Acórdão nº 1022/19.3T9BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução13 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo comum colectivo nº 1022/19.3T9BJA, da Comarca de (...), Juízo Central Civil e Criminal, Juiz 3, foi o arguido (...) condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelos Artsº 21 e 24 al. h), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, com referência à sua Tabela I-C em anexo, na pena de 5 (cinco) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova que contemple, além do mais que vier a ser definido pela DGRSP, a sujeição a testes regulares, mas aleatórios, de despistagem do consumo de estupefacientes.

B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreram o arguido, tendo concluído as suas motivações da seguinte forma (transcrição): A – Para fundamentar a escolha da referida pena o tribunal a quo baseou-se fundamentalmente no tipo de crime pelo qual estava a cumprir pena de prisão e a quantidade de doses diárias que o estupefaciente com 18.554 gramas poderia proporcionar, mais concretamente 124 doses, bem como, pelo estupefaciente ter sido apreendido dentro do estabelecimento prisional e que o próprio arguido terá referido que consumia estupefaciente fora da sua cela, quando estava em contacto com a demais população prisional, nomeadamente na casa de banho.

B – Concluindo, que atendendo ao número de doses e ao local da sua apreensão não poderia ser apenas para o seu consumo.

C – Apesar do arguido ter referido em audiência de julgamento que o estupefaciente se destinava exclusivamente ao seu consumo e tendo a sua versão sido confirmada pelas testemunhas arroladas pelo M.P, os guardas prisionais, (…), aceite e confirmado pelo acórdão recorrido no capítulo motivação da matéria de facto.

D – A intenção do arguido em relação ao estupefaciente que detinha na sua cela e a quantidade da mesma, é deveras o mais importante.

E – E este confessou que seria única e exclusivamente para o seu consumo, dado que era dependente do consumo de Haxixe á vários anos e a quantidade apreendida foi de 18,554 gramas.

F – Em abono da verdade, devemos em primeiro lugar referir que o tribunal a quo errou quando na sua motivação da matéria de facto conclui que o arguido em audiência de julgamento teria referido que consumia estupefaciente fora da sua cela, quando estava em contacto com a demais população prisional, nomeadamente na casa de banho.

F – Para verificar o erro basta ouvir o CD n.º 20210201100001_104856, minuto 10.15, pergunta o Meritíssimo Juiz Presidente ao arguido, (Como Consumia?... Na cela, na casa de banho?), resposta do arguido minuto 10.26 a 11.10 (Fumava na casa de banho à noite).

G – Ao minuto 10.45 o Meritíssimo Juiz Presidente refere que não percebeu (...desculpe não percebi...), e o arguido esclareceu, minuto 10.47 (...fumava o que tinha a fumar depois vinha cá para fora para o pé dos meus colegas.) H – Como é do conhecimento do homem médio e de todos os agentes da justiça, logo, mormente de um colectivo de Juizes, os reclusos à noite estão recolhidos nas suas celas, e dentro das mesmas, têm uma casa de banho.

I – O que o arguido respondeu em audiência de julgamento, à pergunta do Meritíssimo Juiz Presidente, foi que consumia à noite na casa de banho e depois voltava para junto dos seus colegas de cela.

J – E não que fumava estupefaciente fora da sua cela, ou que a casa de banho era fora da sua cela, ou ainda, que quando se referia que voltava para junto dos seus colegas se estaria a referir à restante população prisional, e não aos colegas da sua cela, local onde estava a casa de banho e onde ele estaria recolhido juntamente com os colegas de cela à noite.

K – Pelo exposto, verifica-se que houve um erro notório (artigo 410 n.º 2 c) CPP) na apreciação desta prova, que motivou uma conclusão errónea, por parte do tribunal a quo.

L – Conclusão que seria que o arguido consumia estupefacientes fora da sua cela, quando estava em contacto com a demais população prisional, e isso sim, seria um ato gerador do risco de possíveis atos de tráfico ou cedências de estupefaciente.

M – Ao contrário do que realmente aconteceu, que foi um recluso, sozinho, à noite, dentro da casa de banho da sua cela, consumir haxixe.

N – Em relação à quantidade de estupefaciente apreendido, 18.558 gramas e o número de doses diárias que o acórdão recorrido refere que o arguido detinha na sua posse 124, não deveria o tribunal a quo ter analisado este facto per si, mas sim, dentro de um conjunto de vicissitudes que existem e não foram abordadas. (Artigo 410 n.º 2 a) CPP) Se não vejamos.

O – O número de doses diárias é calculado com base no peso líquido do estupefaciente, que no caso concreto seria de cerca de 18,554 gramas, mas também com a percentagem de THC, sendo que o cálculo é feito com base numa percentagem de THC 10% quando nos referimos à resina de canábis, de acordo com o mapa a que se refere o n.º 9 da Portaria n.º 94/96, de 26 de Março.

P – Contudo, os consumidores de estupefacientes quando compram por exemplo haxixe, desconhecem a sua percentagem de THC, primeiro porque quem vende não fornece tal informação e segundo porque não têm meios técnicos para testar o estupefaciente de forma a ter um resultado no acto da compra.

