Acórdão nº 169/14.7T2STC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelFLORBELA MOREIRA LANÇA
Data da Resolução06 de Abril de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NA 1.ª SECÇÂO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA I.

Relatório M... propôs a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra C... e Cooperativa ..., CRL, pedindo que, pela sua procedência, a fracção autónoma adquirida pelo 1º R., seja declarada bem comum da A. e 1.º R e em consequência: “a) Os RR. ser condenados a reconhecer a A. como comproprietária na proporção de metade da fracção autónoma; b) A escritura lavrada a fls.

43 a 45 do Livro 19-A do Cartório Notarial de Sines declarada nula ou anulada na parte correspondente ao direito da A. correspondente a metade da fracção autónoma; c) Ser ordenado o cancelamento do registo predial, ou a redução parcial, da AP. n.º 1456 de 2013/06/21; d) Em conformidade serem os RR. condenados a outorgar escritura de compra e venda da metade da fracção com a A.

Subsidiariamente: - Deve o contrato celebrado entre a A. e os RR. ser declarado resolvido, e em consequência; - Devem os RR. ser solidariamente condenados a pagar à A. o valor correspondente a 1/2 da fracção, que se avalia em € 45.00,00, acrescido de juros contados desde a data de citação até integral pagamento.

Caso ainda assim não se entenda, deverão o RR. ser condenados a pagar à A. o valor correspondente aos títulos de capital, entrada, amortizações, e demais quantias despendidas com a aquisição da fracção”.

Para tanto alegou, em síntese, que o 1.

º R., com quem foi casada, adquiriu, após divórcio, uma fração a cuja titularidade também se arroga, atendendo a que o transmitente é a Cooperativa ..., CRL, ora 2.

ª R., e o direito à aquisição surgiu na pendência do casamento, já que os pagamentos foram feitos nesse hiato temporal.

Os RR. contestaram, alegando que a condição de sócio é individual e foi assumida pelo R. e que só largos anos após o divórcio ficaram reunidas as condições para a aquisição da fração, designadamente o pagamento devido. Concluíram pela improcedência da acção.

Realizou-se audiência prévia, com prolação de despacho saneador e selecção dos temas de prova, que não foram objeto de reclamação.

Realizada a audiência final foi prolatada a sentença que julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu os RR. dos pedidos contra si formulados.

A A., não se conformando com a sentença, dela apresentou recurso, formulando as seguintes conclusões: “1- Fazendo uso dos poderes deveres do Tribunal ad quem, ínsitos no art.º 662º CPC, e nos termos do art.º 640/1-b) CPC, deve este Venerando Tribunal aditar aos factos provados, por se manifestar essencial para a boa decisão da causa e resultarem dos documentos constantes do processo, os seguintes pontos: Ponto 27: Valor actual do imóvel: 58.380€ (cinquenta e oito mil trezentos e oitenta euros) - (constitui o nº5 dos temas da instrução) – meio probatório constante do processo constituindo Relatório Pericial, não impugnado; Ponto 28: De acordo com o art.º 59º dos estatutos “1.O cooperador poderá alienar por acto “inter vivos”, o direito de habitação sobre o fogo que lhe for atribuído, desde que o adquirente faça parte do seu agregado familiar e tenha ou adquira a qualidade de membro.

  1. As transmissões em vida ou por morte carecem sempre de prévia autorização da Assembleia Geral.” – meio probatório constante do processo, Estatutos da Cooperativa, juntos pelos RR em sede contestação, considerados pelo Tribunal a quo para formar sua convicção.

