Acórdão nº 263/20.5T8ORQ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Novembro de 2021
Magistrado Responsável | MARIA JOÃO SOUSA E FARO |
Data da Resolução | 25 de Novembro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
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RELATÓRIO 1.
A... e B...
instauraram acção popular, nos termos do disposto na Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, contra C...
, pedindo que seja:
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Reconhecido que é público o caminho referido nos art.ºs 8.º a 11.º da petição inicial; B) Reconhecido que os AA. têm o direito a circular livremente pelo referido caminho, utilizando-o, designadamente, para circular entre a EN 261-4. E o Monte Malha Ferro, bem como para aceder, a pé, de tractor, carro agrícola ou qualquer outro veículo motorizado, ao seu prédio identificado nos art.ºs 1.º, 2.º e 3.º da p. i..
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A Ré condenada a repor, no imediato, o trato de terreno afecto a tal caminho que lavrou e obstruiu com a colocação de barreiras em cimento e barreiras metálicas; D) A Ré condenada a repor o caminho no estado em que se encontrava antes de ser destruído, por forma a permitir o uso directo e imediato pelo público em condições de segurança; E) A Ré condenada a abster-se no futuro de praticar outros actos que, de alguma forma constituam acto de apropriação do referido caminho público, ou que por qualquer forma dificulte ou impeça o acesso dos AA. e demais utilizadores ao caminho público.
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A Ré condenada a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, o valor de € 50,00 por cada dia que decorra, uma vez proferida a sentença em 1ª instância, sem que se mostrem removidas a barreira em cimento e as barreiras metálicas ali colocados e restituído todo o tracto de terreno em que assenta o caminho, montante esse que deverá reverter para o Lar da Casa do Povo de Panoias.
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Ser a Ré condenada a pagar à demandante a quantia de € 5000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a data da notificação do presente pedido.
O Tribunal a quo ao abrigo do disposto no artigo 13º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto entendeu ser de indeferir liminarmente a petição por considerar manifestamente improvável a procedência do pedido.
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É desta decisão que, inconformados, recorrem os Autores, formulando, na sua apelação, as seguintes conclusões: 1. Os Recorrentes discordam da Douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que, nos termos do Artigo 13.º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto indeferiu liminarmente a petição inicial.
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A qual concluiu que “o alegado pelos Autores não permite qualificar o caminho em causa como sendo um caminho público, mas sim como um mero atravessadouro.” 3. Porém, no entender dos Recorrentes e, salvo o devido respeito, a douta decisão proferida, merece censura porque enferma de incorreta interpretação e apreciação.
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Pelo que que existe vício na apreciação da prova, susceptível de apreciação em sede de recurso.
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A causa de pedir, radica essencialmente na qualificação do caminho EN 261-4 “Malha Ferro”/“Vale Romeira” com a extensão de cerca de 1.900 metros, como sendo um caminho público ilicitamente apropriado pela Recorrida.
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No ano de 2016 a Recorrida mandou abrir uma vala longitudinal naquele caminho para interromper a passagem dos utilizadores, entre quais os ora Recorrentes, lavrou-o, colocou uma placa em betão no solo e, posteriormente, pôs gradeamentos metálicos com cadeados a vedar o acesso ao mesmo (Docs. n.º 9,10,11,12, 13 e 14 da PI).
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Este acto traduziu-se na violação de um direito de natureza coletiva ou difusa, como seja a apropriação indevida de um bem do domínio publico, 8. Impedindo, desta forma, os Recorrentes e todos os utentes do caminho de nele circularem, quer a pé, quer com automóveis, carros agrícolas, tractores e outros veículos motorizados, como sempre fizeram desde tempos imemoriais.
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Apesar das inúmeras diligências e participações à Autarquia, esta não propôs qualquer acção contra a Recorrida.
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Assiste assim, aos Recorrentes, enquanto cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e titulares de interesse difuso, o direito de defenderem tal bem, pugnando por verem declarada a pública dominialidade do caminho.
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Esse direito e essa legitimidade estão hoje consagrados no artigo 52.º da CRP, conjugado com os artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 12.º da Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto (Lei de Ação Popular) e com o artigo 31.º do NCPC; 12. Os Recorrentes alegaram factos demonstrativos de um interesse difuso, de interesse unitário da comunidade e apresentaram provas suficientes para sustentarem as suas pretensões, quer na PI quer posteriormente, em requerimento autónomo dirigido ao Ministério Público, datado de 26/04/2021, com a Ref.ª 1960546, contendo informação complementar.
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E assim, ao contrário do que é sustentado na Douta Sentença, os Recorrentes não se limitaram a alegar que o uso imemorial do caminho em causa se destinou ao acesso ao monte “Malha Ferro” do qual são proprietários, que não tem acesso directo à EN 261-4, 14. Ou que o acesso ao monte “Malha Ferro” sempre se fez, desde tempos imemoriais, pelo caminho do domínio público que ali existe, que consta da Carta Militar 1/25000 de 1989 e da Carta Cadastal de 1/5000 de 1947 .