Q – Ou seja, os consumidores, como o arguido era, nunca sabem a real percentagem de THC do estupefaciente, apenas o peso que estão a adquirir.

R – O que significa que poderia o arguido ter adquirido apenas 5 gramas de haxixe, e se o estupefaciente tivesse uma percentagem de THC de 10% seria a quantidade de droga para um consumo estimado de 10 dias, dado que, poderia consumir 0,5 gramas dia, logo seriam 10 doses, mas se o seu estupefaciente fosse testado e tivesse como na realidade tinha, uma percentagem de THC superior a 30%, as mesmas 5 gramas iriam equivaler a pelo menos 30 doses diárias.

S – Para além de outras questões que prendem-se com o facto de que nem todos os consumidores fumarem as mesmas quantidades em cada dose diária.

T – Foi o próprio Meritíssimo Juiz Presidente, que partiu do pressuposto de que o arguido fumava uma grama por dia. CD 20210201100001_104856 minuto 11.20 – 11.29 (Cada vez que fumava era uma grama? A quantidade que tinha no armário.) U – Tendo o arguido respondido, minuto 11.30-11.45 (fumava 3 a 3,5 gramas).

V – Se admitirmos que o arguido apenas fumasse a quantidade de estupefaciente que o Meritíssimo juiz presidente refere (minuto 11.20 – 11.29) ou seja, cerca de 1 grama, a quantidade apreendida 18,554 gramas, seriam cerca de 18 doses e não 124 doses.

X – Não faz sentido, e é manifestamente contrário às regras da experiencia comum, admitir que um recluso, consumidor diário, de 1 a 3 gramas dia, que só tem precárias no mínimo de 4 em 4 meses, tenha na sua posse 18,554 gramas de haxixe que tinha adquirido no exterior e tinha entrada no estabelecimento prisional com o estupefaciente á cerca de 1 dia, correndo todos os riscos inerentes à sua introdução, sabendo que só voltaria a sair na melhor das hipóteses 120 dias depois, fosse vender ou ceder o estupefaciente que iria precisar para consumir.

Y – Isto porque, como será do conhecimento geral, e até referido no próprio acórdão recorrido, o estupefaciente dentro das prisões é um “bem” escasso, logo, quem tem em pequenas quantidades e consome diariamente, como era o caso do arguido, não vende nem cede, guarda, esconde e consume.

Z – Não esquecendo que se o vendesse, dispensasse ou cedesse, posteriormente iria ter que voltar a comprar por um preço bem mais alto e muito provavelmente de qualidade mais duvidosa, em relação ao produto que tinha já na sua posse.

AA – Logo, qual seria o interesse de um consumidor habitual vender, dispensar ou ceder, o estupefaciente que nem chegaria para o seu consumo dos 120 dias? AB – Fica claramente demonstrado que a quantidade de estupefaciente apreendida ao arguido, 18,554 gramas, apesar de ser dentro da prisão, por este ser um consumidor habitual, só poderia ser para seu exclusivo consumo.

AC – Motivo pelo qual o Digníssimo Procurador do M.P, nas suas Doutas Alegações, refere que deva ser considerado como provado que toda aquela droga que não chega a 20 gramas, se destinasse ao consumo do arguido. CD 20210201103831_104856 minuto - 2.29-2.58.

AD – E nessa sequencia ter o Digníssimo Procurador Do M.P, nas suas Doutas Alegações, requerido que o arguido fosse condenado apenas por um crime de consumo. CD 20210201103831_104856 minuto – 2.19 – 2.28.

AE – Ao invés de ser condenado pelo crime que vinha acusado, um crime de tráfico de estupefacientes, p.p pelo disposto nos arts. 21.º n.º 1 e 24.º h) do decreto lei n.º 15/93 de 23-01, por referencia à tabela 1-A anexa ao citado diploma legal.

AF – Não existe uma única prova, documental ou testemunhal, que infere que o estupefaciente encontrado na cela do arguido não fosse para o seu consumo, e o arguido confirmou em audiência de julgamento que o estupefaciente era apenas para seu consumo.

AG – Foi dado como provado pelo acórdão recorrido que os companheiros de cela do arguido não eram consumidores de estupefaciente.

AH – De acordo com as declarações do arguido em sede de audiência de julgamento o mesmo explicou como consumia o haxixe.

AI – Á noite, dentro da casa de banho, ou seja, sozinho dentro da sua cela e dentro da casa de banho, logo sem qualquer contacto com a demais população prisional, evitando desta forma o risco de trafico ou cedência de estupefaciente.

AJ – O arguido só tinha contacto com o estupefaciente á noite quando recolhido na sua cela e dentro da casa de banho, evitando também desta forma ser visto pelos guardas com o estupefaciente.

AK – Por ultimo a questão da aplicação da qualificação do artigo 24.º h) do decreto-lei 15/93 de 23/01, atendendo à quantidade de estupefaciente, 18.554 gramas, apreendida dentro do estabelecimento prisional.

AL – Poderíamos concordar com o tribunal a quo quando refere que por ser dentro da prisão a quantidade tem uma maior...

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