Acórdão nº 1308/20.4T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução23 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Em 08.06.2020 o Ministério Público instaurou o presente processo de promoção e proteção a favor das crianças A…, nascido a 10 de dezembro de 2006, e D…, nascido a 24 de agosto de 2009, filhos de Na… e de C….

Em 06.07.2020 foi celebrado acordo de promoção e proteção, sendo aplicada a favor das crianças a medida de apoio junto dos pais.

Face à proposta da Segurança Social de alteração da medida para acolhimento residencial, foram os intervenientes notificados para apresentação de alegações e prova.

Os progenitores apresentaram alegações e juntaram prova testemunhal e documental.

Foi realizado debate judicial com intervenção dos juízes sociais, após o que foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto e ao abrigo do disposto nos arts. 35º/1 f), 49º e 50º/1 e 62º todos da LPCJP, procedendo à revisão da medida, decide-se alterar a medida de apoio junto dos pais, aplicando em sua substituição, a favor das crianças A… e D…, a medida de acolhimento residencial pelo prazo de um ano (sujeita a revisão semestral), devendo as crianças ser colocadas em instituição a indicar pela Segurança Social, devendo privilegiar-se instituição na zona do Algarve onde as crianças possam ser integradas conjuntamente, assegurando designadamente a frequência escolar e promovendo o acompanhamento da saúde física e psíquica das crianças.

» Inconformados com tal decisão, as crianças A… e D… e os progenitores Na… e C… interpuseram os respetivos recursos de apelação, cujas alegações remataram com as seguintes conclusões (transcrição): No recurso das crianças A… e D…: « I. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão dos autos, proferido pelo Juiz 2- Juízo de Família e Menores de Faro, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, com intervenção de um Juiz e dois Juízes Sociais, no âmbito do Processo de Promoção e Protecção n.º 1308/20.4T8FAR que, nos termos da fundamentação nele constante, decidiu aplicar aos menores A… e D…, a medida de acolhimento residencial, nos termos do disposto no art.º 35.º, n.º 1, al. f), 49º e 50.º, n.º 1 e 62.º todos da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

  1. O presente acórdão recorrido foi proferido na sequência da instauração do processo de promoção e protecção a favor das mencionadas crianças, com base em absentismo escolar e negligência parental e que os progenitores incumpriram com o acordo celebrado em 06.07.2020.

  2. Tendo, em face dos factos dados como provados, e da respectiva motivação, vindo o douto tribunal a quo a considerar que “tendo o tempo presente que tempo da criança não corresponde ao tempo do adulto entendemos que não podem os menores Dário e André continuar a ser negligenciados e à espera que os progenitores decidam assumir as suas responsabilidades enquanto pais. As crianças precisam de uma resposta que permita redes fazer de forma adequada às suas necessidades retirando as da situação de perigo em que se encontram (art. 3º/1 e 2 c) da LPCPJ). Nem esteira das outras alegações do Ministério Público em sede de debate judicial consideramos adequada por profissional em consonância com o interesse da criança a proposta da técnica da segurança social de substituição da medida de apoio junto dos pais pela medida de acolhimento residencial porquanto não existe resposta protetiva ao nível da família” IV. Salvo mui douta e melhor opinião, o recorrente entende ter sido violado o disposto no artigo 69° da CRP e artigos 3°, n°1, 4°, alíneas a), h) e g) todos do LPCJP, dos n°s 5 e 6 do artigo 36°, o n° 1 do artigo 67°; e artigo 9° da Convenção sobre os Direitos da Criança, em face da prova realizada em sede de debate judicial, impondo, assim, decisão diversa da recorrida.

  3. O Tribunal “a quo” considerou que, os progenitores não assegurem cuidados essenciais aos filhos e que o registo dos progenitores é pautado pela desorganização pessoal, disfuncionalidade do agregado e falta de colaboração com as entidades…” V. E que, a alteração da medida para apoio para junto da irmã Jéssica não salvaguardaria o interesse superior do A… e D…, simplesmente porque a mesma faz parte do agregado familiar e não contribuiu para a sua resolução nem facilitou os contactos com os progenitores quando tal lhe foi solicitado pela técnica da segurança social.

  4. Não foi explorada nem dado oportunidade a que a irmã Jéssica pudesse assumir a responsabilidade pela educação e saúde dos seus irmãos.

  5. Ora, ainda se admitindo que pudesse não estar ainda dominada a situação de absentismo escolar em que se encontravam os menores, resulta dos relatórios e depoimentos revelados nos autos, que as execuções de atos materiais atinentes às entidades envolvidas poderão não ter sido de molde a esgotar e a sensibilizá-los para o papel mais adjuvante da sua intervenção, mais do que controlador, por forma a levá-los a aderir ao projecto global traçado.

