Acórdão nº 2124/16.3T8STB-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelFLORBELA MOREIRA LANÇA
Data da Resolução06 de Abril de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NA 1.ª SECÇÂO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I.

Relatório P... – Actividades Hoteleiras, Lda.ª requereu a intervenção principal espontânea, ao lado da Requerida, M..., Ld.ª, por mera adesão ao articulado por esta apresentado, nos termos e ao abrigo do disposto nos art.º 311.º e 32.º do CPC.

Alega, em suma, que logo após a cedência à Requerida da sua posição contratual no contrato de locação financeira, em discussão nos presentes autos, foi celebrado entre si e aquela a venda do estabelecimento comercial, cuja construção do edifício e aquisição do equipamento foi integralmente por si realizado, tendo ficado acordado o pagamento do valor dessas construções e do recheio em prestações anuais. No entanto, esse pagamento não ocorreu, pelo que se viu obrigada a intentar ação judicial para cobrança da dívida e dos respetivos juros.

Concluiu que só conseguirá obter o pagamento do que lhe é devido e, que até já foi judicialmente reconhecido, se intervier no presente processo.

Notificadas as partes, a requerida pronunciou-se pela admissão da intervenção, opondo-se a requerente, porquanto, nos termos da cláusula décima terceira, n.º 7 das condições gerais do contrato de locação financeira junto aos autos, sob a epígrafe “Utilização, Manutenção e Alteração do Imóvel”, “as construções ou quaisquer benfeitorias realizadas, quando incorporadas no prédio, passam a fazer parte integrante do mesmo e são propriedade da Locadora, não podendo, por esse facto, a Locatária exigir qualquer indemnização ou exercer direito de retenção”, tendo, assim, a Locatária e a Locadora acordado expressamente que, qualquer construção ou benfeitoria realizadas pela Locatária no imóvel objecto do contrato (lote de terreno para construção, descrito no Ponto I. das condições particulares do contrato) passaria a ser parte integrante do mesmo e seria propriedade da Locadora. Mais alega que foi com base nesta disposição expressa do contrato que no contrato de cessão da posição contratual, celebrada entre a Locatária inicial e a agora Requerida em 05.06.2009 (junto como doc. 4) se refere expressamente na cláusula 1.ª que “a 1.ª outorgante é parte na qualidade de locatária no contrato de locação financeira imobiliária, que se anexa, e que tem por objecto, actualmente, por via de construção o prédio urbano destinado a comércio com 1 piso (...)”. Quer a Requerida quer a anterior locatária, requerente da intervenção principal, tinham conhecimento desta disposição e nunca colocaram qualquer reserva à mesma, nem questionaram o Requerente sobre o seu conteúdo, tendo celebrado o contrato de cessão de posição contratual do qual constava expressamente que, naquela data, o imóvel locado correspondia ao prédio urbano destina a comércio, com um edifício de um piso.

Conclui, afirmando que os factos alegados por P... – Actividades Hoteleiras, Ld.ª, são totalmente irrelevantes para a decisão do presente procedimento cautelar.

A Requerida havia, em sede de oposição, requerido a avaliação do imóvel, que foi indeferida, tendo P... “se associado” nesta pretensão.

Foi proferido despacho, indeferindo a requerida intervenção principal e a perícia, nos termos do qual: “Invoca a interveniente a sua legitimidade em intervir nos autos ao abrigo do disposto no art.º 311.º CPC.

Estatui o art.º 311.º CPC que «Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º.».

Sucede que estando em sede de procedimento cautelar constitui posição doutrinal enformadora das decisões jurisprudenciais dominantes, aquela que considera que no âmbito do procedimento cautelar, o incidente de intervenção de terceiros deve ser apenas admitido, quando se encontrar em causa a sanação de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, o que não sucede in casu.

