Acórdão nº 1544/18.3T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO XAVIER
Data da Resolução30 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1. U…, instaurou acção comum contra RS Real Estate (Activities) LLC, e E…, com vista ao exercício de direito de preferência na compra do imóvel adquirido pelo 2º R. à 1ª R..

Para tanto, alegou, em síntese, que é proprietária de dois imóveis que se encontram onerados com uma servidão de passagem a favor do prédio adquirido pelo réu Egon e vendido pela ré RS.; que, para além de o prédio transaccionado entre os RR. não ter acesso à via pública, tendo de ser feita passagem pelos seus para lhe aceder; que a servidão existe por ter sido constituída por destinação do pai de família, uma vez que todos os imóveis faziam parte de um único prédio, maior, que anteriormente pertencia ao mesmo dono; que, ainda que assim não se considerasse, então existiria uma servidão por usucapião a favor do dito prédio do réu vendido; e que, atenta a existência de servidão, tem direito de preferência a seu favor na alienação do referido prédio, o qual não foi respeitado, posto que os réus venderam o imóvel um ao outro e não a notificaram para preferir, com conhecimento dos elementos essenciais do negócio.

Concluiu, pedindo que se declare: a) Que foi constituída uma servidão de passagem por destinação do pai de família, nos termos do artigo 1549º do Código Civil, a favor do prédio do 2º R sobre os prédios da A; Ou, caso assim não se entenda, b) Que os prédios da A. se encontram onerados com uma servidão de passagem a favor do prédio do 2º R., constituída por usucapião; c) Que a A. é titular de um direito real de preferência na venda do prédio rústico identificado em 4 e 5, nos termos do artigo 1555º do Código Civil; d) A substituição do 2º R, pela A, na titularidade do direito de propriedade sobre o referido prédio objecto da compra e venda pela 1ªR, ao 2º R.; e) O cancelamento do registo do direito de propriedade a favor do 2ºR feito pela inscrição/Ap. 2.486, de 2017/10/02, a favor do 2º R., do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o nº 196 e a sua substituição por um registo de propriedade a favor da A.

  1. A R. RS Real Estate (Activities) LLC contestou, alegando que a A. teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio por conversa com o réu Egon ainda em Setembro de 2017, mostrando-se caducado o direito de acção, pois quando a mesmo foi intentada, em 8 de Junho de 2018, já tinham decorrido os seis meses previstos na lei para o efeito.

    Quanto ao mais, alegou que não existe servidão a favor do prédio vendido, antes existindo no local um caminho público, utilizado por todos para transitar por ali, até para além do prédio vendido, pelo que, atenta a natureza pública do caminho, não assiste à demandante o invocado direito de preferência.

  2. O R. E… contestou separadamente, arguindo também a excepção da caducidade e que não existe servidão a favor do prédio vendido, mas sim um caminho público, concluindo que não assiste à demandante o pretendido direito de preferência.

    Alegou ainda que o depósito feito pela A. não pode ser aceite, posto que não engloba as despesas que teve com IMT, Imposto de selo, emolumentos de registo e custos notariais, tudo no total de € 3.648,37.

  3. A A. respondeu, pugnando pela improcedência da excepção de caducidade, uma vez que não lhe foi feita qualquer comunicação contendo os elementos essenciais do negócio, nomeadamente da parte do vendedor, que era quem a isso estaria obrigado.

    Em sede de saneamento foi decidido relegar para final o conhecimento da invocada excepção de caducidade.

  4. Realizada a audiência final veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu julgar improcedente a excepção de caducidade e a presente acção procedente e declarar: - Que foi constituída uma servidão de passagem por destinação do pai de família, nos termos do artigo 1549º do Código Civil, a favor do prédio rústico situado em Pincho, União de Freguesias de Bensafrim e Barão de São João, Concelho de Lagos, composto por cultura arvense, matos e sobreiros, inscrito na matriz predial rústica, sob o Artigo nº … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, com o número … os prédios A referidos no nº 1 dos factos provados; - Que a A. é titular de um direito real de preferência na venda do prédio rústico situado em Pincho, União de Freguesias de Bensafrim e Barão de São João, Concelho de Lagos, composto por cultura arvense, matos e sobreiros, inscrito na matriz predial rústica, sob o Artigo nº …da Secção B e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, com o número … onde se encontra, actualmente, inscrito a favor do 2º R., Egon, pela Ap.2486, de 02/10/2017, pelo preço de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros).

    - A substituição do 2º R, pela A, na titularidade do direito de propriedade sobre o referido prédio rústico situado em Pincho, União de Freguesias de Bensafrim e Barão de São João, Concelho de Lagos, composto por cultura arvense, matos e sobreiros, inscrito na matriz predial rústica, sob o Artigo nº …da Secção B e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, com o número …; - O cancelamento do registo do direito de propriedade a favor do 2ºR feito pela inscrição/Ap. 2.486, de 2017/10/02, a favor do 2º R., do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o nº … e a sua substituição por um registo de propriedade a favor da A.

