Acórdão nº 7/16.6T8STC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 29 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelMATA RIBEIRO
Data da Resolução29 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORAP… instaurou ação declarativa, com processo comum, contra A…, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Juízo Central Cível de Setúbal – Juiz 3) alegando, em síntese, que é proprietário da fração “F” correspondente ao segundo andar direito para habitação do prédio urbano submetido ao regime da propriedade horizontal, sito na Rua de …, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém com o nº …, a qual o réu ocupa sem qualquer título que o justifique, a partir da morte de sua mãe, por ter ocorrido a caducidade do arrendamento anteriormente celebrado com o, também falecido, pai do réu.

Concluindo peticiona:

  1. Se reconheça a propriedade do A. sobre a fração “F” correspondente ao segundo andar direito para habitação do prédio urbano submetido ao regime da propriedade horizontal, sito na Rua de …, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém com o nº …; b) Se restitua aquela fração autónoma ao A. livre de pessoas e bens; c) Se condene o R. em sanção pecuniária compulsória, em montante nunca inferior a € 50,00 por cada dia de atraso na entrega da fração, após a prolação da sentença condenatória.

    Citado, o réu veio contestar impugnando parcialmente os factos, invocando não ter tido conhecimento da carta enviada pelo autor a comunicar a caducidade do arrendamento por motivo do óbito da sua mãe e que havia acordado com ele a manutenção do arrendamento até se mostrar integralmente paga uma dívida dele, em relação à qual corre processo de execução, estando a assegurar os montantes ali devidos, em substituição do pagamento das rendas, pelo que ao intentar a presente ação o autor agiu em abuso de direito.

    Deduziu pedido reconvencional a título subsidiário, o qual veio a ser admitido, pedindo que, caso a ação proceda, o A. seja condenado a ressarci-lo por benfeitorias que fez no imóvel, no montante de 1.450,00 €; por agir em abuso de direito, pede que o A. seja condenado a pagar a indemnização de 7.000,00 € a título de danos que sofrerá caso venha a ser despejado, pela necessidade de obter um novo local para arrendar, correspondentes à diferença entre a renda que paga ao A. atualmente e a renda que terá de pagar por um novo arrendamento.

    Na réplica o autor pugnou pela improcedência do pedido reconvencional e pela procedência da ação nos termos formulados.

    Corrida a tramitação legal e realizada audiência final veio a ser proferida sentença em cujo dispositivo consta: “Em face do exposto, vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos o tribunal julga: 1. Parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido do A e em consequência decide-se: a) – Reconhecer a propriedade do A. sobre a fração “F” correspondente ao segundo andar direito para habitação do prédio urbano submetido ao regime da propriedade horizontal, sito na Rua de …, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém com o nº …; b) – Determinar que o R. restitua aquela fração autónoma ao A. livre de pessoas e bens; c) Absolver o R. do demais peticionado.

    1. Totalmente improcedente por não provado, o pedido reconvencional do R. e em consequência decide-se:

  2. Absolver o A. do mesmo.

    1. Improcedente por não provada a atuação de má-fé do réu, que vai assim absolvido da correspetiva indemnização.

      Custas pelo A. e R., na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que o R. beneficia.

      ” * Inconformado com a sentença, veio o réu interpor o presente recurso e apresentar as respetivas alegações, terminando por formular as seguintes conclusões que se transcrevem: “ I. O Tribunal a quo proferiu a Sentença ora sob recurso, que resultou na procedência parcial da presente ação – reconhecimento da propriedade do autor, ora Recorrido sobre o imóvel em questão e restituição do mesmo pelo Réu ora recorrente – e na improcedência total do pedido reconvencional.

      1. A douta sentença é nula, por manifesta contradição entre a matéria de facto assente (pontos 9 a 13) e a matéria de facto não provada (factos C e H), o mesmo se passando com os pontos 14 da matéria assente e os factos J e K “não provados”, III. Decorrendo tal nulidade do art. 615.º/1-c) do CPC, nulidade essa que desde já se invoca, para todos os efeitos legais.

      2. Face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nunca poderia o Tribunal a quo ter proferido a decisão recorrida nos termos descritos, pelo que incorreu em claro erro de julgamento.

      3. Assim toda a factualidade que foi dada como não provada e constante do ponto II “Fundamentação de facto”, deveria ter sido dada como provada, à exceção do ponto A).

