Acórdão nº 2077/20.3T8SLV-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO L… e J… deduziram, separadamente, embargos de executado à execução para pagamento de quantia certa contra si movida por LX INVESTMENT PARTNERS, SARL, para cobrança coerciva do valor global de €12.925,43, apresentando como título executivo uma escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, encontrando-se os mutuários em incumprimento desde 23 de janeiro de 2008.

A embargante peticionou a procedência dos embargos, alegando, além do mais, a exceção de prescrição por se aplicar ao caso o prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, atendendo a que a data do incumprimento do contrato alegada é de 23-01-2008 e a execução foi instaurada em 2020.

O embargante, por sua vez, e para além do mais, alegou a exceção de prescrição com os mesmos fundamentos, enquadrando a situação no artigo 310.º, alíneas e) e d), do Código Civil, concluindo, de igual modo, pela procedência dos embargos por prescrição total do capital e juros peticionados, bem como dos juros vincendos, ou, pelo menos, pela prescrição dos juros peticionados no valor de €7.071,45.

Nas duas contestações apresentadas, em relação à prescrição, a embargada veio defender que ao caso se aplica o prazo prescricional de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil, não se encontrando a dívida prescrita.

Foi dispensada a audiência prévia e em sede de saneador-sentença foi conhecida a exceção de prescrição, constando da parte dispositiva da decisão, o seguinte: «Pelos fundamentos acima aduzidos, o Tribunal julga as presentes oposições à execução procedentes e, em consequência, declara prescrito o crédito de que a Exequente invocou na execução, com a legal consequência de extinção da ação executiva.» Inconformada, apelou a embargada, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «1.ª No dia 23-07-1997, foi celebrado o contrato de mútuo, em que foi concedido aos Executados a título de empréstimo, a quantia de nove milhões de contos (atualmente, 44.892,00€) da qual estes se confessaram devedores.

  1. Porém, apenas foram pagas pelos Executados as prestações que se venceram até 23-01-2008, deixando de ser pagas as prestações vencidas, posteriormente, o que resultou no vencimento imediato da dívida, nos termos do artigo 781.º do Código Civil.

  2. Foi o contrato de mútuo resolvido e o bem imóvel hipotecado para garantia do pagamento da dívida vendido a terceiro, no âmbito do processo de execução fiscal nº1112200701006754, tendo sido recebida a quantia de €39.792,71, em Janeiro de 2010.

  3. Permanece assim em dívida o valor de €5.853,98, a título de capital, acrescida de juros, perfazendo o valor total de €12.925,43, conforme peticionado na ação executiva em apreço, proposta a 15 de Dezembro de 2020.

  4. Ora, o caso dos autos é um contrato de mútuo (em que o dinheiro foi logo recebido pelos Executados) e não um contrato que obrigue a uma prestação que regularmente se renova, como é o caso, por exemplo, dos pagamentos de rendas locatárias.

  5. Com efeito, ao contrário do exposto na douta sentença, não estamos aqui perante quotas e amortização do capital pagável com juros, na medida em que o contrato já não se encontra em mora, mas sim incumprido definitivamente.

  6. E nestes casos, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 17012/17.8YIPRT.C1 de 12/06/2018, disponível em www.dgsi.pt: “o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como a dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”, correspondente ao valor do capital em dívida, à data do incumprimento.” 8.ª Veja-se também neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra, Processo nº 525/14.0TBMGR-A.C1, de 26/4/2016: “No mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objeto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. g), do artigo 310º, do CC. Se, em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.” 9.ª E continua, transcrevendo Menezes Cordeiro: “a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de quotas de amortização.” (Tratado de Direito Civil, V, pág.175, 176).

  7. Citando ainda Ana Filipa Antunes: “anotando o art. 310º, refere que o prazo curto de prescrição se justifica por estarem em causa prestações periódicas, mas “este prazo vale para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo” (Prescrição e Caducidade, pág.79).

  8. Assim, “o vencimento imediato das prestações restantes, significa que o plano de pagamento escalonado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações: desfeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros. Desfeita a ligação anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e a dívida de juros ao mesmo prazo prescricional: os juros que se forem vencendo prescreverão no prazo de cinco anos, e o capital, (…) encontrar-se-á sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos.” – vide Acórdão da Relação de Guimarães, Processo nº 589/15.0T8VNF-A.G1, de 16/3/2017.

  9. Escreve ainda I. Galvão Telles que as «prestações periódicas resolvem-se em actos sucessivos (…) como a obrigação do inquilino de pagar as rendas ou a do fornecedor de fazer entregas à medida que forem solicitadas. Não se confunde com esta última categoria o caso de uma obrigação única dividida ou fraccionada em parcelas. Existe então uma prestação global que é efectuada por partes, escalonadas no tempo, as quais se dizem “prestações” num sentido especial da palavra. Pode apontar-se como exemplo uma venda a prestações ou um empréstimo de dinheiro em que se convencione o pagamento parcelado» (Direito das Obrigações, 7.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pp. 39-40).” 13.ª Escreve ainda Antunes Varela, as prestações podem ser “instantâneas, fracionadas ou repartidas, e duradouras, cabendo dentro destas as prestações de execução continuada e as prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo”.

    E acrescenta: a «distinção entre umas e outras [obrigações de prestação instantânea e obrigações de prestação continuada ou periódica] é essencial para a compreensão do disposto, entre outros lugares, nos artigos 307.º e 310.º» (Das Obrigações em Geral, vol. I., 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 1998, p. 96).

  10. Veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10-05-2018, Processo 627/16.9T8ABT-A.E1 (disponível em http://www.dgsi.pt): “A circunstância do não pagamento de uma prestação origina o imediato vencimento das demais, nos termos do art.º 781.º. A partir do momento em que uma prestação não é paga, não podemos mais falar em prestações; apenas podemos falar em dívida. É que já não há prestações a pagar.

    O citado preceito legal é fundamental para permitir distinguir as (1.º) prestações (2.º) da dívida resultante do incumprimento de uma delas. A falta de pagamento de uma implica o vencimento imediato de todas. A partir do momento em que o devedor falha o pagamento de uma, ele não deve mais prestações — seja com juros ou sem juros. A partir do dito momento, o devedor só deve o capital, acrescido dos respectivos juros moratórios. O caso não é, pois, de prestações em dívida.” 15.ª...

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