A este respeito escreve Joel Timóteo Ramos Pereira ("Prontuário de Formalidades e tramites", vol. II Quid luris, pág. 313):“Face ao carácter urgente e à específica tramitação dos procedimentos cautelares, não é admissível, na sua generalidade, a dedução de incidentes de instância.

Porém, quer no sentido de regular a instância, quer para salvaguarda de direitos de terceiros e do cumprimento do princípio da adequação, será de admitir na tramitação dos procedimentos cautelares, além dos embargos de terceiro, que correm por apenso (...), o incidente de intervenção provocada para suprimento da preterição de litisconsórcio necessário activo ou passivo, quer na sequência de despacho de convite ao aperfeiçoamento, quer na sequência da invocação da excepção de ilegitimidade pelo requerido”.

Posição idêntica à perfilhada por António Abrantes Geraldes que, caracterizando a celeridade no âmbito dos processos cautelares, considera "g) Inadmissibilidade, em regra, dos incidentes de intervenção de terceiros", para depois em nota considerar "A par dos embargos de terceiro, julgamos que deverá ser ainda considerada a admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada para assegurar a legitimidade litisconsorcial do requerente ou do requerido, sob iniciativa do interessado (art. 325º, nº1 e 269º) ou sugestão do juiz no termos do artº 265º nº 2 admissíveis apenas os supra referidos” (“Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. III, 2ª Ed. Almedina, pág. 115).

Neste mesmo sentido, cfr. Ac. RP., 18/01/2000, proc. nº 9921523, www.dgsi.pt - "Embora, em principio, os incidentes de instância não tenham lugar nos procedimentos cautelares, eles devem aí ser admitidos quando interessem à fixação dos pressupostos processuais ou à sua regularização. Assim, o incidente de intervenção de terceiros só deve ser admitido em procedimento cautelar quando se destine a assegurar a legitimidade de uma ou de alguma das partes (caso do litisconsórcio necessário) mas já não nas hipóteses de litisconsórcio voluntário, enquanto não houver decisão".

É, assim, predominante o entendimento de que, em princípio, em sede dos procedimentos cautelares, pelas características intrínsecas de urgência e tramitação sumária, não são admissíveis os incidentes de intervenção, embora eles devam ser admitidos «quando interessem à fixação dos pressupostos processuais ou à sua regularização”, que é o que ocorre no incidente de intervenção principal provocada para suprimento da preterição de litisconsórcio necessário activo ou passivo (neste sentido cfr. os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-06-2000, proc. nº 56896, do Tribunal da Relação do Porto de 15-05-2006, proc. nº 652182, e de 22-01-2007, proc. nº 651108, lendo-se, neste último, designadamente o seguinte: «A questão sub judice tem de ser resolvida face aos princípios específicos que regem os procedimentos cautelares e o processo civil em geral. Um princípio específico dos procedimentos cautelares é, indubitavelmente, o da máxima celeridade. Estamos perante medidas de urgência que requerem rápida intervenção do poder judicial, permitindo-se uma intervenção rápida na defesa do direito substantivo em perigo e que se pretende acautelar. Trata-se de um procedimento reduzido, que visa uma apreciação sumária da situação sendo por isso incompatível com delongas. Daí que os incidentes deste tipo sejam, em regra, incompatíveis com a estrutura dos procedimentos cautelares, pelo simples facto de tornarem moroso um procedimento que, afinal, se pretende célere. Afigura-se-nos, pois, que em regra não devem ser admitidas alterações subjectivas da instância cautelar.».

Assim, forçoso se torna concluir que em caso de litisconsórcio necessário é admissível a intervenção, pese embora alguma morosidade acrescida, em virtude de permitir assegurar a utilidade da providência e está de acordo com o objectivo claramente assumido com a reforma processual civil de reduzir os obstáculos formais, de natureza processual à apreciação do objecto do processo. Todavia tal situação não se verifica in casu em que a requerida intervenção não se destina a assegurar a regularidade subjectiva da instância. Na verdade, tal regularidade subjectiva está garantida visto que estamos no âmbito de uma...

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