Acórdão nº 13/14.5T8VRS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Abril de 2017

Data06 Abril 2017

Proc. nº 13/14.5T8VRS.E1-2ª (2016) Apelação-1ª (Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 138º, nº 5-CPC) * ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I – RELATÓRIO: Na presente acção ordinária, a correr actualmente termos na Secção de Competência Genérica da Instância Local de Vila Real de Santo António da Comarca de Faro (depois de iniciada no Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, como processo sob o nº 188/1996), instaurada por (…) e mulher, (…), contra (…) e mulher, (…), foi pelos AA. alegado serem legítimos proprietários de determinado prédio rústico, sito em (…) – (…) – Alcoutim, e inscrito na matriz cadastral sob o artigo (…) da secção (…), seja por via de aquisição de diferentes parcelas contíguas do mesmo, passando a formar uma unidade, seja por via de usucapião, em virtude de o terem usufruído, por si e por seus antepossuidores, durante mais de 30 anos, a cuja titularidade os RR. se passaram entretanto a arrogar, pelo menos quanto a metade desse prédio – e, nessa base, pediram os AA., designadamente, que fosse declarada a sua titularidade e reconhecida a respectiva aquisição, ordenado aos RR. que se abstivessem de actos perturbadores dessa titularidade e cancelada qualquer inscrição matricial e registal de sentido contrário.

Na contestação, os RR. impugnaram o pedido, alegando, no essencial, que o R. marido é cabeça de casal da herança aberta por morte de seus pais e da qual faz parte metade do referido prédio rústico, de que o R. e suas irmãs são proprietários, e da qual os AA. se apropriaram, integrando-a no prédio que aqueles ocupam, pelo que se opõem à invocada aquisição por usucapião.

Entretanto, por se ter verificado que havia outro processo também instaurado no Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António (sob o nº 200/1996), em que era A. o aqui R. marido e RR. os aqui AA., em que se discutia essencialmente a mesma questão de propriedade relativamente ao referido prédio, foi ordenada (cfr. despacho de fls. 465-467) a apensação de um ao outro processo, com vista a uma decisão final conjunta de ambos, passando o de nº 188/1996 a prosseguir como acção principal.

Em relação à matéria da acção apensada apresentou o aí A. (e aqui R. marido) petição inicial (após aperfeiçoamento), em que se intitula proprietário, juntamente com os demais herdeiros de seus pais, de determinado prédio rústico e de metade indivisa de outro, que alega estarem a ser ocupados pelos aí RR. (e aqui AA.), pelo que formula pedido de condenação destes a reconhecerem a sua titularidade e dos demais herdeiros sobre os referidos prédios e a devolvê-los aos seus titulares, com cancelamento de qualquer inscrição matricial e registal de sentido contrário, bem como de condenação dos RR. em indemnização por danos patrimoniais e morais, no montante de 2.000.000$00.

Em contestação, os aí RR. reconheceram ser o aí A. titular de prédio rústico inscrito na matriz cadastral da mesma freguesia sob o artigo (…) da secção (…), mas que nada tem a ver com o prédio ocupado por aqueles, e em relação ao qual aquele A. se arroga a mencionada titularidade de metade indivisa, do qual afirmam aqueles RR. serem proprietários nos termos já por si alegados, enquanto AA., na acção principal, pelo que concluem pela improcedência da acção apensada.

Depois de várias e prolongadas vicissitudes processuais, vieram a ser estabelecidos os factos assentes e a base instrutória, e oportunamente realizado o julgamento, na sequência do qual foi lavrada sentença (a fls. 1369-1441), em que se decidiu julgar parcialmente procedente a acção principal e totalmente improcedente a acção apensada, nos seguintes termos:

  1. Quanto à acção principal: «1.1.

    Declarar (…) e (…) proprietários do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcoutim sob o nº …/910710 da freguesia de (…), inscrito na matriz predial sob o artigo (…), secção (…), que resultou da união das parcelas de terreno identificados em 1), 2) e 3) dos factos provados, com composição, área e confrontações não apuradas; 1.2.

    Condenar (…) e (…) a reconhecer o direito de propriedade mencionado em 1.1., abstendo-se de praticar quaisquer atos que o perturbem; 1.3.

    Absolver (…) e (…) do restante pedido; 1.4.

    Condenar autores e réus da ação principal no pagamento das custas, na proporção do respetivo decaimento, o qual se fixa em ¼ para os autores e em ¾ para os réus, sem prejuízo do apoio judiciário de que estes últimos beneficiam»; b) Quanto à acção apensada: «2.1.

    Absolver (…) e (…) do pedido; 2.2.

    Condenar (…) no pagamento das custas, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido».

    Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal o seguinte: da matéria de facto provada e não provada resultou, no essencial, que os AA. da acção principal têm a seu favor a presunção do registo relativamente ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo (…), secção (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcoutim sob o nº …/910710, sem que os RR. tenham logrado demonstrar a alegada integração/incorporação pelos AA. naquele prédio de um outro, que integraria a herança indivisa aberta por morte dos pais do R. marido; a prova produzida quanto a essa integração/incorporação revelou-se contraditória e confusa, designadamente com testemunhos que a sustentaram e outros que a negaram, optando o tribunal pela declaração de “não provado” de tal ocorrência; aquela presunção de registo leva à procedência do pedido da acção nos termos supra referidos, que apenas improcede quanto às pretensões de alteração da inscrição matricial, por tal inscrição não permitir sustentar a existência de um direito de propriedade, e de cancelamento de registos prediais conflituantes, por tal determinação não se poder reportar a situações meramente eventuais, enão reais (que não se verificam em concreto); quanto ao pedido do R. marido, enquanto A. da acção apensada, verifica-se que este se configura como uma pretensão respeitante àquele e às suas irmãs, como titulares do direito à herança aberta por morte dos pais, pelo que a intervenção do ali A., ao reivindicar prédios que alega pertencerem àquela herança, ocorre na qualidade de cabeça de casal, mas sem ter os correspondentes poderes (por essa acção não ser possessória ou de simples administração), já que a reivindicação de bens da herança corresponde a um direito que só pode ser exercido conjuntamente por todos os herdeiros, nos termos do artº 2091º, nº 1, do C.Civil, o que se traduz numa ilegitimidade material (i.e., respeitante às condições subjetivas da titularidade do direito invocado) e determina a improcedência do respectivo pedido (i.e., por absolvição do pedido) – o que não se confunde com a ilegitimidade processual, que se afere pela configuração dada à relação material controvertida pelo autor (e determinaria a absolvição da instância), não havendo contradição entre aquela declaração de improcedência no plano substantivo e a declaração meramente formal de legitimidade do ali A. para a presente acção, proferida em despacho registado na acta de audiência preliminar (a fls. 713-717); não se tendo provado os danos alegados pelo R. marido, também claudica o pedido de indemnização por aquele formulado; quanto a custas, a procedência maioritária do pedido dos AA. determina que a proporção do decaimento seja de ¼ e de ¾ para AA. e RR. respectivamente, e a improcedência integral do pedido do R. determina a sua condenação em exclusivo nesse âmbito, tudo sem prejuízo do apoio judiciário entretanto concedido aos RR..

    Inconformados com a sentença, dela apelaram os RR. (cfr. fls. 1452-1481), formulando as seguintes conclusões: «A. Os recorrentes notificados da sentença proferida em 3/9/2015, não se conformando com a mesma dela interpõem recurso ordinário de apelação, peticionando a sua revogação.

    1. Mostram-se violadas várias normas jurídicas nomeadamente os artºs 6º/2, 30º, 515º/1 al. d) (2ª parte), 616º, 620º/1, 625º, 640º, 662º, todos do CPC.

    2. Mostra-se ferida de inconstitucionalidade material a sentença recorrida por violação dos artºs 2º, 13º e 20º/4 da Constituição em vigor, além da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    3. O recurso é tempestivo e deve obter provimento.

    4. A reapreciação da prova gravada e a modificabilidade da decisão proferida sobre a matéria de facto, ex vi dos artºs 640º e 662º, do CPC, deve ser considerada procedente.

      F. Bem como a nulidade arguida atento o juiz ter conhecido de questões que lhe estava vedado conhecer.

    5. Outrossim, é o próprio juiz a quo que qualifica como “acções de reivindicação” as que constituem “…os autos principais e o processo que lhe foi apenso”, no despacho de 14.10.2014, em sede de audiência de julgamento e não de outra forma, como faz na sentença, afirmando ser a acção principal apenas de reconhecimento do direito de propriedade e abstenção de perturbação.

    6. Aliás, já no CPC, na redacção anterior à vigente, existia uma norma jurídica de teor semelhante à do nº 2 do artº 6º do CPC actual, que também se mostra desrespeitada.

      I. Por outro lado, a sentença em crise, no que a esta matéria concerne, viola o caso julgado formal, ex vi do nº 1 do artº 620º, do CPC, assim desrespeitado ostensivamente.

    7. De igual modo, atento o estatuído no artº 625º, nº 1, do CPC, “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”, o que, no caso sub judice, se verifica.

    8. Assim, o despacho proferido na audiência preliminar em 18.01.2013 e o despacho proferido na audiência de discussão e julgamento de 14.10.2014, ambos já transitaram em julgado, deverão cumprir-se, ao invés do decidido na sentença sob recurso, no que toca à alegada ilegitimidade material do R. apelante, sob pena de violação do dito artº 625º, nºs 1 e 2 do CPC.

      L. Na verdade, o sr. Juiz a quo conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, na sentença recorrida, pelo que esta está ferida de nulidade.

    9. ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT