Acórdão nº 225/16.7T8FAR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO M… e V… intentaram a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, pedindo que: a) os autores sejam declarados donos e legítimos proprietários de um prédio urbano, sito no Núcleo do Farol Nascente da Ilha da Culatra, da freguesia da Sé, concelho de Faro, com a área total não inferior a 140,40m2, a determinar com maior precisão nos autos, composto por: i) edifício térreo com a área de implantação mínima de 63,92m2, sendo composto por alpendre frontal, zona de estar, 3 quartos, casa de banho, cozinha e duas arrecadações, área de duche e BBQ e respetivo subsolo e espaço aéreo; ii) área descoberta com a área mínima de 76,48m2, composta por alegrete frontal, área pavimentada frontal e lateral, área arenosa (jardim) e pátio traseiro e respetivo subsolo e espaço aéreo; iii) situado no arruamento denominado Rua … e com o número de porta …, confrontando a norte com Ma…, a sul com J…, a nascente com passagem denominada Rua --- e a poente com passagem denominada Rua …, b) seja ordenada a consequente inscrição do prédio a favor dos autores na Conservatória do Registo Predial de Faro e condenando-se o Estado Português a reconhecer e a respeitar na sua plenitude o direito de propriedade sobre o imóvel identificado em a).

Alegaram, em síntese, que no ano de 1976 ocuparam uma parcela de terreno no referido Núcleo do Farol Nascente da Ilha da Culatra e nela iniciaram a construção de um edifício, concluída em agosto de 1977, exercendo ininterruptamente a sua posse, através de atos concretos que indicam, à vista de todos e sem oposição, com conhecimento das autoridades e convicção que não pertencia a ninguém e que atuavam como proprietários, sendo reputados como tal.

Mais alegam que a ilha da Culatra é uma formação natural de terra, rodeada de água, uma ilha no sentido próprio, não se subsumindo ao conceito de leito, não pertencendo ao domínio público do Estado, encontrando-se os autores impedidos de dar início ao processo administrativo de delimitação desse domínio por inércia do Estado Português.

A Sociedade Polis Litoral Ria Formosa- Sociedade para a Requalificação e Valorização da Ria Formosa, S.A. veio deduzir incidente de intervenção acessória como assistente do réu, intervenção que foi admitida, apresentando contestação na qual, em suma, impugna na generalidade os factos alegados, concluindo pela falta de condições de procedência da ação, por se tratar de terreno pertence ao domínio público do Estado e insuscetível de aquisição por usucapião, sendo os autores meros detentores que se aproveitaram da tolerância do titular do direito, inexistindo licenciamento da construção realizada, impossibilidade legal de desanexação do prédio e oposição do Estado interruptiva do prazo estabelecido na lei para a aquisição por usucapião.

O réu Estado Português, representado pelo Ministério Público, contestou, impugnando a generalidade dos factos alegados pelos autores, concluindo pela falta de condições de procedência da ação, em virtude de o terreno integrar o domínio público do Estado e ser insuscetível de aquisição por usucapião, inexistindo licenciamento das construções realizadas.

Foi determinada a avaliação do prédio objeto dos autos e, após alteração do valor da causa, declarou-se o Juízo Local Cível de Faro incompetente, em razão do valor, sendo o processo remetido ao Juízo Central Cível de Faro, tendo sido distribuído ao Juiz 3.

Realizou-se audiência prévia na qual, após debate, foram as partes notificadas que se encontravam reunidos os elementos para conhecer do mérito da ação, tendo as mesmas remetido para as posições que haviam assumido nos respetivos articulados.

Foi proferido saneador-sentença que julgou a ação improcedente.

Os autores interpuseram recurso daquela decisão, com êxito, tendo este Tribunal da Relação, por acórdão de 17.01.2019, revogado a decisão proferida e determinado a sua substituição por outra que identificasse o objeto do litígio e enunciasse os temas da prova, seguindo os autos para a fase de julgamento.

Baixados os autos à 1.ª instância foi realizada nova audiência prévia no âmbito da qual foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Em face do falecimento da autora foram habilitados como seus herdeiros o autor V… e M….

Realizou-se a audiência final, tendo sido proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o réu Estado do pedido.

Inconformados, os autores apelaram do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões (aperfeiçoadas)[1] que se transcrevem:

  1. A douta sentença padece de nulidades e erra no julgamento da matéria de facto e na aplicação do direito.

  2. A douta sentença ao tomar em consideração o fundamento retirado do livro de “Estudo do Meio”, 4º ano, edições Gailivro, edição de janeiro de 2017, p.106 da autoria de Carlos Letra e Ana Margarida Afreixo que não foi examinado em audiência e que por isso não foi sujeito a contraditório, consubstancia o recurso pelo Tribunal, a um meio de prova autónomo, exterior ao processo, com o qual veio a formar a sua convicção sobre uma questão fundamental a decidir, e que teve influência na ponderação realizada pelo Tribunal dos meios de prova sujeitos a contraditório, consubstanciando assim uma violação do princípio do contraditório (art.º 3.º, n.º 3 C.P.C.); e por ter tido influência no exame e decisão da causa, constitui a nulidade processual, prevista no art.º 195.º, n.º 1 C.P.C., a qual pode ser arguida em sede de recurso. A decisão recorrida é assim nula, devendo assim ser revogada na sua íntegra.

