Acórdão nº 2048/15.1T8STB-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelMÁRIO SERRANO
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 2048/15.1T8STB-C.E1-2ª (2017) Apelação-1ª (2013 – NCPC) (Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 131º, nº 5 – NCPC) ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I – RELATÓRIO: No âmbito do processo de insolvência, que corre termos na Secção de Comércio da Instância Central de Setúbal da Comarca de Setúbal, em que foi declarada insolvente (…), foi exercida pelo administrador da insolvência (AI), contra (…), filha da insolvente, por carta registada com aviso de recepção (AR) datada de 10/7/2015, a resolução em benefício da massa insolvente de doação, efectuada pela insolvente a favor da sua indicada filha, do quinhão hereditário, correspondente a ¼ (um quarto), que lhe pertencia na herança ilíquida e indivisa aberta por morte do pai da insolvente, (…), falecido em 21/8/2012 (doação essa realizada por escritura pública celebrada em 20/2/2015), com base no artº 121º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/3, invocando constituir essa doação «acto prejudicial para a massa insolvente» e ser tal acto enquadrável na alínea b) do nº 1 dessa disposição legal, por se tratar de «acto celebrado pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência».

Pela mencionada donatária foi deduzida impugnação da resolução, ao abrigo do artº 125º do CIRE, tramitada em processo autónomo, que corre por apenso ao processo de insolvência. Na respectiva petição inicial sustenta a impugnante, no essencial, que a doação em causa foi efectuada num quadro familiar de benefício da A. fundado no carinho especial que o pai da insolvente nutria pela neta (ora A.), pelo que se enquadraria nos «usos sociais» a que alude o artº 121º, nº 1, al. b), do CIRE, e que a carta de resolução padece de nulidade, por se apresentar sem a devida fundamentação, designadamente quanto à identificação do real prejuízo do acto para a massa insolvente e quanto à identificação das concretas verbas que integram a herança do lado activo e do lado passivo – e, nessa base, requer a impugnante a declaração de ineficácia da resolução.

Na contestação da R. Massa Insolvente (e após aperfeiçoamento, nos termos do artº 590º, nº 2, al. b), e nº 4, do NCPC), sustentou-se a plena validade da carta resolutiva, quer por a carta conter todos os elementos legalmente exigidos, quer porque a doação se presume prejudicial à massa insolvente, como decorre do regime do artº 121º do CIRE (que se refere a situações de resolução incondicional), sendo ainda certo que o quinhão hereditário em causa se referia a cinco prédios urbanos e que o seu valor ascendia a 16.809,34 €.

Na sequência da normal tramitação processual, o tribunal de 1ª instância entendeu, no momento do despacho saneador, dispor já de elementos bastantes para conhecer do pedido, pelo que prolatou decisão final a julgar improcedente a impugnação da resolução em benefício da massa insolvente e válida tal resolução. Na fundamentação da sua decisão, a M.

ma Juiz a quo considerou, essencialmente, o seguinte: o regime do artº 121º do CIRE dispensa a prova do prejuízo para a massa, da má fé do adquirente e o conhecimento da situação de insolvência ou da sua iminência; provou-se a prática de acto gratuito dentro dos dois anos anteriores à declaração de insolvência (aliás, quase 3 anos depois da sucessão por morte do pai da insolvente e avô da adquirente, e apenas 18 dias antes da apresentação da insolvente à insolvência), sendo que o artº 121º consagra uma presunção inilidível de prejudicialidade para a massa, pelo que tanto basta para considerar preenchida a norma da al. b) respectiva; a carta resolutiva identifica claramente o negócio prejudicial à massa, não sendo os lapsos de escrita verificados nessa carta bastantes para prejudicar o teor da comunicação e a sua compreensão pela destinatária, ora impugnante; a doação em apreço não integra o conceito de «usos sociais», quer pelo valor (cerca de 16.000,00 €), quer pelos bens integrantes (imóveis), sendo ainda certo que, se houvesse qualquer intenção de ser cumprida uma última vontade do de cujus, certamente este poderia ter disposto da sua quota disponível em benefício da neta, assim como poderia a insolvente ter, logo após a morte de seu pai, outorgado escritura de repúdio da herança, em vez de efectuar a doação apenas na iminência da sua declaração de insolvência.

É desta decisão proferida no despacho saneador, de carácter sentencial na medida em que decidiu do mérito da causa (sob a forma do denominado “saneador-sentença”), que vem interposto pela A. impugnante o presente recurso de apelação, cujas alegações culminam com as seguintes conclusões: «I. A carta resolutiva, além de confusa, é nula, porquanto é omissa quanto aos bens da herança que supostamente ali estariam referidos, mas que não realidade não o foram – Ponto 1 da Matéria de Facto: “deve o quinhão que V. Exa. tem nos imóveis e móveis da herança, acima identificados, ser restituído à massa insolvente”, não tendo o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência identificado o activo.

  1. Também é nula porquanto a carta resolutiva é omissa quanto ao passivo da referida herança, facto que também nem a esta altura se mostra provado, o que impede a apreciação do pretenso benefício para a massa insolvente.

  2. A total carência de factos concretos na carta resolutiva, com meras por formulações conclusivas, torna-a nula.

  3. Sendo certo que tem sido esse o entendimento dos nossos Tribunais Superiores, designadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04/06/2013 (processo 354/12.6TBFND.K.C1, in dgsi.pt), com muito interesse para os autos.

  4. Entendimento esse retomado no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16/01/2014 (processo 833/12.5T2STC-K.E1, in dgsi.pt), que bem resume a pacífica jurisprudência.

  5. Sendo certo que também é propugnado nesses Acórdãos que nem a circunstância de se poder eventualmente tratar de uma resolução incondicional ilibaria o Exmo. Senhor...

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