Acórdão nº 779/21.6T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelELISABETE VALENTE
Data da Resolução28 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório.

Nos presentes autos, P…, residente no …, em Coimbra, intentou, sob a forma de processo especial, a ação de acompanhamento de maior em benefício de V…, divorciado, NIF …, reformado, residente em …, Setúbal, pedindo a sua nomeação como acompanhante do seu pai, que entende não estar em condições de gerir o seu património e a sua pessoa desde que lhe foi diagnosticado um deficit cognitivo de tipo amnésico, razão pela qual entende também que deve ser suprida a autorização do beneficiário para a propositura da ação e aplicada a medida provisória de internamento civil no Lar M.H.A.S em Setúbal.

Pediu ainda a constituição de conselho de família composto por C… (filha do beneficiário) e A… (irmão do beneficiário), entendendo que M… (companheira do beneficiário) obstaculiza contactos entre a família, não devendo integrar o referido conselho.

O beneficiário foi pessoalmente citado, constituiu mandatária e apresentou contestação, defendendo-se com a invocação de exceção dilatória de ilegitimidade ativa do requerente para propor a presente ação sem colher a sua autorização, impugnando toda a factualidade quanto ao seu estado de saúde e capacidade em geral, pedindo a improcedência da ação.

Foi agendada a audição do beneficiário, sem suprir previamente a autorização deste, por se entender que, em face das circunstâncias do caso concreto, para dar cumprimento ao disposto no artigo 141.º do Código Civil, o Tribunal carecia de ouvir o beneficiário para aferir da sua capacidade e discernimento para autorizar (ou não) a propositura da ação.

Oficiou-se o RENTEV para informar sobre a existência de testamento vital e/ou procuração para cuidados de saúde.

Procedeu-se à audição do beneficiário, nos termos do artigo 898.º do Código do Processo Civil (conforme auto).

Foi proferida sentença, que julgou a presente ação procedente e, em consequência, decidiu:

  1. Decretar o acompanhamento do maior V…, reformado, residente em Rua …, em Setúbal.

    B) Aplicar, em benefício do acompanhado, medidas de representação especial e intervenção em termos de ASSISTÊNCIA, SUPERVISÃO E CUIDADOS DE SAÚDE, no AUXÍLIO AO NÍVEL DAS COMPETÊNCIAS DE GESTÃO PATRIMONIAL e de AJUDA NA AUTONOMIZAÇÃO PESSOAL, com vista a assegurar o seu bem-estar, configurando as seguintes medidas: MEDIDA 1 – ASSISTÊNCIA NOS CUIDADOS DE SAÚDE: deveres de cuidado com vista ao acompanhamento, marcação e cumprimento da terapêutica medicamente indicada e outros tratamentos médicos que sejam propostos ao beneficiário como tendentes a melhorar a sua patologia ou condição (incluindo a à submissão do beneficiário a programas de reabilitação cognitiva e neuropsicológica), devem ser decididos pela acompanhante que com ele resida, promovendo esta o envolvimento e adesão do beneficiário às terapêuticas propostas.

    MEDIDA 2 – GESTÃO PESSOAL SUPERVISIONADA: impõe-se a necessidade de deveres de supervisão das atividades do quotidiano do beneficiário, mantendo-se, na medida do possível a sua autonomização, incentivando-se o uso do chamado dinheiro de bolso, a ida ao supermercado de forma autónoma, a preparação supervisionada das refeições e o auxílio na escolha de indumentária e organização quotidiana, supervisão essa que deve ser feita pela acompanhante que com ele resida.

    MEDIDA 3 – GESTÃO PATRIMONIAL: a tomada de decisão em relação a processos administrativos junto das repartições públicas, devem ser feitas com o apoio de ambas das acompanhantes em união de esforços e em sintonia, a quem se atribui poderes de representação legal para, em nome e interesse do acompanhado, realizar todos os atos necessários perante Autoridade Tributária, Caixa Geral de Aposentação, Segurança Social e outros.

    MEDIDA 4 – GESTÃO PATRIMONIAL: A gestão e administração (incluindo movimentos, levantamentos, transferência bancária) das contas bancárias de que o beneficiário possa ser titular, são feitos por decisão conjunta do beneficiário e de ambas as acompanhantes.

    MEDIDA 4 – GESTÃO PATRIMONIAL: o apoio na negociação e celebração de contratos, sejam eles de prestação de serviços, de concessão de crédito ou outros que impliquem oneração do património do beneficiário (em tudo o que ultrapasse os atos correntes do quotidiano), devem ser feitos por decisão conjunta do beneficiário e de ambas as acompanhantes.

    MEDIDA 5 -AUTONOMIZAÇÃO PESSOAL: impende sobre as acompanhantes o dever de informar o Tribunal de qualquer alteração que justifique a revisão da medida de acompanhamento, ou de causa que fundamente a extinção da medida, devendo o beneficiário ser incluído no processo decisório o mais possível, como forma de se sentir útil e autónomo.

