Acórdão nº 586/13.0GAOLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2017
Magistrado Responsável | MARIA LEONOR ESTEVES |
Data da Resolução | 13 de Julho de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1.Relatório Nos autos de processo especial sumaríssimo nº 586/13.0GAOLH, distribuídos à secção de competência genérica – J1 da instância local de Olhão da comarca de Faro, o Sr. Juiz proferiu despacho a rejeitar o requerimento do MºPº para aplicação de penas aos arguidos LL e TG, devidamente identificados nos autos, por considerar o mesmo totalmente omisso quanto aos factos integradores do tipo objectivo do ilícito cuja prática ali vem imputada a cada um desses arguidos, mais determinando a remessa dos autos ao MºPº.
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o MºPº, pretendendo a sua revogação e substituição por outra que ordene o recebimento daquela acusação particular e designe data para a realização da audiência de julgamento, para o que formulou as seguintes conclusões: 1. O douto despacho recorrido que decidiu não reenviar o processo para a forma comum, por ter rejeitado a acusação por alegadamente infundada é, nos termos das normas conjugadas ínsitas nos artigos 395º nº 1, al. a), 3 e 311º nº 2 al. a) e 3, al. d) e 399º e 401º nº 1 al. a), todos do CPP, recorrível, posto que na verdade, conforme decidiu e bem o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proc. 35/10.5PBSTB-E1, Relator: Carlos Berguete Coelho, disponível em www.dgsi.pt, “não existe fundamento razoável para concluir que o recurso não deva ser admissível, já que isso comportaria restrição excessiva da garantia ao recurso, desde logo, porque teria como consequência que o processo não pudesse vir a prosseguir mesmo que sob outra forma processual, o que o legislador não terá, a nosso ver, querido.” 2. O artigo 311.º, n.ºs 2 e 3 prevê a possibilidade de rejeição da acusação manifestamente infundada.
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A acusação manifestamente infundada é a que, para além do mais, narre factos que não constituíam crime.
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Para o que ora importa, constituem elementos típicos do crime de receptação: a) a aquisição ou recepção, a qualquer título, ou seja por meio de doação, venda, empréstimo, penhor, etc., de coisa que tenha provindo de facto ilícito típico contra o património, incluindo-se, portanto, os furtos, roubos, burlas, etc.
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a suspeição razoável por parte do agente receptador de que a coisa que adquiriu ou recebeu, a qualquer título, proveio de facto ilícito típico anterior, terá que estar ligada à qualidade da coisa (por exemplo marcas conceituadas no mercado de alguma coisa que somente nas lojas especializadas podem ser vendidas) ou pela condição de quem oferece a coisa (por exemplo, um toxicodependente desempregado não teria posses suficientes para poder vender uma coisa que tem um preço elevado no mercado legítimo) ou pelo montante proposto (por exemplo sabendo-se que a coisa no mercado legítimo, pela marca e modelo, tem um preço elevado e o vendedor oferece a coisa ao agente por um preço inferior, mesmo que se desconheça o valor de mercado real).
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Quanto aos elementos subjectivos do tipo, o legislador, de harmonia com a mais avisada jurisprudência, prevê o dolo eventual.
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Da acusação pública deduzida a fls. 129 a 142 dos autos consta, toda a factualidade que consubstancia o preenchimento do elemento objectivo alternativo no segmento da aquisição da coisa cuja qualidade faz razoavelmente suspeitar da sua proveniência ilícita, ainda que em concreto não se tenha apurado o valor de mercado legítimo do telemóvel em confronto com o valor do preço proposto.
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Os elementos subjectivos, a título de dolo eventual estão de forma clara e inequívoca expressos na acusação.
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A Mmª Juiz somente pode rejeitar a acusação com o fundamento de ser manifestamente infundada, se confrontada com uma acusação que contenha factos, que de forma clara e inequívoca, ainda que fossem provados em audiência de julgamento, não constituíam qualquer crime, sendo, pois, a realização de julgamento um acto inútil.
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Não é o que expressamente ocorre no caso dos presentes autos, uma vez que os factos descritos na acusação constituem crime, plasmados no segmento da qualidade da coisa oferecida a cada um dos agentes, ou seja um telemóvel da marca Samsung, de modelo com alta reputação e valor no mercado legítimo e que faz razoavelmente supor, em concreto, da sua proveniência ilícita, ainda que o segmento alternativo do elemento objectivo do tipo no que tange ao diferencial entre o preço de aquisição do mercado legítimo e o preço proposto no mercado ilegítimo se desconheça em concreto.
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Tal não verificação do segmento do diferencial entre valores, estando in casu, presentes os demais elementos objectivos do tipo, não autorizam a Mmª Juiz a quo em rejeitar liminarmente a acusação em processo especial sumaríssimo, porquanto a factualidade relatada na acusação constitui crime.
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E ainda que tal factualidade estivesse imperfeitamente descrita, a Mmª Juiz em caso de dúvida, deveria ter dado cabal cumprimento ao disposto no artº 395º nº 3 do CPP, reenviando o processo para a forma comum, valendo o...
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