  5. Inconformado veio o R. E… interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das respectivas conclusões]: 1.ª O recorrente considera incorrectamente julgados os pontos 4) e 5) dos factos provados, pois o Tribunal a quo não colheu com segurança as declarações do recorrente e das testemunhas M… e W…, fundando a decisão dessa matéria de facto, sobretudo pelo facto de não haver para considerar uma das versões apresentadas ser mais credível do que a outra; 2.ª Face à prova produzida, designadamente das declarações de parte do recorrente, bem como, das testemunhas M… e de W…, houve da parte do Tribunal a quo, uma má apreciação da prova produzida; 3.ª O depoimento do recorrente, que foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas M… e W…, mostrou um relato autêntico e espontâneo, tendo procedido a uma contextualização pormenorizada e plausível dos vários contactos e conversas mantidos com a recorrida, o qual colhe uma credibilidade acrescida ao seu depoimento, em contraposição com um relato seco, defensivo e genérico efectuado pela recorrida; 4.ª Em face do depoimento do recorrente ouvido na sessão de 11/09/2019, da audiência final, que se encontra gravado (cfr. minuto 5:56 a 11:56; minuto 12:53 a 13:28; minuto 13:41 a 17:00 e minuto 34:12 a 37:35), das testemunhas M…(cfr. minuto 3:35 a 10:01) e W… (cfr. minuto 2:05 a 10:15), ouvidas na sessão de 11/09/2019 da audiência final que se encontra gravado, deveria ter sido considerado como provado no ponto 4) dos factos provados que, “Antes da outorga da escritura de compra e venda do terreno identificado em 2 destes factos provados, foi a A. por duas vezes informada, verbal e informalmente, pelo R. Egon, de que o mesmo lhe iria ser vendido pelo preço de € 55.000,00, o que voltou a acontecer, cerca de dois meses após a compra, quando o 2º Réu se deslocou ao terreno com a sua namorada, tendo conversado com a autora, a quem informou de que tinha outorgado escritura pública de compra e venda com o Sr. Robert Snapper, conforme lhe havia já transmitido antes.”; 5.ª Em face dos depoimentos do recorrente (cfr. minuto 13:41 a 17:00) e da testemunha M… (cfr. minuto 3:35 a 10:01), o ponto 5), dos factos provados deveria ter sido considerado como não provado pelo Tribunal a quo, e nessa medida, ter sido considerado como provado, que, “Em data anterior a 29 de Setembro de 2017, a A. tomou conhecimento verbal pelo R. E… da data da venda, e dos restantes elementos essenciais da alienação (preço e identidade do comprador).” 6.ª A credibilidade do depoimento do recorrente, tem de ser aferido em concreto e não em observância de máximas abstractas pré-constituídas, sob pena de estarmos a esvaziar a utilidade e a potencialidade do depoimento prestado pela parte nos autos.

    7.ª Num sistema processual civil, em que o cerne da questão é a busca da verdade material, relativamente aos factos trazidos ao processo pelas partes, a aferição de uma prova sujeita a livre apreciação, não pode ser condicionada a máximas abstractas pré-assumidas quanto à sua pouca uma muita credibilidade, mesmo se venha a tratar de declarações de parte; 8.ª O tribunal a quo na sua decisão recorrida considerou incorrectamente improcedente a excepção de caducidade invocado pelo recorrente; 9.ª A recorrida teve conhecimento da venda, do preço e da identidade do comprador (recorrente) em data anterior a 29 de Setembro de 2017, mais concretamente dois meses antes, na véspera da outorga da escritura de compra e venda (28 de Setembro de 2017), no próprio dia da outorga da escritura de compra e venda (29 de Setembro de 2017), e cerca de dois meses após essa data; 10.ª Os “Elementos essenciais da alienação para efeitos do decurso do prazo de caducidade previsto no artº 1410º, do CC, em casos como o dos autos, são o conhecimento da venda, o preço e a identidade do terceiro adquirente e isto porque concretizado o projecto de venda, com a realização da escritura de compra e venda, o prazo para a realização da escritura, a data do pagamento do preço e a modalidade de pagamento não relevam para a acção de preferência que tem como condição o depósito do preço nos 15 dias seguintes à propositura da acção e visa a substituição do preferente ao estranho adquirente, ou seja, a acção de preferência tem data e modalidade de pagamento próprios e dispensa a realização de nova escritura pública.” – Ac. TRE, de 12/07/2018, proc. 2382/11.0TBSTR.E1, Francisco Matos, disponível em www.dgsi.pt (cfr. no mesmo sentido Ac. TRE, de 07/11/2019, 1350/12.9TBTNV.E1, Jaime Pestana, disponível em www.dgsi.pt); 11.ª Ao contrário do que é...

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