      4. Dada a matéria que deveria ter sido dada como assente, nenhuma outra decisão deveria ter sido tomada senão a improcedência da ação.

      5. O Recorrido tinha perfeito conhecimento que o Recorrente sempre habitou no imóvel em crise, titulado por um contrato de arrendamento outorgado pelos seus pais, e que essa locado consistia na casa de morada de família, dos seus pais (aquando vivos) e, atualmente, do Recorrente.

      6. É também líquido que mesmo após a morte da sua mãe, o Recorrente deu cumprimento aos pagamentos das rendas dos locados diretamente à Sra. Agente de Execução, tendo o cômputo dos mesmos determinado a extinção daquele processo por pagamento, tudo com a anuência do Recorrido.

      7. Até porque até ser extinta a execução e consequente levantamento da penhora, não poderia o imóvel ser onerado fosse de que maneira fosse, pelo que era conveniente ao aqui Recorrido manter o arrendamento no seu interesse até este momento.

      8. Pelo que se mantém nos precisos termos em que foi celebrado o contrato de arrendamento do imóvel em crise.

        Assim não se entendendo XI. Em sede de articulados invocou o Recorrido que o art. 57.º do Novo RAU disciplina a situação em apreço, impedindo o aqui Recorrente de se manter como arrendatário do locado, ao passo que o Recorrente sustentou, em Fevereiro de 2015, que tinha direito ao locado, por beneficiar de uma transmissão permitida pelo art. 1106.º/1-c CC.

      9. Pelo cotejamento dos referidos preceitos legais, o art. 57.º do NRAU exclui o Recorrente do direito à transmissão, ao passo que o art. 1106.º/1- c) do CC permite ao Recorrente beneficiar de tal transmissão.

      10. Ora: estamos perante duas normas que tratam materialmente de uma situação idêntica, discriminando-a, só pela circunstância de os contratos em questão terem sido celebrados antes da entrada em vigor do RAU/1990 (como é o caso do art. 57.º, devido à sua inserção sistemática no diploma: Capítulo II da Lei n.º 6/2006).

      11. Trata-se (o art. 57.º do Novo RAU) de uma norma que afronta o princípio da igualdade, com assento constitucional, devendo a sua aplicação, ao caso concreto, ser rejeitada pelo Tribunal: porque não há fundamento para discriminar os filhos que vivam em economia comum, no que tange à questão da transmissão do arrendamento para habitação (da casa de morada comum), consoante o contrato seja anterior ou posterior a 1990.

      12. A norma em questão (com vigência a partir de 2006, inserida que se encontra na Lei n.º 6/2006) é inconstitucional por violar o princípio da igualdade (art. 13.º da Constituição), pelo que o Tribunal deverá repudiar a aplicação da mesma ao caso sub judice, nos termos do art. 204.º da Constituição e, em sua substituição, aplicar o art. 85.º/1-b) do DL 321-B/90 de 15 de Outubro, norma que permite tratamento igualitário do Recorrente face ao regime estabelecido pelo art. 1106.º/1-c) do Código Civil.

      13. O preceito em causa (art. 57.º do Novo RAU), da forma como é interpretado, ao reduzir as possibilidades da estabilidade do núcleo familiar na casa de morada de família (concretamente, no caso, ao filho), viola igualmente o direito à habitação, consagrado no art. 65.º da Constituição da República.

      14. No que concerne ao pedido reconvencional, afirma o Tribunal a quo, que não se logrou provar que o aqui Recorrente não habitava com a sua mãe, e que para a indemnização pelas benfeitorias só podia ser reclamada pelos herdeiros legais.

      15. Ora tanto resultou provado que o Recorrente é filho dos primitivos arrendatários, bem como é seu legítimo herdeiro, podendo reclamar os valores que peticionou.

        ” Apreciando e decidindo O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso (artºs. 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do art.º 663º n.º 2 todos do CPC).

        Assim, do que nos é dado percecionar das conclusões apresentadas pelo recorrente as questões nucleares em apreciação são as seguintes: 1ª - Da nulidade da sentença 2ª - Do erro de julgamento no que respeita à matéria de facto; 3ª - Da manutenção do contrato de arrendamento; 4ª - Da inconstitucionalidade o artº 57º do NRAU; 5ª -...

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