  3. Por outro lado, a consideração pelo Tribunal da existência de caso julgado que segundo a douta sentença se terá formado relativamente à presente causa por via do trânsito em julgado dos Acórdãos do TRE proferidos nos processos n.ºs 1003/16.9T8FAR, 761/16.5T8FAR, 2620/16.2T8FAR e 1146/16.9T8FAR., processos relativamente aos quais os recorrentes são completamente alheios e aos quais nunca até à notificação da douta sentença recorrida lhes foi dado conhecimento da existência ou do decidido nos mesmos e que aqueles processos iriam ser utilizados pelo Tribunal para fundamentar a decisão de mérito da presente causa, constitui uma decisão surpresa, e consequentemente uma violação do princípio do contraditório e causa de nulidade da sentença nos termos sobreditos na conclusão anterior.

  4. Impõe-se corrigir os factos provados elencados nos n.ºs 14 a 19 que não se encontram situados no tempo, sendo esta correção da primordial importância para a pretensão dos recorrentes e para a aplicação do direito ao caso concreto mediante a reapreciação dos depoimentos das testemunhas S… (gravação com a Ref.ª 20191217094554_3961906_2870816), A… (gravação com a Ref.ª 20191217103847_3961906_2870816), Jo… (gravação com a Ref.ª 20191217112936_3961906_2870816), T… (gravação com a Ref.ª 20191217120646_3961906_2870816), JC… (gravação com a Ref.ª 20191217122251_3961906_2870816), todos prestados em 17 de Dezembro de 2019, as quais, tendo todas deposto de forma coerente e sem contradições, referiram expressamente por palavras suas, que desde o início da construção em alvenaria e que depois de concluída a construção desta e até à atualidade, que são os AA. que, com exclusão de outrem e de forma ininterrupta, praticam aqueles factos, utilizado a totalidade da área ocupada que se encontra vedada e a construção, atuando à imagem de proprietários da mesma, concretizando em que medida, e sempre à vista de todos, pessoas privadas e entidades policiais e administrativas, sem qualquer oposição de quem quer que seja.

  5. Deveria assim ter sido dado como provado que a prática dos atos elencados em 14 a 19 da douta sentença começaram a ser praticados em 1976 perdurando até à atualidade.

  6. Apesar de alegado nos art.ºs 15.º, 19.º e 23.º da p.i., não consta da sentença recorrida qualquer referência ao facto dos atos de delimitação/ocupação e construção terem sido realizadas à vista das autoridades policiais e administrativas com jurisdição marítima, tratando-se de facto de primordial importância para a pretensão doa AA.. A realidade deste facto resulta claramente dos depoimentos das testemunhas dos AA. já referidas S… (gravação com a Ref.ª 20191217094554_3961906_2870816), A… (gravação com a Ref.ª 20191217103847_3961906_2870816), Jo… (gravação com a Ref.ª 20191217112936_3961906_2870816), T… (gravação com a Ref.ª 20191217120646_3961906_2870816), JC… (gravação com a Ref.ª 20191217122251_3961906_2870816), todos prestados em 17 de Dezembro de 2019, as quais, repita-se, com conhecimento direto, de forma credível porque coerente e sem contradições e de forma unânime declararam, que: a. o embarque dos materiais de construção utilizados na construção foi realizado no cais de Olhão no ponto onde existia uma guarita com efetivos da Guarda Fiscal (GF); b. os Guardas Fiscais que se encontravam no cais de Olhão sabiam perfeitamente que os materiais que embarcavam (tijolos, ferro, madeira de cofragem, areia, auxílios à construção, materiais de acabamento) se destinavam à construção nas ilhas e que não impediram o transporte dos materiais; c. que no núcleo da Ilha da Culatra existia um posto da GF em pleno funcionamento e que aqueles militares andavam sempre em patrulha pela Ilha do Farol; d. que a construção dos AA. foi construída de dia, às claras, pelo que era do conhecimento de todos, inclusivamente das autoridades (policiais e administrativas com jurisdição marítima); e. que os guardas fiscais inclusivamente orientavam o alinhamento das construções dos ocupantes.

  7. A prova deste facto resulta também da prova conjugada destes depoimentos, com o referido em D) e com a aceitação especificada pelo R. Estado Português (vide art.º 5.º da contestação desta R.) e pela assistente (vide art.º 13.º da contestação desta) dos factos alegados pelos AA. nos art.ºs...

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