    C) Limitar, em benefício do acompanhado, os seguintes exercícios de direitos pessoais: c.i para os efeitos do disposto no artigo 2189.º, alínea b) do Código Civil, o beneficiário é incapaz de testar; c.ii para os efeitos do artigo 5.º, n.º 1 alínea c) e n.º 3 da Lei da Saúde Mental [Lei n.º 36/98, de 25 de julho], a presente decisão limita o exercício do direito de decidir receber ou recusar as intervenções diagnósticas e terapêuticas que venham a ser indicadas ou propostas (em sintonia com a medida 1); c.iii para os efeitos do artigo 85.º, n.º 4 do Código Civil, fixa-se o domicílio do beneficiário na Rua …, em Setúbal.

    D) Nomear para as funções de acompanhante de V… as seguintes pessoas: d.i) a sua companheira M…, de 73 anos de idade, residente na Rua …, em Setúbal, a quem caberá proporcionar o apoio e a supervisão necessários ao governo da vida pessoal do beneficiário, providenciar relativamente a todas as questões que se prendam com a saúde do beneficiário, incluindo a decisão de aceitação e recusa de intervenções diagnósticas e terapêuticas que lhe venham a ser indicadas e propostas (sem prejuízo do art. 148.º do Cód. Civil), bem como em relação a todas as questões que digam respeito à gestão do dinheiro de bolso e do quotidiano doméstico (pagamento das contas da casa, da empregada, do supermercado, da farmácia, entre outras).

    d.ii) a sua filha C…, residente na Rua …, em Setúbal, a quem caberá a gestão do património do beneficiário, a outorga de documentos junto de instituições e solicitação de documentação oficial relativos ao beneficiário, incluindo o acompanhamento das contas bancárias de que o beneficiário seja titular, das quais deverá ser constituída como co-titular.

    E) Fixar um regime de visitas entre o acompanhado e todos os membros da sua família (de sangue e/ou afetiva), sendo que no caso da acompanhante M…, como reside com o beneficiário não se impõe um regime de visitas, mas se exorta a promover e incentivar o contacto regular do beneficiário com os seus filhos, netos e irmãos, bem como os demais membros da família, seja através de meios de comunicação à distância, seja presencialmente, não havendo qualquer razão, nem mesmo pandémica, para evitar contactos do beneficiário com a sua família.

    Por seu turno, a acompanhante C… deverá colaborar com a companheira do seu pai sempre que lhe seja solicitado e necessário ao bem-estar do beneficiário, visitando-o, no mínimo, com uma periodicidade mensal, porquanto não residem na mesma casa, mas na mesma cidade.

    Deverá ser ainda organizado com uma periodicidade mensal visitas do beneficiário com o seu filho P…, como forma de incentivar e promover o reatar de laços que se quebraram, mas que são importantes para o bem-estar familiar e para a saúde do acompanhado, sempre buscando a sua adesão.

    F) Determinar a constituição do Conselho de Família, nomeando P… (filho do beneficiário), residente no …, em Coimbra para o cargo de protutor/1.º vogal e A… (irmão do beneficiário), residente na …, em Setúbal; para o cargo de 2.º vogal.

    G) Determinar que as medidas serão eficazes a partir da data da notificação da presente sentença.

    H) Dispensar a publicidade da decisão, sem prejuízo do seu registo/comunicação.

    I) Fixa-se à ação o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).

    Inconformado com a sentença, o requerente interpôs recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): «

    1. Na sentença recorrida a Mmª. Juíza indeferiu as diligências de prova requeridas pelo ora recorrente em 17.5.2021, omitiu pronúncia quanto aos meios de prova requeridos na petição inicial, nomeou para a função de acompanhante de V… e determinou a data da notificação da decisão como a data do início das incapacidades.

    2. Salvo o devido respeito, sem razão ou fundamento legal, como tentaremos demonstrar. Assim: c) na petição inicial, o ora recorrente requereu, para além do mais, que fosse decretado o acompanhamento do maior V…, a nomeação do ora recorrente como seu acompanhante e que o Conselho de Família fosse constituído pela filha e irmão do beneficiário, C…, respectivamente.

    3. Face ao teor da sentença recorrida, que, para além do mais, nomeu como acompanhante nos cuidados de saúde, gestão pessoal supervisionada unicamente a Srª Dª M… e como acompanhantes na gestão patrimonial e autonomização pessoal a Srª Dª M… e a Srª Drª C…, em detrimento do ora recorrente, indeferiu as diligências de prova requeridas pelo ora recorrente em 17.5.2021, omitiu pronúncia quanto aos meios de prova requeridos na petição inicial, e determinou a data da notificação da decisão como a data do início das incapacidades, é a mesma, quanto a tais questões, desfavorável ao ora recorrente, sendo, por isso, recorrível, nos termos do disposto no artº 629º, nº 1, do CPC.

      Do indeferimento das diligências de prova requeridas em 17.5.2021 pelo ora recorrente e da omissão de pronúncia quanto às diligências de prova requeridas na petição inicial: e) na petição inicial e em diversos requerimentos por si apresentados nos autos, o ora recorrente alegou que o cargo de acompanhante do beneficiário (seu pai) lhe deveria ser atribuído, por ser quem está em melhores condições para o auxiliar e acompanhar.

    4. Dado que tal matéria de facto é absolutamente essencial nos presentes...

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