Acórdão nº 2180/19.2T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO XAVIER
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1.

Herança Ilíquida e Indivisa por Óbito de F…, representada pelo Cabeça-de-Casal C…, D…, V… e Ca…, intentaram acção comum, contra D…re, pedindo: a) Ser a Ré condenada a reconhecer o 2º, 3º e 4º Autores como únicos e universais herdeiros de F…, por via do testamento em que este os instituiu nessa qualidade; b) Ser decretada a nulidade parcial da procuração em causa nos autos, na parte em que foi declarado pelo outorgante F… conferir à Ré poderes para Prometer “comprar e comprar, prometer vender e vender, a quem, pelo preço, cláusulas e condições que entender mais convenientes, permutar, partilhar, dividir ou hipotecar bens móveis ou imóveis ou direitos sobre os bens móveis ou imóveis” e, bem assim, na parte em que declarou “para em seu nome e representação, celebrar negócio consigo mesma, ficando desde já expressamente dado o consentimento previsto no n.º1 do artigo 261 do Código Civil”, por indeterminabilidade do objecto, nos termos do artigo 280º do Cód. Civil e, por via disso, ser declarado ineficaz relativamente à Autora Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de F… o contrato de compra e venda celebrado por documento particular autenticado, no dia 29 de Julho de 2019, supra descrito e identificado em 9º, 10º e 11º desta petição e, consequentemente, anulado o respectivo registo de aquisição a favor da Ré; c) Subsidiariamente, ser declarada a ineficácia relativamente à Autora Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de F… do negócio que a Ré celebrou consigo mesma, correspondente à compra e venda mencionada na alínea anterior, por ter sido celebrado com abuso dos poderes de representação, nos termos dos arts. 268º e 269º do Código Civil; d) Subsidiariamente, ser declarado que o contrato de compra e venda dos autos foi simulado, por se ter tratado de uma transmissão gratuita e, por conseguinte, ser declarada a sua nulidade, quer por simulação, quer por falta de poderes de representação da Ré para tal transmissão gratuita; e) Ser reconhecido à Autora Herança Ilíquida e Indivisa por Óbito de F… o direito de propriedade sobre o prédio urbano destinado a habitação, situado na Rua Serpa Pinto, …, Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o número …, da freguesia de Alvor; f) Ser ordenado o cancelamento de toda e qualquer inscrição de aquisição do prédio urbano identificado na alínea anterior a favor da Ré, nomeadamente, a inscrição AP. 998 de 2019/07/31; g) Ser declarado o cancelamento de quaisquer outras inscrições registrais que incidam sobre o prédio urbano supra identificado, anteriores ao registo da presente acção; h) Subsidiariamente, ser a Ré condenada a pagar à Autora Herança Ilíquida e Indivisa por Óbito de F… a quantia de €:130.000,00 (cento e trinta mil euros), acrescida dos juros vencidos, à taxa legal, vencidos desde o dia 29-07-2019, no montante de €:826,30 (oitocentos e vinte e seis euros e trinta cêntimos) e vincendos, à taxa legal, até ao integral e efectivo pagamento, a liquidar a final; i) Ser a Ré condenada a pagar/reembolsar, a titulo de enriquecimento sem causa, à Autora Herança Ilíquida e Indivisa por Óbito de F…, a quantia de €:42.735,95 (quarenta e dois mil setecentos e trinta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros até à data do seu integral e efectivo reembolso, correspondente às quantias depositadas nas instituições bancárias, unicamente em nome do falecido, à data de 12-06-2019 no caso do BPI e à data de 13-06-2019, no caso do Banco Santander Totta, acrescida de juros, à taxa legal, até ao integral e efectivo pagamento, a liquidar em execução de sentença; e j) Ser a Ré condenada a pagar/reembolsar, a titulo de enriquecimento sem causa, à Autora Herança Ilíquida e Indivisa por Óbito de F…, a quantia correspondente às rendas que forem sendo pagas pela inquilina, relativas ao 1º andar do prédio urbano dos autos, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma delas até ao integral e efectivo pagamento, cujos valores devem ser liquidados em execução de sentença.

k) Ser a Ré, ainda, condenada nas custas do processo, incluindo as de parte.

  1. Para tanto, alegaram, em síntese, que o falecido Fernando emitiu procuração a favor da R., atribuindo-lhe um conjunto de poderes, entre os quais os de vender imóveis, pelo preço e condições que entendesse, no uso da qual a R. vendeu o dito imóvel a si própria por um valor inferior ao de mercado; que a ré sabia que não tinha legitimidade para vender o imóvel, por ser indeterminado e totalmente vago o conteúdo da procuração, e que a mesma jamais pagou o preço de compra referido na escritura; que o acto praticado estava fora dos poderes atribuídos à ré enquanto representante do falecido, constituindo ademais um negócio consigo mesmo, e lesante dos interesses do representado, sendo ineficaz quanto à sua herança; e que tal implicaria igualmente a obrigação de devolução à herança das quantias de renda abusivamente recebidas da inquilina do 1º andar do imóvel.

