Acórdão nº 4847/20.3T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | PAULA DO PAÇO |
Data da Resolução | 13 de Maio de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] I. Relatório B… veio intentar procedimento cautelar comum, contra N…, S.A., requerendo a condenação da Requerida: (i) a aceitar a efetiva prestação de trabalho do Requerente, nos termos em que era efetuada antes de o Requerente ser impedido de prestar o seu trabalho em 24 de junho de 2020, por o Requerente continuar disponível para se apresentar ao trabalho; (ii) a pagar ao Requerente todas as retribuições vencidas no valor total de € 3.390,00 (três mil trezentos e noventa euros), correspondente à média das retribuições liquidas que o Requerente não auferiu nos meses de julho, agosto e setembro de 2020; (iii) a pagar ao Requerente as retribuições vincendas após a data de entrada do presente procedimento cautelar e enquanto vigorar a relação laboral entre as partes; (iv) a pagar ao Requerente os juros calculados à taxa legal em vigor sobre as retribuições não pagas, desde as datas dos respetivos vencimentos e até à data do seu efetivo e integral pagamento; (v) a pagar ao Requerente, a título de danos patrimoniais, o montante de € 298,00 (duzentos e noventa e oito euros), alusivos à falta do pagamento da prestação mensal do crédito de mútuo utilizado para aquisição da casa da morada de família, bem como os juros calculados sobre essa quantia à taxa legal em vigor desde a data do respetivo vencimento (28-09-2020), e até à data do seu efetivo e integral pagamento; (vi) e a pagar uma indemnização ao Requerente para compensação de todos os danos não patrimoniais sofridos, no valor mínimo de € 5.000,00 (cinco mil euros).
Mais solicitou a aplicação à Requerida de sanção pecuniária compulsória, nunca inferior a € 500,00 (quinhentos euros), por cada dia de atraso no cumprimento da providência decretada e no pagamento das retribuições devidas.
Por fim, requereu que seja declarada a inversão do contencioso, e que, por inerência, fique o Requerente dispensado da propositura da ação principal.
Alegou, em breve síntese, que é trabalhador subordinado da Requerida e que foi constituído arguido num processo crime, no âmbito do qual, em 24 de junho de 2020, lhe foram aplicadas as seguintes medidas de coação: (i) termo de identidade e residência; (ii) proibição de contacto entre todos os arguidos e destes com os demais agentes, indivíduos e sociedades identificados nos autos.
Nesse mesmo dia, pelas 23h50m, apresentou-se no seu local de trabalho para entrar ao serviço da Requerida, tendo sido impedido de iniciar o seu trabalho, mediante a comunicação de que estava impossibilitado de cumprir a prestação de trabalho e que não se deveria apresentar mais ao serviço, pelo menos, enquanto as medidas de coação aplicadas se mantivessem inalteradas.
A Requerida também suspendeu o pagamento da retribuição ao Requerente desde o aludido dia, tendo ficado sem qualquer fonte de rendimento, tendo a seu cargo esposa e duas filhas menores.
Sustentou que a Requerida não tem qualquer legitimidade ou fundamento para o impedir de prestar o seu trabalho, bem como para se recusar a pagar-lhe as retribuições devidas, sendo o comportamento assumido, pela Requerida, ilegal, por violar os direitos do trabalhador à prestação efetiva de trabalho e ao recebimento da retribuição.
Acrescentou que a conduta da Requerida lhe causou bastantes dificuldades económicas, levando-o a suspender o pagamento da prestação mensal do contrato de mútuo que celebrou para aquisição da casa de morada de família, para além de pôr em risco o pagamento da prestação mensal pelo empréstimo concedido para a aquisição do veículo automóvel utilizado pela família. Também referiu ter sofrido danos de natureza não patrimonial, em consequência de toda a situação.
Devidamente citada, a Requerida deduziu oposição.
No essencial, referiu que a sua conduta não violou direitos laborais do trabalhador e que não se verificavam os pressupostos para o decretamento da providência requerida e para a declaração da inversão do contencioso. Pugnou pela improcedência de todos os pedidos contra si deduzidos.
Após a realização da audiência final, foi proferida a seguinte decisão: «Pelo exposto e seus fundamentos, julgo o presente procedimento cautelar intentado pelo Bruno Miguel Calção Nobre parcialmente procedente, por parcialmente provado: I. – Determina-se à Requerida a aceitar a efetiva prestação de trabalho do Requerente, nos termos em que era efetuada antes de o Requerente ser impedido de prestar o seu trabalho em 24 de junho de 2020, devidamente secundada por uma sanção pecuniária compulsória de € 300,00 (trezentos euros), por cada dia de atraso no cumprimento da providência decretada e no pagamento das retribuições devidas, após o trânsito em julgado desta decisão; II. - Condena-se a Requerida a pagar ao Requerente as retribuições que este deixou de auferir desde o dia 24 de junho de 2020 até ao trânsito em julgado da presente decisão, acrescidas de juros de mora até efetivo pagamento; III. - Condena-se a Requerida a pagar ao Requerente € 1.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos e Juros de mora, à taxa legal, a partir desta data até integral pagamento; IV. – Defere-se a formulação do pedido de inversão do contencioso e, em conformidade, dispenso o Requerente do ónus de propositura da ação principal.