    2 – Resulta provado que: A Recorrente e o Recorrido C... foram casados no regime da comunhão de adquiridos, entre 1/9/1978 e 21/09/2006; Na pendência do casamento o Recorrido ingressou como cooperante da Cooperativa; A casa de morada de família da Recorrente e agregado familiar situava-se na Rua … BL 11,1º Dtº, em Sines; As amortizações/pagamentos provieram do produto do trabalho do réu; Na pendência do casamento foram pagas amortizações no montante total de €18.662,42; A escritura pública de compra e venda entre o Recorrido C..., no estado civil de divorciado, e a Recorrida Cooperativa, foi celebrada em 19 de Junho de 2013; A escritura foi celebrada pelo preço de €21.670,89; 3 – O Tribunal a quo subsumiu a factualidade às regras da comunhão conjugal, contudo conclui em sentido inverso às mesmas; 4 - O que importa decidir é a questão de saber se o imóvel que constitui casa de morada de família é bem próprio do R., apenas porque assinou a escritura de aquisição, ou bem comum do casal, apesar de a Recorrente não ter intervindo no título aquisitivo por omissão de notificação para o efeito pela R. Cooperativa; 5 – A A. sempre viveu na fracção, mesmo após o divórcio; Sempre exerceu sobre o bem em causa intenção correspondente ao exercício do direito de propriedade, usando-o e fruindo-o ininterruptamente; 6 - Mais de dois terços do esforço pecuniário tendente à predita aquisição, ocorreu na pendência do matrimónio, ou seja, o grau de colaboração, cooperação ou esforço de ambos os cônjuges na aquisição da casa é muito mais elevado do que aquele que foi desenvolvido depois do divórcio, apenas pelo Réu, 7 -Tendo o preço da fracção sido praticamente todo pago na constância do casamento, com dinheiro pertença do património comum do casal, não se encontra demonstrada a impossibilidade de celebrar o contrato de compra e venda com a A.; Bastaria que para tanto a R. Cooperativa tivesse comunicado à A. e ao R. que estavam reunidas as condições para tal, o que não aconteceu; 8- Dando como provado o ponto 28, a Recorrente, pertencendo ao agregado familiar do Recorrido poderia ser membro da Cooperativa e adquirir a fracção como co-proprietária; 9 - Faltou ao Tribunal a quo, atenta a factualidade, ter em consideração, por um lado, o disposto no art.º1726º do CC “1.Os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações” E, 10 - Considerar elidida a presunção do art.7º Código Registo Predial face aos factos provados e aos documentos juntos aos autos, porquanto o registo é nulo pela incerteza dos sujeitos a que a relação jurídica respeita – ex vi artº16/c) Cod. Reg. Predial e, 11 – Em consequência, considerar o bem comum do casal e a Recorrente como comproprietária na proporção de metade da fracção, declarando nula a escritura lavrada a Fls 43 a 45 do Livro 19-A do Cartório Notarial de Sines, na parte correspondente a metade da fracção e ser ordenado o cancelamento do registo predial, ou redução parcial da Ap. 1456 de 2013/06/21; OU, 12 - Condenar os RR solidariamente a pagar à Recorrente o correspondente a 1/ 2 da fracção, dando como provado o ponto 27, o valor actual do imóvel:€ 58.380, ou seja €26.690,00, acrescido de juros desde citação até integral pagamento, Isto porque, 13 - É notório o enriquecimento injustificado do património próprio do Recorrido C…, em detrimento da Recorrente, 14 - Dado que no processo existem factos provados capazes de levarem a esse enquadramento jurídico, sempre deveria o Meritíssimo Juiz a quo, ter condenado o R. a liquidar à A o montante em que se locupletou, pelo que devem os RR ser condenados a restituir à Recorrente metade do valor da fracção acrescidos dos juros vencidos desde a citação até integral pagamento - violadas as disposições legais previstas nos artigos 473.º e 1730.° do Código Civil; 15 - Só a análise de certa situação factual pode permitir apurar se a aquisição de um bem gera um direito próprio de um dos cônjuges ou um direito integrado na comunhão conjugal. A ratio legis do art.º 1726º/1 conjugado com art.ºs 1722º e 1724º do CC só poderá conceber-se como a protecção das situações de facto geradoras do direito próprio do cônjuge quando não são fruto do esforço conjunto do casal; 16 – Exige-se do julgador ponderação para apurar se a situação base, factual e jurídica, nasceu durante o casamento e por qualquer motivo apenas foi exercitado após o casamento, o que notoriamente é o caso dos presentes autos, tal como se considera essencial apurar se “…. situação base, factual e jurídica, de onde emerge mais tarde o direito, já existe antes do casamento, podendo o direito nascer, porém, durante o casamento” - Ac. TRC de 23/11/2010, proc. Nº 2347/08.9TJCBR.C1; 17 – Os passos fundamentais do processo de aquisição da habitação ocorreram todos na pendência do casamento: 1) o ingresso na cooperativa, 2) o sorteio, 3) o pagamento do preço na sua maior parte; 18 -“A inscrição do Autor numa cooperativa de habitação, cujos estatutos previam a realização posterior de um sorteio para atribuição das casas aos contemplados, altura em que seria também celebrado um contrato-promessa de compra e venda da casa, a vender apenas quando estivesse pago o seu custo, não converte a casa efectivamente adquirida mais tarde em bem próprio do cônjuge cooperante, «por virtude de direito próprio anterior», nos termos da al. c), do n.º 1, do artigo 1722.º do Código Civil, se o sorteio ocorre já na constância do casamento, assim como o pagamento da quase totalidade do seu preço através de empréstimo bancário contraído por ambos.

    ” - Ac- TRC de 23/11/2010, proc. Nº 2347/08.9TJCBR.C1.

    19 - Como último reduto a Recorrente peticionou metade dos valores pagos de amortizações, com os rendimentos comuns do casal, o que foi negado pelo Tribunal a quo, violando-se expressamente o art.º1730º do CC; 20 - O esforço da Recorrente na pendência do matrimónio, tendente à aquisição da fracção é amplamente reconhecido na sentença, mas do mesmo se faz tábua rasa no enquadramento legal da decisão, por reporte ao art.º1730º CC. É caso para dizer que serviu para amealhar, mas não serve para partilhar! 21 - O pedido subsidiário da Recorrente apela ao regime de bens, na sequência da dissolução do casamento, sob pena aliás de a realidade presente, a manter-se, essa sim ser contrária à regra da metade prevista no art.º1730ºCC, pela actuação do Recorrido; 22 - Admitir que a participação da Recorrente nas amortizações da casa….é mera “expectativa da sua realização”, é visão redutora do património...

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