercício ilegítimo vem expressamente previsto no n.º 5 do artigo 4.º do decreto-lei n.º 67/2003, de 08 de Abril.
bb) Abuso de direito na sua vertente de "venire contra factum proprium", uma vez que a Ré confiou que a reparação era a solução e por isso despendeu as verbas com a mesma, violando o A. com a sua conduta os princípios da boa-fé e da confiança em que a R. assentou a sua expectativa.
cc) Acresce que, não estamos perante defeitos essenciais, impedindo a realização do fim a que a coisa se destina no caso dos autos, um veículo destina-se a circular, e a verdade é que o A. continuou a circular com o veículo fazendo 4 mil quilómetros após a última reparação, em três meses, não encostando o veículo por um qualquer defeito.» I.3.
A resposta às alegações de recurso culminou com as seguintes conclusões: «I.Vem a Ré apresentar recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
II.Recurso esse que versa sobre a matéria de facto e a aplicação do direito.
III.Alega a R., ora Recorrente, que o Tribunal “a quo” deu como provado um facto que não foi alegado pelas partes – o representante legal da R. circulou cerca de 500 kms com o veículo -, IV. Segundo a Recorrente, tal facto foi considerado essencial no fundamento da decisão recorrida, quanto ao valor a pagar ao A./ora Recorrente.
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Sendo que esse foi um dos fatores que terão contribuído para a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, quanto à fixação do montante a pagar ao A..
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Quanto a esse ponto, a sentença leva também em consideração um outro fator: “...
o período que o veículo esteve entregue à Ré para reparação (não considerando o período que o Autor não o foi levantar por opção), durante o qual também sofreu desvalorização pelo mero decurso do tempo...” VII. Assim, para além do facto provado de o representante legal da R. ter circulado cerca de 500 kms com o veículo, a Mma. Juiz “ a quo” levou em consideração um outro...
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