  6. Nesta senda, entende-se que a medida de apoio junto aos pais se deveria manter ainda com carácter temporário ou a eventual alteração da medida para apoio junto da irmã Jéssica, por forma poder atender tais interesses e direitos das crianças.

  7. Mostrando-se ainda ser a única necessária e adequada à situação e perigo em que se encontram no momento da decisão.

  8. Nesta senda, somos de crer, que deveria ser proferida diversa decisão, no sentido de ser mantido o apoio junto dos pais ou eventual alteração da medida para apoio junto da Irmã J…, prevendo obrigações para os serviços técnicos de acompanhamento e para os pais, que reforcem e melhor possam dotar os progenitores em vista a uma futura medida na comunidade, auscultando e desbloqueando de forma cabal as dificuldades na compreensão, porque estas se parecem verificar, sobre as necessidades dos seus filhos.

  9. Mostrando-se, assim, a medida de acolhimento residencial, ora aplicada, excessiva e desproporcional, em face dos princípios orientadores da intervenção, previstos no art.º 4.º da Lei n.º 147/99, de 01/09, mormente o interesse superior das crianças, e os princípios basilares da intervenção mínima, da proporcionalidade e actualidade, da responsabilidade parental e da prevalência da família.

  10. A intervenção pública na educação dos filhos é, em qualquer caso, subsidiária, não podendo contrariar o primado em matéria de educação e manutenção dos filhos conferido constitucionalmente aos pais ou o princípio segundo o qual os filhos não podem, à partida, ser separados dos pais.

  11. Surge assim como “ultima ratio”, uma decisão judicial que ordene a separação dos filhos dos pais.

  12. Perante uma situação carecida de intervenção para promoção e proteção, a medida de “Apoio junto dos pais” não deverá ser desde logo descartada, passando-se para medida de acolhimento institucional, quando, à data da decisão, seja manifesto um esforço continuado de reorganização por parte dos progenitores quanto à assiduidade escolar e saúde dos filhos.

  13. Os princípios a que obedece a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo, encontram-se previstos no art. 4º, destacando-se, em primeiro lugar, o interesse superior da criança e do jovem (cfr. a al.a)).

  14. Depois, entre outros, haverá que ter em consideração, por um lado, o princípio da proporcionalidade e actualidade, nos termos do qual a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação concreta de perigo no momento em que a decisão é tomada, só podendo interferir na vida da criança ou do jovem e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade (cfr. a al.e)).

  15. E, por outro lado, os princípios da responsabilidade parental e da prevalência da família, segundo os quais a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres, devendo ser dada prevalência às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família (cfr. as als.f) e g)).

  16. A tutela constitucional conferida nos arts. 67º e 68º da CRP ao relacionamento entre pais e seus filhos e ao papel decisor que aqueles devem ter no desenvolvimento e educação destes impõe o reconhecimento de direitos e interesses juridicamente tutelados dos próprios pais no âmbito deste relacionamento familiar.

  17. Uma decisão que interfira nesse relacionamento, retirando os filhos à guarda dos pais, excluindo ou limitando a supervisão destes sobre a educação e o desenvolvimento dos filhos, constitui afectação daqueles direitos constitucionalmente tutelados, pelo que só se poderá revelar como legítima em circunstâncias excepcionais.

  18. E a própria Constituição, no seu art. 69º, logo legitima tal tipo de intervenções, designadamente quando se torne necessário proteger a própria criança contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.

  19. É no desenvolvimento destes princípios que o art. 3º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo prevê a intervenção dos organismos adequados da comunidade, nomeadamente os tribunais, sobre a dinâmica funcional da família “quando os pais (…) ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento (…)”.

  20. A medida de protecção aplicada, de acolhimento dos menores junto de instituição adequada, revela-se precipitada e desproporcionada.

  21. Não sendo a única medida adequada para afastar os riscos identificados sobre a educação e saúde dos menores nesta fase.

  22. O interesse da criança (ou jovem) constitui o parâmetro material básico de qualquer política de protecção de crianças e jovens.

  23. Não se justifica a medida de promoção de protecção de acolhimento em instituição a menor (de 16 anos de idade) cuja educação, formação e desenvolvimento não se encontram gravemente comprometidas, como é o caso dos autos.

  24. O artigo 35º da Lei nº 147/99, de 1.9, deve ser lido de modo integrado, alternativo e no sentido crescente de gravidade, não sendo obviamente por mero acaso ou má leitura do legislador que a parentalidade – consanguínea ou adoptiva –...

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