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Pois alegaram, no art. 21.º da PI e além do mais, que “…tal acto da Ré impede e dificulta, entre muitas outras e, meramente a título de exemplo: - A acção dos operacionais da Protecção Civil e dos Bombeiros, em caso de calamidade, desastres naturais e incêndios; -as acções de desassoreamento no rio Sado, sendo que a última foi feita pela Câmara Municipal de Ourique, a qual se serviu do caminho, agora destruído, para a passagem de máquinas e viaturas; - as acções de limpeza do rio; - o acesso aos visitantes que pretendam passear até ao Rio Sado em programa de recreio e lazer; - o acesso ao ramal da Rede Elétrica Nacional implantado ao longo do caminho destruído.
- o fornecimento de gás, de materiais de construção, e bens aos montes; - o acesso de profissionais da construção civil e carpintaria para reparações ou obras nos montes; a entrada e o escoamento de produtos agrícolas, nomeadamente azeitona para o lagar; - a circulação de trabalhadores agrícolas; - o uso pela Associação de Caçadores de Panoias, para reposição de alimentação das espécies e fiscalização da área de caça da respectiva associação a que o Malha Ferro pertence; - a movimentação de manadas ou rebanhos de pastagens para outras pastagens de parcelas de prédios rústicos, sem acesso a estradas de alcatrão.
-o acesso de veículos para realização de ralies tal como sucedeu no passado, com o Rali de Portugal, -ou por adeptos do turismo da natureza, para observação de fauna e flora e passeios pedestres.” 16. Além disso, os Recorrentes apresentaram provas que atestam que o referido caminho está classificado como um bem do domínio público que consta da Ficha Cadastral de Imóveis da Câmara Municipal de Ourique, tendo sido inventariado com o n.º 7399 (cfr. Doc. n.º 6 da PI).
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Tendo sido avaliado nos termos da Portaria n.º 671/2000 de 17 de Abril de acordo com os objectivos do Cadastro e Inventário dos Bens do Estado – CIBE (cfr. Doc. n.º6 da PI).
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Com efeito, em 17 de Maio de 2007, a Comissão de Avaliação da Câmara Municipal de Ourique, composta pela Dr.ª Maria Luísa Silva Lança, Arq.ª Patrícia Coelho Costa Raio, e Dr.ª Margarida Maria Gonçalves Félix, elaborou o Relatório de Avaliação dos Bens do Domínio Público-Vias de Comunicação Rodoviárias, nele consignando que o referido caminho: “é de terra batida, tem a extensão de cerca de 1.900,0 metros, iniciando-se na EN 261-4 e dando acesso aos montes “Malha Ferro”- “Vale Romeira”, localizado na freguesia de Panoias, não tendo qualquer tipo de pavimentação, enquadrando-se no tipo designado por “imóveis rústicos”, “infra-estruturas” rodoviárias, nos termos do n.º 2 do art.19.º da Portaria n.º 671/2000 de 17 de Abril (cfr. Doc. n.º7 da PI).
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Em 2020, os Recorrentes, solicitaram ao Senhor Presidente da Câmara de Ourique que os informasse acerca da natureza pública ou privada do referido caminho, tendo obtido em 17/01/2020 a seguinte informação: “Para os devidos efeitos cumpre-me informar que segundo o Sistema de Inventário e Cadastro Patrimonial da Secção de Património e Aprovisionamento da Câmara Municipal de Ourique, elaborado em 19/09/2006, o caminho identificado no pedido de informação está caracterizado como bem do domínio público (EN 261-4/Malha Ferro/Vale Romeiros e tem uma extensão de 1900 metros.” (cfr. Doc. n.º 15 da PI (sublinhado e sombreado nosso).
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Acresce ainda que, da prova carreada para os autos pelo próprio MP, consta: a) A informação prestada pelo Senhor Arquitecto Rodolfo Machado sobre a questão colocada pelo Recorrente sobre a natureza pública ou privada do caminho em causa, datada de 16 de Dezembro de 2016, enviada pela Câmara Municipal de Ourique aos presentes autos, em 17/03/2021, por solicitação do MP, a qual expressamente refere: “…segundo o Sistema de Inventário e Cadastro Patrimonial da Secção de Património e Aprovisionamento Câmara Municipal de Ourique elaborado em 19 /9/2006 o caminho identificado no pedido de informação está caracterizado como bem do domínio público (EN 261-4/Malha Ferro/Vale Romeiros), numa extensão de 1900 metros.” (cfr. Doc. n.º 1 - Ref.ª 1937777- E-mail n.º 3) (sublinhado e sombreado nosso).
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A informação prestada aos autos em 17/03/2021, pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Ourique, no seguimento da notificação que lhe foi feita para se pronunciar sobre a natureza do caminho em causa: “O caminho identificado entre a EN261-4 e o Monte Malha Ferro consta da Carta militar 1/25000 de 1989 e da Carta cadastral 1/5000 de 1947 (…)” “Não obstante, tal caminho não se encontrar devidamente classificado como público, a utilidade pública do mesmo justificou algumas intervenções por parte do município, no sentido de continuar a manter o seu uso por parte da população, sendo o mesmo integrado no “Sistema de Inventário e Cadastro Patrimonial” deste Município e caracterizado como bem do domínio público (EN 261-4/Malha Ferro/Vale Romeiros), numa extensão de 1900 metros.)” “Em recente deslocação ao local (EN 261- 4/Malha Ferro/Vale Romeiros), o Assistente Técnico adstrito ao “Serviço de...
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