V. - Absolve-se a Requerida de todo o demais peticionado (…)»- Não se conformando com o decidido, veio a Requerida interpor recurso de apelação, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões: «A. O recurso ora interposto pela Apelante versa sobre a sentença condenatória proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, a fls. …, a qual julgou procedente a pretensão dos Autores, ora Apelados e, em consequência, determinou a qual julgou parcialmente procedente a pretensão do Requerente, ora Apelado e, em consequência, determinou à Requerida, aqui Apelante, o seguinte: (i) aceitar a efetiva prestação de trabalho do Apelado, nos termos em que era efetuada antes de ser impedido de prestar o seu trabalho em 24 de Junho de 2020, devidamente secundada por uma sanção pecuniária compulsória de € 300,00 (trezentos euros), por cada dia de atraso no cumprimento da providência decretada e no pagamento das retribuições devidas, após o trânsito em julgado desta decisão; (ii) pagar ao Apelado as retribuições que este deixou de auferir desde o dia 24 de Junho de 2020 até ao trânsito em julgado da presente decisão, acrescidas de juros de mora até efetivo pagamento; (iii) pagar ao Apelado € 1.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos e juros de mora, à taxa legal, a partir desta data até integral pagamento; (iv) deferimento da formulação do pedido de inversão do contencioso e, em conformidade, dispensar o Apelado do ónus de propositura da ação principal.
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Não se conformando com a douta sentença, a Apelante dela interpõe o competente recurso.
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Acresce que, com relevância para o objeto do presente recurso, destaca-se a impugnação da decisão da matéria de facto, dado que a mesma enferma de erro na apreciação da prova e, consequentemente, não foram retiradas as conclusões que se impunham.
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Para além disso, em matéria de direito, destacam-se violações das regras inerentes aos requisitos das providências cautelares (em particular, a ausência quer do fumus boni iuris – a aparência do direito invocado, quer do periculum in mora – o perigo da demora da decisão judicial); a falta de fundamentação para o pagamento ao Apelado dos salários vencidos desde o dia 24 de Junho de 2020; e, o desrespeito das normas em matéria de inversão do contencioso, responsabilidade civil e sanção pecuniária compulsória.
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Atendendo ao objeto do presente recurso, desde já, se dão como integralmente reproduzidos para os devidos efeitos os Factos Provados constantes da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, por uma razão de economia processual.
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Nesta medida e resumidamente, de tais Factos Provados, resulta que, no dia 24 de junho de 2020, o Apelado foi sujeito ao primeiro interrogatório judicial no âmbito do processo-crime que corre termo sob o n.º 3250/18.0T9STB, no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal e foram aplicadas as seguintes medidas de coação: Termo de identidade e residência e Proibição de contacto entre os arguidos e destes com os demais agentes, indivíduos e sociedades identificados nos autos.
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Na sequência do referido interrogatório, a Apelante não permitiu ao Apelado iniciar o seu trabalho e comunicou-lhe que estava impossibilitado da prestação de trabalho, não devendo apresentar-se ao serviço, pelo menos, enquanto as medidas de coação aplicadas no mencionado processo penal se mantivessem inalteradas.
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Para além disso, a partir de tal data, a Apelante suspendeu o pagamento da retribuição da Requerente e segundo o Tribunal recorrido, a Apelante deixou de pagar as retribuições vencidas e vincendas ao Apelado após aquela data.
I. Sucede que a prova produzida pela aqui Apelante não foi tomada em consideração na decisão ora posta em crise, sendo que determinados aspetos que foram dados como não provados eram essenciais para a fundamentação da posição da Apelante, nomeadamente, os Pontos D a P dos Factos não provados.
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Ora, atenta prova testemunhal produzida em sede de Audiência Final, não pode a Apelante concordar que tais factos (essenciais para a boa decisão da causa, diga-se) tenham sido dados como não provados.
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Para tanto, sobre a forma de execução da atividade junto da Apelante, os constrangimentos do Apelado decorrentes das medidas de coação aplicadas e as limitações da Apelante relativamente à alocação do Apelado a novas funções, atente-se nos depoimentos das testemunhas A… (cujo depoimento ficou gravado e consta do respetivo suporte digital, com início de gravação em 6 de Novembro de 2020, às 15:29:08 e fim às 16:21:25) e S… (cujo depoimento ficou gravado e consta do respetivo suporte digital, com início de gravação em 6 de Novembro de 2020, às 16:23:36 e fim às 17:08:52).
L. A ser assim e ao contrário do doutamente decidido, deverá constar...
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