    Para o caso de assim não se entender, concluem que deveria a ré ser condenada a pagar-lhes a quantia correspondente ao preço da venda, de € 130.000.

    No respeitante às contas bancárias, consideraram ter sido abusivo o levantamento de quantias da conta do falecido, sendo certo que todo o dinheiro existente nessas contas lhe pertencia, devendo a R. repor o dinheiro de que se apropriou.

  2. A R. contestou, alegando ser legal o negócio efectuado no uso de procuração legal e legitimamente outorgada pelo falecido, de acordo com o interesse deste e por um valor de mercado apropriado e superior ao valor patrimonial do imóvel vendido, tendo pago o preço e os impostos devidos.

    Quanto às contas bancárias, alegou que o falecido a autorizou-a a movimentar as contas, tendo-as movimentado para acudir a despesas deste no uso dessa autorização (e não com base em poderes emergentes da procuração).

  3. Realizou-se a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

    Realizada a prova pericial, com vista à avaliação do imóvel em causa, teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, na qual se decidiu: «… julga-se a presente acção parcialmente procedente e condena-se a R. a pagar aos AA. a quantia de € 130.000, acrescida de juros à taxa legal, desde a data da compra e venda, 29 de Julho de 2019, até integral pagamento.» 5.

    Inconformados com a sentença recorreram ambas as partes.

    5.1.

    A R.

    pretende a revogação da sentença, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]: 1.ª A sentença recorrida condenou a R/Recorrente a pagar aos AA/Recorridos a quantia de € 130.000,00 acrescida de juros à taxa legal, desde a data da compra e venda, 29 de Julho de 2019, até integral pagamento.

    1. Entendeu o tribunal “a quo” dar como não provado, o pagamento do preço da transacção do imóvel, pela R/Recorrente.

    2. Considerou o Tribunal “a quo”, que o documento particular denominado “Contrato de Compra e Venda”, somente certifica / atesta / assegura que no acto houve a transmissão do imóvel e que foi declarado, ter sido efectuado o pagamento.

    3. Considerou o tribunal “a quo” que não se pode dar como provado que o preço foi, efectivamente, pago.

    4. Que cabia ao comprador, a prova do pagamento do preço, como facto extintivo da sua obrigação, artigo 342º, n.º 2 do CC.

    5. Entende, a R/Recorrente que a prova do pagamento do preço da transacção do imóvel foi produzida.

    6. É verdade que, os documentos autênticos são revestidos de força probatória, fazendo prova plena, dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.

    7. Também é verdade que, a força probatória não abrange os factos correspondentes a declarações dos outorgantes.

    8. Mas se é o vendedor que afirma, perante o notário, qual o montante do preço estipulado e afirma já o ter recebido, a declaração de já ter recebido o preço, implica o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável e beneficia a R/Recorrente.

    9. A declaração de já ter recebido o preço, é qualificada como confissão.

    10. Tratando-se de uma confissão extrajudicial, em documento autêntico, feito pela parte contrária, admissível pela sua própria essência que goza de força probatória plena, contra o confitente.

    11. Portanto, os documentos autênticos, fazem prova plena da declaração de ter sido recebido pelo vendedor, o preço acordado.

    12. A confissão extrajudicial podia ser destruída pela prova do contrário.

    13. Cabia os AA/Recorridos o ónus da prova de que o preço não tinha sido pago, demonstrando a falsidade do documento autêntico ou fazer a prova da falta ou vício da vontade que inquinaram a declaração “confessória”.

    14. No entanto, os AA/Recorridos não fizeram essa prova.

    15. Impõe-se a alteração da matéria de facto, dando-se como provado o pagamento do preço da transacção do imóvel.

    16. Deve, em consequência, ser o presente recurso de Apelação julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, a qual deve ser substituída por Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Évora, em que declare dar-se provado, o pagamento do preço da transacção do imóvel, pela R/Recorrente.

      5.2.

      Os AA.

      pretendem a revogação da sentença e a condenação da R., nos termos e com os fundamentos que indicam nas seguintes conclusões: 1.ª Os 2º, 3º e 4º Autores pediram, entre outros, pediram a condenação da Ré a reconhecê-los como únicos e universais herdeiros de F…, por via do testamento em que este os instituiu nessa qualidade, não tendo a Ré oferecido qualquer contestação a este pedido e aceitou, inclusivamente, que a acção apenas quanto a este deveria proceder.

    17. Esta matéria resultou provada nos autos, conforme se retira do ponto 2 da factualidade provada patente na douta Sentença recorrida.

    18. Contudo, a douta Sentença dos autos não se pronunciou...

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