Acórdão nº 967/19.5T8ABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução26 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum singular que correm termos no Juízo Local Criminal de Abrantes, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, com o n.º 289/02.0GTSTR, foi proferido despacho de não recebimento da acusação particular apresentada pela assistente (...) contra a arguida (...), em virtude de a ter considerado manifestamente infundada, com fundamento na falta de indicação dos elementos subjetivos do crime de injúria imputado à arguida em tal peça processual.

Inconformada com tal decisão, veio a assistente interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “a) A honra é a dignidade subjectiva, ou seja, o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui. Dizem assim respeito ao património pessoal e interno de cada um – o próprio eu b) No que respeita ao tipo subjectivo, não é necessário que haja dolo específico de ofender a honra ou consideração, basta aqui o dolo genérico, enquanto conhecimento ou consciência por parte do agente de que as expressões ou palavras que utiliza podem ofender a honra ou consideração da pessoa visada e de que tal conduta é proibida por lei.

  1. A AP em apreço poderá não ser modelar em matéria de imputação à arguida da intenção, mas, descreve factualidade temporal e espacialmente localizada, objectivamente lesiva da honra e consideração da recorrente, nela estão narradas as expressões ofensivas, as circunstâncias em que foram dirigidas à assistente, a actuação livre da arguida d) De tal exposição factual resulta a consciência do carácter ofensivo das palavras proferidas, associadas à vontade de as proferir, o que se mostra, em nossa opinião, suficiente para, vindo a comprovar-se, perfectibilizar o tipo legal de crime em causa.

  2. A ilicitude do tipo de ilícito em apreço, é de todos conhecida, mostra-se, mesmo, contrário à experiência e à realidade da vida, pôr em dúvida se o agente sabe que é proibido injuriar.

  3. A mera tentativa de uniformização do jargão judiciário e de facilitação do labor dos profissionais forenses, não pode transformar-se em fórmula sacramental, perante cuja ausência tudo soçobra e nada faz sentido.

  4. A AP em causa cumpre os requisitos elencados no nº3 do art.º 285º do CPP, designadamente quanto ao elemento subjectivo, desde logo, no art.º 9 quando se afirma que “A arguida sabe que, com tal comportamento, viola bens jurídicos protegidos legalmente, designadamente a honra e a dignidade da aqui assistente e o próprio direito de propriedade desta” continuando, no art.º14º:“Agiu de forma ínvia e astuciosa, pretendendo descredibilizar a aqui assistente” e ainda o próprio art.º15º quando se diz “Aderindo ao perigo de assim vir a ofender os direitos de identidade e personalidade da assistente, constitucionalmente protegidos e legalmente acautelados, por antecipação, nas exigências da lei substantiva penal.” h) Com todo o respeito andou mal a Mm Juiz ao considerar a ausência de factualidade relativa ao elemento subjectivo do crime, pois não olvida a recorrente que para que exista crime, necessário é o elemento objectivo e o elemento subjectivo.

  5. Andou mal o Tribunal a quo, ao rejeitar a AP, que o MP acompanhou, “por esta não conter, como devia, a descrição do respectivo elemento subjectivo” j) Por fim, sempre se dirá que, atendendo à factualidade vertida na AP, nada obsta que o Tribunal colmate, eventuais imperfeições, na audiência de discussão e julgamento, completando a respectiva descrição.

  6. Assim, e por todo o expendido deverá a decisão de rejeição da AP, ser revogada e consequentemente, ser substituída por outra que receba a AP apresentada pela assistente e acompanhada pelo MP, com as legais consequências l) Tudo por a decisão colocada em crise violar os normativos legais plasmados nos art.º 311º, nº2 al. a) e nº3 al. d), 283º nº3 al. b) ex vi art.º 285º nº3 todos do CPP e art.º 180º e 181º do CP..” Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que receba a acusação particular por si apresentada.

*O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, o Ministério Público, pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões: “1.

O dolo é composto pelo elemento intelectual e pelo elemento volitivo, devendo ambos estar presentes na acusação, não podendo a sua integração ser feita na fase de julgamento, e não podendo nenhum destes elementos ser presumido, tem que ser alegada na acusação a vontade e a intenção de cometer o facto sob pena de violação do direito de defesa.

  1. A assistente, na acusação deduzida, imputou à arguida uma atuação consciente que sabia ser proibida e punida, mas não livre e voluntária, ficando por saber, a vontade e intenção da arguida e se podia ter agido de outro modo.

  2. Referir que a arguida “agiu de forma ínvia e astuciosa”, não releva, sempre com ressalva do respeito devido por diversa opinião, para efeitos da arguida querer a realização do facto, ou seja, não demonstra a razão de atuação da arguida, da sua intenção de agir daquele modo.

  3. Até porque, o adjetivo “ínvio”, significa “intransitável”; e astucia significa “habilidade, esperteza”, que em nada se coadunam a caracterizar a vontade de atuação relativamente a um crime de injúria.

  4. A acusação está votada ao insucesso, pois que os factos que integram o seu objecto não constituem crime por não preencherem, integralmente, o tipo de ilícito imputado, sendo manifestamente infundada, nos termos do disposto na alínea d) do nº 3 do art.º 311º do C.Processo Penal, constituindo motivo de rejeição nos termos da alínea a) do nº 2 do referido artigo..”*Também a arguida, contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

*O Exmo. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da sua improcedência.

*Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal...

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