Acórdão nº 4293/16.3T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ DE CARVALHO
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 4293/16.3T8STB.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Instância Central – Juízo de Competência Comercial de Setúbal – J1 Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: No âmbito do processo de insolvência de (…), este veio interpor recurso da decisão que qualifica como culposa a insolvência.

No âmbito do procedimento de insolvência, o credor “(…) Banco, SA” requereu que fosse declarada a insolvência de (…) como culposa.

Para tanto alegou, em síntese, que a insolvência do devedor se enquadra no disposto nas alíneas b), d) e f) do n.º 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

A Administradora da Insolvência apresentou parecer, no qual afirma, em síntese, que o insolvente: (i) não detém qualquer património mobiliário sujeito a registo inscrito em seu nome desde 16/06/2016 por ter transmitido, sem contrapartidas pecuniárias, os veículos com matrícula (…)-HA, (…)-KB e (…)-AG (ii) celebrou o contrato de assunção e confissão de dívida de 19 de Setembro de 2014 na pendência e véspera de vencimento de inúmeros créditos de que se sabia devedor; e (iii) omitiu as informações relacionadas com as transmissões dos veículos.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de concordar com a qualificação proposta, concluindo estarem verificados os pressupostos das alíneas a) e d) do nºs 2 e 4 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Uma vez citado, o insolvente contestou o incidente, justificando a razão de ter transmitido os veículos registados em seu nome e de haver assinado o contrato de assunção de dívida.

A comissão de credores não apresentou parecer.

Ao abrigo do disposto no artigo 189º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Tribunal recorrido decidiu:

  1. Qualificar como culposa a insolvência de (…).

  2. Declarar (…) inibido para administrar património de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 5 (cinco) anos.

    O recorrente não se conformou com a referida decisão e nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões: I – A douta Sentença qualificou a insolvência como danosa por entender que a actuação do insolvente se insere na previsão legal das alíneas b), d) e f) do nº 2 do artigo 186.º do CIRE (Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas).

    II – Entendendo que a celebração de um acordo de assunção de dívida com penhor e garantias em que o Insolvente outorga como gerente e por si, dando a um fornecedor das sociedades que gere – (…) –hipotecas de imóveis da sua propriedade são actos que preenchem esses normativos legais.

    III – O aqui insolvente não concorda com esta decisão por entender que a actuação do Insolvente não se integra na previsão legal destas normas.

    IV – Desde logo porque no que a alínea b) do n.º 2 do art.º 186º do CIRE diz respeito as hipotecas constituídas nesse acordo são maioritariamente hipotecas de segundo e terceiro grau.

    V – Sendo certo que, a própria sentença reconhece que o aqui insolvente não criou ou agravou artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros.

    VI – E se não actuou dessa forma não pode o seu comportamento ter causado a celebração de qualquer negócio ruinoso.

    VII – Da interpretação literal do artigo resulta que o legislador pretendeu enquadrar aqui aqueles comportamentos em que os devedores por via da ocultação de passivos ou prejuízos, ou pela redução dos lucros, celebram negócios ruinosos em seu proveito, o que não se verifica neste caso.

    VIII – Por outro lado, entende, ainda, a Sentença agora em crise que o Insolvente dispôs do seu património em proveito pessoal ou de terceiro, enquadrando este comportamento na alínea d).

    IX – Acontece que, a actuação do insolvente naquela data visou exactamente e num acto de gestão, que as sociedades conseguissem manter a sua actividade, para pagamento de obrigações que as empresas tinham e nas quais os próprios sócios/gerentes também prestaram avais pessoais em empréstimos concedidos às empresas e nos quais caso as empresas não cumprissem iriam colocar em causa o seu património pessoal.

    X – Conforme facilmente se constatam dos autos de insolvência o aqui Recorrente aquando da entrada da insolvência era avalista de vários créditos que tinham sido concedidos às empresas que geria (veja-se o crédito multifunções do … Banco, do Banco …, do Banco …).

    XI – Ora, ao celebrar o acordo com a (…) o insolvente visou não favorecer as empresas de que era gerente mas sim proteger o seu património, protegendo assim os seus credores.

    XII – Assim, o recorrente não actuou de forma a enquadrar a situação prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE.

    XIII – Por último entende o Tribunal que o insolvente ao ter celebrado o contrato com a (…), nos termos já explanados a sua conduta integra a previsão legal da alínea f) do n.º 2 do art. 186º CIRE.

    XIV – Entende o aqui Recorrente que esta alínea não pode ser aplicada as pessoas singulares.

    XV – Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 08/11/2011 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 04/06/2012 onde ambos referem o seguinte: “Note-se, porém, que, embora as presunções do nº 2 do art. 186º se apliquem às pessoas singulares (com as devidas adaptações – cfr. nº 4, do art. 186º), nem todas as hipóteses ali contempladas são susceptíveis de aplicação a devedores que sejam pessoas singulares, como parece ser o caso, desde logo, das als. e) e f)” (ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

    XVI – Pelo que a alínea f) do supra citado artigo não podia ser aplicada ao caso dos autos porquanto estamos perante uma insolvência de pessoa singular.

    XVII – E como tal não estando verificada nenhuma das alíneas do n.º 2 do artigo 186º do CIRE sempre que a insolvência teria de ser qualificada como fortuita.

    XVIII – Ainda que assim não se entenda, o que só se coloca por mera questão de raciocínio, e se decida manter a Douta Sentença, sempre se dirá que, a inibição para administrar património de terceiros e para o exercício de comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgãos de sociedade comercial e civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 5 anos é demasiada face à culpa do Insolvente.

    XIX – A doutrina e a jurisprudência vêm sustentando que na fixação do período de inibição “o juiz deve atender à gravidade do comportamento das pessoas abrangidas e à sua relevância na verificação da situação de insolvência, ou no seu agravamento, segundo as circunstâncias do caso” (cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Iuris, Reimpressão, págs. 624 e 626, ou Catarina Serra, in O Novo Regime Português da Insolvência, Almedina, 4ª edição, pág. 121).

    XX – De facto, ainda que se entenda que a sua conduta foi culposa – o que, repise-se, não se aceita – sempre se dirá que o Insolvente não agiu com culpa ou a ser considerado o contrário sempre terá de se considerar essa culpa como desculpável face à sua situação e das suas sociedades.

    XXI – Pelo que a Sentença recorrida deveria ter efectuado um juízo sobre o grau culpa do insolvente fundamentando a sua decisão de aplicar a inibição por 5 anos, o que não o fez.

    XXII – Pelo que, caso se entenda que a insolvência deve ser qualificada como culposa o que não se aceita-deverá fixar-se o prazo de inibição tendo em consideração que a actuação do Insolvente não foi grave.

    Nestes termos e nos demais de Direito deve o presente recurso ser admitido, julgado provado e procedente, devendo a douta Sentença ser revogada julgando a Insolvência de (…), fortuita.

    Caso assim não se entenda o que não se concede, deve a Sentença ser revista no que ao prazo de inibição previsto no artigo 189º do CIRE diz respeito tendo em consideração a culpa do Insolvente».

    Houve lugar a resposta do “(…) Banco, SA”, que defendeu que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida. Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.

    II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do...

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