Acórdão nº 612/19.9GDPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Março de 2021
Magistrado Responsável | JO |
Data da Resolução | 23 de Março de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO
Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 612/19.9GDPTM, do Juízo Local Criminal de Portimão (Juiz 1), em que é arguido LML, foi decidido, por despacho datado de 10-07-2020, não receber a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido, por se considerar a mesma manifestamente infundada
Inconformado com essa decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões (em transcrição): “1 - O Ministério Público deduziu, nos presentes autos, acusação, em processo comum e com intervenção do tribunal singular, contra LM, imputando-lhe a prática, como autor material, de um crime de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 21º e 25º, a), do D.L. nº 15/93
2 - A Mmª Juiz rejeitou a acusação, considerando-a nula, porque na acusação não se encontra descrita a finalidade que presidia à detenção do produto estupefaciente, nada se dizendo se o arguido o destinava à venda ou cedência a terceiros ou, pelo menos, que não o destinava ao seu consumo
3 - Pelo que, a narração da acusação não continha os factos necessários ao preenchimento do tipo de crime que lhe é imputado na acusação, previsto no artigo 25º, a), do D.L. 15/93 de 22/01
4 - Sendo, por isso, a acusação manifestamente infundada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 311º, nº 2, a), e nº 3, b), do CPP, tendo sido rejeitada pela Mmª Juiz
5 - Ora, os elementos típicos objetivos, descritos no normativo, abrangem um vasto leque de atuações do agente, que vão desde a produção até à detenção do produto, quando o mesmo não se destina ao consumo
6 - Este último asserto da lei, entendido como constituindo um elemento negativo do tipo, tem levado a que se conclua que, quando não demonstrado que o produto se destina ao consumo, tem-se por presumido que se destina ao tráfico
7 - Ora, entendemos que, tratando-se de um elemento negativo do tipo de crime em apreço, tal elemento, estando subentendido na própria detenção, não tem que constar expressamente da descrição da peça acusatória
8 - Acresce que, na fase de inquérito destes autos, o arguido, em sede de interrogatório de arguido, não quis prestar declarações, no uso de um direito que lhe assiste, nos termos do artigo 61º, d), do CPP
9 - Ora, constituindo um elemento negativo do tipo - a não verificação da detenção de droga com a finalidade de consumo pessoal exclusivo -, teve-se por presumido que o produto apreendido ao arguido se destinava ao tráfico
10 - Entendemos, pois, que a acusação não é manifestamente infundada, e que mal andou o Tribunal em proferir despacho de rejeição da mesma, e que deveria ter proferido despacho de admissão da acusação pelos factos aí descritos, bem como pela qualificação jurídica aí referida
11 - Ao contrário da Mmª Juiz, consideramos que do texto da Acusação consta a descrição de todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de que o arguido veio acusado
12 - Entendemos que o despacho recorrido é ilegal, por errada interpretação do direito - artigo 25º, nº 1, a), do D.L. nº 15/93, de 22/01 -, e que deverá ser substituído por outro que admita a acusação do Ministério Público, com a subsunção jurídica ali exposta
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, consequentemente, ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que admita a acusação deduzida pelo Ministério Público”
* O arguido não respondeu ao recurso
Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo pela procedência do recurso
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta
Efetuado o exame preliminar e corridos os vistos, foi designada data para conferência
II - FUNDAMENTAÇÃO
1 - Delimitação do objeto do recurso
Uma única questão, em breve síntese, é suscitada no recurso interposto pelo Ministério Público, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal: saber se, in casu, não estando dito na acusação qual o fim a que o arguido destinava o produto estupefaciente por si detido, o tribunal a quo podia ter rejeitado a acusação, por a mesma ser manifestamente infundada (por não descrever todos os elementos do tipo legal de crime em causa)
2 - A decisão recorrida
O despacho revidendo é do seguinte teor: “DA REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO: Nos presentes autos foi deduzida acusação pública contra o arguido LML, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, al. a), ambos do DL n.º 15/93, de 22-01
Para tanto ali se alega, e em síntese, que: - no dia 13.09.2019, pelas 03h40m, na rotunda da …, no …, em …, o arguido tinha na sua posse: 5 comprimidos de MDMA (com o peso líquido de 2,490 gramas e um grau de pureza de 39%) e 4 comprimidos de MDMA (com o peso líquido de 2,010 gramas e um grau de pureza de 37,8%); - o arguido sabia que aquelas substâncias tinham natureza estupefaciente; - o arguido agiu de forma livre, consciente e deliberada, sabendo que não tinha autorização para deter, comprar, transportar, receber, vender, ceder e ou consumir MDMA, tendo representado que as quantidades que tinha na sua posse eram superiores às necessárias para o consumo médio individual de uma pessoa durante o período de dez dias; - o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei
Ora, como se estatui no art.º 283.º, n.º 3, do CPP, a acusação deve conter, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o modo, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada
Por outro lado, em conformidade com o disposto no art.º 311.º, n.º 2, al. a), e n.º 3, als. b) e d), do CPP, a acusação manifestamente infundada deverá ser rejeitada, considerando-se enquanto tal aquela que não contenha a narração dos factos ou cujos factos não constituam crime
Sendo crime o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena, cfr. art.º 1.º, al. a), do CPP, ou seja, toda a conduta que se revele como um facto típico, ilícito, culposo e punível, importa que, na acusação, se encontrem descritos todos os elementos constitutivos do crime que vem, através dela, a ser imputado ao arguido. E tais elementos constitutivos hão de corresponder, desde logo, aos elementos objetivos e subjetivos do tipo concretamente imputado
Ora, vem o arguido acusado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, al. a), ambos do DL n.º 15/93, de 22-01
Tal como decorre do preceituado no art.º 21.º, n.º 1, daquele diploma, que consagra o tipo criminal base: “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder...
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